Os tempos são de dor, morte. Mas os tempos podem, ou voltar a ser, de vida, alegria, esperança
Cada dia é um dia. E cada dia apresenta seus novos desafios, e nos tempos que correm, suas enormes surpresas, desconfortos, tristezas e dores.
Jesus enfrentou os poderosos do seu tempo, foi perseguido, preso, torturado, e acabou numa cruz. Foi julgado e condenado por ser profeta, por estar ao lado das samaritanas e dos mais pobres entre os pobres, por denunciar os vendilhões do templo, e por celebrar a comunhão, repartindo o vinho e o pão.
Estamos em tempos de morte. Mortes de todos os tipos e maneiras: mortes ao nosso lado, mortes nas comunidades, mortes de companheiras e companheiros, mortes, muitas mortes, sempre mais mortes.
Ao lado da cama de mamãe Lúcia quase o dia inteiro nas últimas semanas de sua vida, pude, ou fui obrigado pelas circunstâncias, a refletir sobre muitas coisas. Mamãe não esquecia dos filhos. Na sua última semana de vida, incentivada por quem estava ao seu lado, e sentada no lugar onde ela sempre queria ficar, ao lado do fogão da lenha que a aquecia no inverno e de tantas boas comidas nos seus 94 anos, embora muito debilitada, ela lembrou um por um, em ordem, o nome dos seus 9 filhas e filhos, lembrou com saudade das netas e netos, bisnetas e bisnetos. Sempre à espera de sua presença, visita e companhia.
Terminou uma era da família Léo/Lúcia Heck. Mamãe estará ausente de muitas formas. O alemão, falado quase exclusivamente com ela o tempo todo e o dia inteiro, vai começar a desaparecer aos poucos, e vai sendo esquecido. Suas lembranças da família, irmãs e irmãos falecidos, a recordação de sua viagem a Lábrea, Amazonas, para visitar um filho, seus tempos de roça que ela lembrava em detalhes, as comidas e os costumes de antigamente, o goleiro Cássio do Corinthians, que ela conhecia e apreciava, e queria ver jogar toda vez que aparecia na televisão, sua vontade permanente de comer tudo que era doce que aparecia na frente ou lhe fosse oferecido, sua preocupação com o Max, o cachorro de casa, vão se esfumaçando devagar. Farão parte da memória e da história.
Mas mamãe continuará, mesmo com a transvivenciação, viva e presente. Por seu cuidado permanente com a família. Por seu amor à comunidade e ao Esporte Clube São Luiz de Santa Emília, por sua religiosidade, por seus valores de solidariedade, gratuidade, bondade, esperança. Nada disso se apagará nas mentes e corações de todas e todos que com ela conviveram, dela saborearam sua simplicidade, dedicação e vontade de viver.
Ressuscitar é estar vivo e presente. Não só manter a lembrança, mas o exemplo, o testemunho, a mensagem. Jesus ressuscitou, depois da paixão e morte. Sua utopia de um Reino de paz, justiça, igualdade, fraternidade, diálogo permanece nos corações e nas almas. Jesus e o amor por todas e todos, até os inimigos, para que se voltem para a vida e se salvem.
Os tempos são de dor, sofrimento, morte. Mas os tempos também podem, ou voltar a ser, de vida, alegria, esperança. Em meio a uma pandemia e chorando 4 mil mortes diárias no Brasil, é necessário e urgente juntar três verbos, diferentes, mas com o mesmo sentido de luz, horizonte e futuro: transvivenciar, esperançar de Paulo Freire, ressuscitar.
Páscoa é passagem, novo tempo, nova vida. As mortes diárias absurdas, o ódio e a intolerância reinantes, o descuidado com a outra, o outro e com a Casa Comum podem e devem fazer refletir, aprender e assumir compromissos com o amor, na fraternidade e no diálogo, como propôs a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021. São tempos difíceis, mas não impossíveis de serem superados. A solidariedade, a saúde, o ninguém solta a mão de ninguém acabarão sendo mais fortes. Voltarão a animar corações e mentes e unir famílias e comunidades.
Mamãe Lúcia continuará iluminando caminhos.
Jesus, vivo e ressuscitado, presente, alimenta o sonho, a utopia, o Reino.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko