As eleições nestes países têm alta significância para o quadro político no Brasil
O Brasil é, efetivamente e desde o início do século XX, a maior economia da América do Sul. Esta importância econômica se impôs, estruturalmente pela capacidade produtiva industrial, dimensão da área agricultável, pela abundância de produtos extrativos relevantes e por vasta oferta de mão de obra. Contudo, decisivo para esta liderança foi a opção do Estado brasileiro e de parte de sua burguesia pela estratégia desenvolvimentista que organizou a ocupação da mão de obra, ampliou a infraestrutura produtiva e empurrou o país para um forte processo de industrialização, fundamentalmente no período varguista entre 1930 e 1954.
O regime autoritário burocrático-militar de 1964 aprofundou esta opção pela “modernização conservadora”, principalmente pela incorporação da economia agrária ao processo capitalista global, abrindo espaço para a hegemonia da empresa capitalista sobre as formas tradicionais da grande propriedade e suas formas e meios de exploração do trabalho, que vem a atingir seu ápice sob a razão neoliberal, neste século XXI, na expansão do agronegócio e sua fusão com o capital rentista.
Esta liderança brasileira sobre os demais países da América do Sul, contudo, ficou mais suave a partir das mudanças estruturais na economia capitalista na década de 1990, com a substituição do desenvolvimentismo modernizante pela hegemonia neoliberal. A mudança de hegemonia e direção política no campo da economia e da política capitalista, modificou profundamente as relações entre as economias e a política dos países do continente.
O processo de dependência e a subordinação produzido pela acelerada industrialização dos países periféricos, com base em uma divisão internacional subordinada do trabalho, deu lugar a uma alteração da divisão do trabalho a partir do processo de globalização, com desnacionalização, desindustrialização, ultra concentração e fusão de capitais sob supremacia do capital rentista.
Esta mudança estrutural da economia capitalista mundial, de substituição de sua fração hegemônica, teve fortes implicações nas relações políticas no continente sul-americano. Durante o período de governos progressistas na região, nas duas primeiras décadas do século XXI, cresceu a importância das relações entre os países da América do Sul e uma consequente aproximação, ainda que não eliminação, dos diferentes pesos políticos.
A crise provocada pela hegemonia neoliberal e a intenção de diminuir seus efeitos corrosivos sobre a população e a economia, criaram um sentido continental de desenvolvimento com progresso e inclusão, se em momento algum foi capaz de pôr em cheque a condição de subordinação à globalização, criou a necessidade de maior aproximação política.
A ampliação das relações comerciais do Mercosul, a construção da União das Nações Sul-americanas (Unasul), do Conselho de Defesa Sul-americano (CDS) e a efetivação da Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) foram expressões desta estratégia mitigada para encontrar um caminho de desenvolvimento. Todas essas iniciativas compuseram as estratégias dos governos lulistas no Brasil, kirchneristas na Argentina, chavistas na Venezuela, na Bolívia do “processo de cambio”, no Equador da “revolução cidadã”, no Uruguai da ou Frente Ampla, assim como os governos Lugo no Paraguai e Bachelet no Chile.
Esta aproximação de estratégias de desenvolvimento produziu um efeito de ampliação da mútua influência no campo da política. As razões econômicas determinadas pela globalização e pela condição periférica dos países sul-americanos ampliaram as relações políticas, não somente entre os Estados, mas, também, diretamente, entre as frações dirigentes e as tendências políticas.
Uma evidência desse processo de mútua influência é que à onda de governos progressistas no continente se seguiu uma onda reacionária, conduzida pelas burguesias locais com um programa de austeridade financeira, de combate à política de inclusão anterior, que levou à ascensão da extrema direita em vários desses países e que deu principalidade à desconstituição dos importantes mecanismos e fóruns regionais, ampliando a subordinação do continente à hegemonia dos Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump.
Mesmo com a emergência do reacionarismo como ocorrido no Brasil, Paraguai e, por um breve momento na Bolívia, nos últimos dois anos observamos uma reação progressista em países como Chile, Argentina e Bolívia.
É neste contexto que as eleições no Equador e Peru e as eleições regionais complementares na Bolívia, ocorridas neste domingo, 11 de abril, tem alta significância e influência para o quadro político no Brasil.
No Equador, a direita venceu com o banqueiro Guillermo Lasso, do Movimento CREO, projetando um aprofundamento da crise econômica no País em função da presumível manutenção de cortes nos investimentos sociais. No Peru, uma pesquisa boca de urna divulgada pelo instituto Ipsos Peru, logo após o encerramento da votação, indicava a liderança de Pedro Castillo e o segundo lugar com Keiko Fujimori. Pedro Castillo defendeu uma reforma da Constituição do país, com o sentido de diminuir o poder das elites empresariais e dar ao país maior controle sobre setores como mineração, óleo, hidrelétricas e comunicações. A eleição ainda está indefinida. Já na Bolívia as eleições foram para a escolha de governador em quatro departamentos. Os primeiros resultados apontam pra uma disputa renhida após a vitória do MAS, partido de esquerda, nas eleições presidenciais e nos demais departamentos realizadas em 2020.
Estes países atravessam fortes crises e foram alvo de operações golpistas e de tendências autoritárias. A Bolívia deu um passo muito forte nas eleições presidenciais de outubro de 2020, consagrando um governo progressista, derrotando o campo de direita golpista que derrubou Evo Morales e, desde então, procedendo a uma revisão profunda da herança golpista. Já no Equador e no Peru as crises políticas se somam a fortes crises sociais em decorrência da pandemia. Estes países terão que enfrentar alguns pontos nevrálgicos, tais como a reconstrução dos fóruns regionais como necessidade econômica e redefinição dos padrões de relacionamento com a China, a grande parceira comercial da América do Sul.
Os maiores desafios desses países continuam sendo a diversificação da matriz produtiva e a integração das regiões mais pobres. Tais desafios, se inserem nas grandes questões que impactam simultaneamente todos os países da América do Sul: a crise econômica e social, a crise sanitária da pandemia da covid-19 e a emergência da extrema direita e sua política de desdemocratização.
A permeabilidade política às mudanças nos países vizinhos na América do Sul é hoje um fato relevante nas equações locais. O que parecia ser uma onda política reacionária infreável há dois ou três anos, hoje demonstra ser um processo muito duro de disputas entre políticas muito distintas, com uma grande capacidade de resistência e iniciativa por parte do campo de esquerda.
A equação da crise brasileira, hoje o principal núcleo da extrema direita sul-americana, está sendo afetada pela vitória de partidos, frentes e campos progressistas no continente. A fórmula da austeridade, subordinação passiva aos EUA e desdemocratização ampliou a crise no Brasil e nos países da região. A recuperação da economia e do emprego, superação da crise sanitária e o enfrentamento das sequelas sociais pós pandemia ocuparão o centro da política nos próximos 4 ou 5 anos. O Brasil não pode continuar a ser a fonte produtora do negacionismo e do subdesenvolvimento.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko