Rio Grande do Sul

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O pior lugar do mundo é aqui e agora. Por quê?

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"O ecocídio, o genocídio, o desmonte do Estado e a arrogância de seus executores decorrem do "apagamento" da realidade vivenciada a partir do golpe militar de 1964" - Reprodução
Precisamos acordar e assumir nossa responsabilidade maior, enquanto espécie

Porque negligenciamos nossa responsabilidade essencial, com a verdadeira razão de existência para nossa espécie. Existimos com a função de melhorar o mundo que nos cerca. Nossa especialização funcional, em relação aos outros animais, é um prêmio que nos capacita a desfrutar de dimensões que estão além dos sentidos básicos. E isso traz responsabilidades não atribuídas aos outros animais. Existimos para tornar mais segura, mais agradável, mais interessante e mais alegre a nossa vida e a dos que nos cercam. Existimos, neste formato especial dentre todos os animais, para melhorar o mundo.

Verdade, existem perspectivas distintas a respeito do que significa uma vida mais segura, mais agradável, mais interessante e alegre, para os nossos e para os demais. Também existem visões diferentes a respeito do que seria justificável, válido de adotar, entre os esforços para construção do que alguns possam entender como sendo “um mundo melhor”. No nazismo, por exemplo. Ou mesmo nos EUA e no Brasil, naqueles momentos da história onde para muitos, valia aquela frase respaldada por governos criminosos: “Índio bom é índio morto”.

Eram de fato ações terroristas, praticadas por milícias e validados por representantes de uma sociedade cúmplice ou ignorante em relação aos crimes praticados por indivíduos que simplesmente estariam buscando o melhor para si ou para os seus (algo como ganhar uma moeda e o que ela pudesse comprar, por um escalpo, ou um par de orelhas), independente do sofrimento dos demais.

A ideia de que cada individuo buscando o melhor para si, desde seu ponto de vista, levará a uma sociedade mais justa, mais eficiente e mais produtiva, no interesse de todos, é vergonhosa. Esta conversa fiada de que existiria uma mão invisível capaz de regular as atividades de todos, eliminando desperdícios e premiando eficiências, induzindo a qualificação geral ao valorizar e premiar méritos, é tão fantasiosa como os contos da Carochinha.

Mas suas implicações são tenebrosas. Adotada por economistas e governos, esta perspectiva da disputa permanente que se apoia em pressupostos tão falsos quanto a ficção da transparência de mercados em concorrência perfeita, além de nos encaminhar para a possível destruição do planeta, já compromete, e talvez para sempre, o espírito humano relacionado àquela funcionalidade básica. Nossa espécie é especial porque tem o dever de atuar de forma consciente, para melhorar o mundo que nos cerca.

Esquecendo isso, avançamos na supervalorização de disputas, alheios a outra verdade básica: a injustiça é insustentável e, ao invés de melhorar as condições de vida, estamos correndo no rumo oposto.

Está claro que o melhor para si, pode ser estimulado, desde que condicionado ao melhor para os demais. Se não houver esta limitação, o “empreendedorismo” não passará de um discurso mentiroso, destinado a culpar as vítimas e a justificar a opressão e as injustiças. Sendo assim, este modelo egoísta para se manter precisará se impor pela força, ou pela enganação, distorcendo a realidade e mistificando os fatos. Coerção, ou colonização das mentes, na linha de uma submissão que se faz tanto mais grave quanto maior o número daqueles que a assumem de forma voluntária. Observamos isso acontecendo entre grande parte do nosso povo, desorientado pela grande mídia desde a preparação do golpe de 2016, ou na base da porrada, como vivenciado por tantos outros, ao longo do período aqui instalado a partir do golpe de 1964.

O individualismo egoísta que cresce nestes períodos de escuridão pode até vir a ter algum futuro, temporário, quando apoiado por grupos de interesse e contando com a ingenuidade, a ignorância ou a covardia de uma maioria submissa, alienada ou não. Porém, embora produza canalhas pela ilusão de sucesso relacionado à canalhice em si, que costuma prosperar nestas fases da história, isto tem horizonte curto. Simplesmente não tem futuro, porque nega a vida e o propósito da humanidade, mas também porque planta e alimenta as sementes da indignação e da revolta.

Mas enquanto dura, esta prática adota mecanismos de retroalimentação que podem ser facilmente desmascarados. Funciona como no caso dos agrotóxicos que produzem seleção negativa de insetos e plantas indesejáveis, e com isso abrem mercado para novas variedades transgênicas e novos agrotóxicos. A estratégia dos golpistas, que ao criminalizar a solidariedade intoxica a consciência e corrói os valores coletivos, está estimulando a emergência de lideranças psicopatas e seus seguidores infantilizados.

