O Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA), o Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (COREN/RS), o Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (SERGS) e Centrais Sindicais oficializaram a saída conjunta do Conselho Multissetorial para o Enfrentamento da Covid-19 (Comue-Covid) de Porto Alegre. Em carta entregue ao governo municipal, nesta segunda-feira (5), além de comunicar o desligamento, as entidades apresentam os motivos da decisão.
O documento abre ressaltando a inconformidade com a condução e os rumos do Comue-Covid. De acordo com as entidades, a composição do Conselho não se dá de forma paritária em relação a garantir um equilíbrio entre os diferentes setores. O texto destaca a preponderância dos setores empresariais sobre os demais segmentos.
Critica também a inexistência de um comitê científico que subsidie a tomada de decisões e a falta de parâmetros e indicadores de saúde e epidemiológicos e de propostas por parte dos gestores em saúde para discussões em plenário. Para os assinantes da carta, isso demonstra a intencionalidade desse espaço em valorizar o segmento empresarial em detrimento do segmento das entidades e órgãos do Setor Saúde, o desvirtua o objetivo a que se propõe.
As entidades também relatam a falta de escuta efetiva por parte do Executivo municipal, sobre os questionamentos e apontamentos dos signatários. “Reiteramos que, na maioria das vezes, a tomada de decisão realizada era apresentada de forma verbal, sem nenhuma ata ou nota técnica, quanto às medidas adotadas em relação à flexibilização das medidas supressivas. Da mesma forma, em várias ocasiões o vice-prefeito comunicou a decisão de não serem seguidos os critérios estabelecidos em relação à classificação estabelecida pelo Sistema de Distanciamento Controlado, adotado por órgão colegiado do Estado do RS”, apontam.
Os signatários da carta destacam também a falta de participação de representantes das secretarias de Assistência Social, Trabalho e Renda e Educação no Conselho, o que indica a não priorização da proteção social das populações mais vulneráveis. As entidades reforçam não serem coniventes com a forma como vem sendo conduzida a gestão da maior crise sanitária. Conforme apontam, a gestão municipal vem negligenciando a responsabilidade sanitária e o princípio da precaução, colocando de forma secundária o princípio da preservação da vida e promoção da saúde pública e da dignidade humana.
Ao final, os signatários afirmam que, pela forma como vem sendo conduzido o conselho, em que não se permite que os diferentes posicionamentos possam ser registrados, fica sem sentido a permanência no mesmo.
Leia abaixo a nota completa:
Nota de Esclarecimento
Viemos a público manifestar a inconformidade com a condução e os rumos do Conselho Multissetorial para o Enfrentamento da COVID19 (COMUE-COVID), o qual compõe como membros e convidados, conforme Decreto Municipal Nº 20.889, DE 4 DE JANEIRO DE 2021, em cujo Artigo 3º fica consignado que este Conselho tem “caráter consultivo, com a função de assessorar, opinar e propor ao CE-COVID ações e políticas públicas de combate à pandemia”.
O §1º do mesmo Artigo apresenta a composição dos membros do COMUE-COVID, que conta com 14 membros da Prefeitura de Porto Alegre, distribuídas nas diferentes Secretarias.
O §2º indica que também serão convidados para integrar o COMUE-COVID, em sua composição plenária, um total de 24 órgãos e instituições, distribuídos por 4 entidades profissionais de saúde (3 médicas e 1 de enfermeiros), 4 universidades, 10 representantes de entidades empresariais, Ministério da Saúde, Governo do Estado RS, OAB e Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
O § 3º do mesmo Artigo refere que poderão ser convidados a participar das reuniões do COMUE-COVID os servidores e técnicos de órgãos e de entidades da Administração Pública Municipal Direta e Indireta, especialistas e entidades representantes da sociedade civil. É nessa condição que o Conselho Regional de Enfermagem do RS (COREN-RS), o Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre e a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), ingressaram no referido Conselho, posteriormente à sua instalação.
Em seu artigo 4º foram instituídas com a finalidade de prestar apoio as atividades do CE-COVID e do COMUE-COVID, seis comissões temáticas, dentre elas a Comissão Temática de Saúde. Até o momento não foram apresentadas e publicizadas a composição dessas Comissões que, conforme o §1º, deveriam ser definidas em Ato do Prefeito. Destacamos que até a última reunião, no dia 26/03/2021, em que solicitamos a apresentação da Comissão de Saúde, não tivemos resposta, sendo que em nenhum momento houve a apresentação dessas comissões para o Plenário do COMUE-COVID.