Os resultados estão aí. Nossa sociedade vivencia processo de seleção negativa, com a ascensão de personalidades públicas que ignoram aquele quesito do “melhor para todos”, enquanto tratam de assegurar o melhor para os seus. Vejam a família do presidente. Vejam o comportamento das pessoas que ocupam postos chave nestes governos. Observe desde aquelas no primeiro escalão do governo federal, até aquelas que controlam a máquina fotocopiadora, nas repartições públicas.

Este rebaixamento pelo alinhamento ao desvario oportunista afeta a sociedade, desmoraliza as instituições e nos trouxe ao ponto em que chegamos. Desde que o juiz venal, endeusado pela grande mídia e articulado com procuradores federais, protagonizou “o maior escândalo judicial da história da humanidade”, não paramos de afundar. A eleição de Bolsonaro, os já mais de 3 mil mortos diários pela covid, as variantes novas lotando emergências dos hospitais, cemitérios e crematórios... O medo, a fome, o isolamento do país e, para completar, a ameaça de renovação da ditadura empestam o ar que respiramos.

E assim como aconteceu no golpe de 64, que escondido da luz do sol e não sendo bem digerido, agora se tenta apresentar como um período de alegria e prosperidade, avançamos no rumo da mistificação do passado, do presente e do futuro. O ecocídio, o genocídio, o desmonte do Estado e serviços públicos e a arrogância de seus executores decorrem do "apagamento" da realidade vivenciada a partir do golpe militar de 1964 e sustentam a pretensão de impunidade por parte dos golpistas de 2016 e seus sucessores.

Aqui no RS o governador Leite, desde que anunciado como candidato à candidato presidencial do grupo do FHC, vem tentando se descolar do governo Bolsonaro, que ajudou a eleger. Ele acaba de fugir de seus compromissos de campanha, autorizando privatização da Corsan. O que os gaúchos podem esperar de uma Corsan privatizada? Haverá redução de custos operacionais, portanto de qualidade do serviço, referente à água que bebemos? Este tipo de administradores, instalados no Planalto e no Piratini, que se reproduzem no prefeito Melo, estão transformando a cidade de Porto Alegre em principal epicentro internacional da covid-19. O lugar mais perigoso, mais triste, mais inseguro e pior para a vida humana, no planeta, é Porto Alegre.

O pior lugar do mundo é aqui e agora

Aqui morrem e sofrem os nossos, e também os outros. Nos cruzamentos das tragédias se ampliam a tensão, o estresse e os riscos de todos. O desespero cresce, com o agravante de que este é apenas um dos detalhes a que devemos atentar, ao longo de nossas histórias individuais. Afinal, como proposto no inicio deste texto, nossa razão de existir impõe ações conscientes, voltadas à construção de um mundo melhor, mais seguro, mais alegre para nós, os nossos e os demais. E estamos falhando, vergonhosamente, no Brasil, no RS e mais ainda, em nossa cidade.

E vejam que podemos estar diante de um mal ainda maior, com validação dos elogios à loucura geral. Os projetos de festas comemorativas ao golpe de 1964 e a ocultação de seus crimes, a pretensão de reescrever a história e o anúncio de possível novo golpe, dentro do golpe de 2016, tendem a piorar o que temos neste buraco onde viemos a cair.

Bom, temos saídas e elas se desenham. Nesta semana foi festejada a 18º Colheita de Arroz Agroecológico, pelos agricultores assentados no RS. Tivemos também diversas manifestações de solidariedade à Larissa Bombardi e aos agricultores familiares de Nova Santa Rita, todos eles ameaçados por interesses que comprometem lutas por um mundo mais seguro, mais agradável e melhor para se viver. Os agrotóxicos, venenos que comprometem o sistema imunológico, reduzem nossa capacidade natural de resistência a infecções de todo o tipo, incluindo viroses como a covid, e também por isso são inimigos de um mundo melhor.

Neste sentido, resulta evidente que pessoas como a Larissa, os assentados em Nova Santa Rita e os produtores de arroz orgânico, ao trabalharem para reduzir os riscos que aqueles venenos impõem, estão dignificando seu espaço no gênero humano. Estão ajudando na construção de um mundo melhor. Pessoas como eles, comprometidas com a conscientização da sociedade e com a produção de alimentos sadios, livres de agrotóxicos, merecem e precisam de todo nosso apoio e cooperação.

A solidariedade nestes casos, atua como sistema imunológico de uma sociedade ameaçada pela expansão da influência e da aparência de impunidade com que se movimentam atores empenhados em dificultar nossa construção do tal um mundo melhor, mais justo e portanto mais seguro e mais agradável de se viver, no hoje e no amanhã.

Enfim, precisamos acordar e assumir nossa responsabilidade maior, enquanto espécie. Precisamos mais de nós mesmos, e já não basta confiar e esperar pela intervenção divina. Cabe uma grande articulação solidária, que afaste dos nossos, aquele cálice tinto de sangue.

 

 

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* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

           

Edição: Katia Marko