Também questionamos a não apresentação e encaminhamento de documentos por escrito para subsidiar o Plenário, bem como o desconhecimento das atas do CE-COVID, conforme preconizado no art. 2º, em seu §3º. Até o momento, não houve o encaminhamento de nenhuma ata para os participantes do COMUE-COVID.
Destacamos que o ‘Título III - Das medidas restritivas para o controle sanitário e epidemiológico’, em seu Capítulo I, estabelece os Princípios Norteadores das medidas restritivas e no seu art. 5º apresentas os VII princípios.
No nosso entendimento, a composição desse Conselho não se dá de forma paritária em relação a garantir um equilíbrio entre os diferentes setores, considerando que o objetivo principal desse colegiado e do próprio Decreto, além de reiterar a permanência do estado de calamidade pública, se propõe a estabelecer os mecanismos para definição das medidas para o enfrentamento da emergência em Saúde Pública decorrente da covid-19 no âmbito do Município. Desta forma ficam prejudicadas as informações e análise dos dados de saúde na perspectiva de enfrentar os efeitos da Pandemia com ações mitigadoras e supressivas, baseadas no controle sanitário e epidemiológico, nas evidências científicas existentes, nas diretrizes da Organização Mundial de Saúde, respeitando os princípios do Sistema Único de Saúde e da Administração Pública.
No decorrer das reuniões deste Conselho tivemos dificuldade de sermos escutados de forma efetiva, na medida em que nossos questionamentos e apontamentos, não tinham a garantia do devido retorno por parte da Prefeitura de Porto Alegre. A forma como foi estabelecida a composição desse espaço, com a preponderância de representantes de setores empresariais e econômicos, e a coordenação por representante da gestão municipal que não é da área da Saúde, além da inexistência de um comitê científico, para subsidiar a tomada de decisão, demonstra a intencionalidade desse espaço em valorizar esse segmento em detrimento do segmento das entidades e órgãos do Setor Saúde – o que no nosso entendimento desvirtua o objetivo a que se propõe.
Apesar de serem feitas apresentações por gestores da Saúde da situação geral epidemiológica e da rede de atenção à Saúde, não havia por parte desses técnicos a definição de parâmetros e indicadores de saúde e epidemiológicos, tampouco eram apresentar proposições de ações a partir de prospecções do cenário atual, para que o Plenário pudesse ter elementos para se posicionar, frente à tomada de decisões do Prefeito através do CE-COVID.
Reiteramos que, na maioria das vezes, a tomada de decisão realizada era apresentada de forma verbal, sem nenhuma ata ou nota técnica, quanto às medidas adotadas em relação à flexibilização das medidas supressivas. Da mesma forma, em várias ocasiões o Vice-Prefeito comunicou a decisão de não serem seguidos os critérios estabelecidos em relação à classificação estabelecida pelo Sistema de Distanciamento Controlado, adotado por órgão colegiado do Estado do RS.
Importante destacar que não tem participado desse Conselho, representantes de outras Políticas, como Assistência Social, Trabalho e Renda, Educação e que nem o Secretário da Saúde tem tido presença constante, para que houvesse uma análise intersetorial e as ações necessárias para o enfrentamento dos efeitos impostos pela Pandemia. Nessa esteira, identificando que as proposições não priorizavam a proteção social das populações mais vulnerabilizadas, já havíamos solicitado a apresentação das ações de proteção social e de segurança alimentar em andamento, mas não foram apresentados nem o diagnóstico da situação atual nem as medidas de proteção social, necessárias para garantir condições mínimas de segurança alimentar e moradia para as pessoas desempregadas e vulnerabilizadas, tampouco para populações específicas, como população em situação de rua, pessoas privadas de liberdade, quilombolas e população indígena.
Nesse sentido, na reunião do COMUE-COVID do dia 26/03/2021, nos manifestamos fazendo esses apontamentos quanto a condução daquele espaço e apontamos que não estavam sendo cumpridos diversos artigos do decreto e, principalmente, manifestamos nossa perplexidade quanto ao anúncio do Prefeito de que iria entrar com ação junto ao Estado para garantir a autonomia da Prefeitura em flexibilizar as medidas restritivas adotadas, além da flexibilização já implementada na retomada da cogestão quanto ao município de Porto Alegre, desrespeitando o sistema de classificação de bandeiras e suas medidas decorrentes.
Na mesma ocasião, ratificamos o pedido de que fossem apresentados os parâmetros e indicadores utilizados para essa flexibilização, quando novamente foram apresentados os dados pela Secretaria Municipal de Saúde, que indicavam o esgotamento da Rede de Atenção, com mais de 100% de ocupação em leitos de UTI, com cerca de 80% dos leitos ocupados tanto clínicos como de UTI com diagnóstico de COVID, com o aumento do tempo de espera para leitos de enfermaria e UTI e com problemas e riscos no abastecimento de medicamentos, insumos do kit intubação, com estoques mínimos, aumento das taxas de letalidade e da taxa de positividade. Em síntese, apesar da situação de agravamento da situação no Estado, e no município que está há mais de 4 semanas com classificação de bandeira preta, com crescimento exponencial e a saturação do sistema de saúde, com o esgotamento da capacidade de ampliação de leitos, mesmo com todos esses dados, a gestão municipal estava decidindo a flexibilização das medidas restritivas com ampliação da abertura de setores não essenciais aos finais de semana.
Apontamos, em diferentes momentos, a necessidade de reforçar e aumentar as medidas restritivas, pelo agravamento do quadro epidemiológico da Covid19, e de mais empenho de comunicação para distanciamentos e não aglomerações por parte da sociedade, com o esgotamento da capacidade da força de trabalho da saúde, que está extenuada e não tem tido garantias mínimas das condições de trabalho e de descanso. Temos indicado que a ação de ampliação de leitos, de forma isolada, não produz os efeitos necessários para enfrentar as demandas diretas e indiretas decorrentes da situação sanitária, ações de comunicação, educação e promoção de saúde, de testagem de todos os casos suspeitos, da vigilância dos casos suspeitos e confirmados, acompanhamento e monitoramento das pessoas com COVID e o isolamento e medidas de higiene e proteção. Não podemos nos calar frente a gravidade desta situação como entidades que representam a área da saúde comprometidas com a defesa da Vida, do SUS e do direito à Saúde para todas as pessoas.
Diante disto, não podemos ser coniventes com a forma como vem sendo conduzida a gestão da maior crise sanitária dos últimos cem anos, no momento em que o Brasil se tornou o país com maior número de casos, com a insuficiência da velocidade do processo de vacinação frente à aceleração da transmissão, aliado a novas cepas (que são mais agressivas) identificados no Brasil e a transmissão comunitária da P1 no Estado e no município, gerando um agravamento dos casos e a mudança do perfil etário de contaminação, que tem atingido as faixas etárias mais jovens. Assim, vem sendo negligenciada a responsabilidade sanitária e o princípio da precaução pela gestão municipal, colocando de forma secundária o princípio da preservação da vida e promoção da saúde pública e da dignidade humana.
Além de afirmar que quando ingressamos nesse Conselho, a motivação que nos moveu foi a disponibilidade de contribuirmos e o entendimento de que as Políticas Públicas só se efetivam se construídas de forma coletiva e que a participação social no SUS é um princípio que deve guiar toda a gestão pública na área da Saúde. Dessa forma não nos submeteremos a ser meros expectadores desse processo, que não se estabeleceu como espaço colegiado consultivo, conforme o regramento do decreto que o criou, mas como espaço meramente informativo com importantes fragilidades em relação à transparência, à proteção da população e a responsabilidade de construir as respostas necessárias através das secretarias do município para enfrentar a complexidade dos efeitos da Pandemia na garantia da proteção social da população e das condições decentes de trabalho aos trabalhadores da linha de frente.
Assim, não vendo considerados e acolhidos nossos pleitos e preocupações sociais e apontamentos técnico-científicos, na tomada de decisão quanto ao aos rumos do enfrentamento da crise. Entendemos que pela forma como vem sendo conduzido esse Conselho, não permite que os diferentes posicionamentos possam ser registrados e dessa maneira nossa participação pode ser entendida como concordância com as medidas que vem sendo adotadas. Nesse sentido as entidades signatárias comunicam à Sociedade e ao Prefeito Municipal sua retirada da participação no referido Comitê, mantidas as atuais condições relatadas. E reafirmamos que seguiremos atentos e vigilantes em nossas frentes de atuação alinhados aos nossos compromissos éticos-políticos.
Porto Alegre, 05 de abril de 2021.
Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul
Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul
Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre
Centrais Sindicais do Rio Grande do Sul
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Edição: Marcelo Ferreira