Rio Grande do Sul

Espiritualidade

Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 celebra o diálogo e ações de solidariedade

Edição deste ano, feita em conjunto com igrejas cristãs, sofreu uma onda de ódio e difamações

Brasil de Fato | Porto Alegre |
A Campanha da Fraternidade em 2021 é realizada de forma Ecumênica, em conjunto com igrejas cristãs do Brasil. Este ano o tema é o diálogo e a fraternidade para superar desigualdades e violências - Reprodução

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realiza, todos os anos, no tempo da Quaresma, período de 40 dias que antecede a Páscoa, a Campanha da Fraternidade. É um momento de espiritualidade e diálogo, mas também de ações concretas de solidariedade. Em média, a cada cinco anos, a campanha é realizada de forma ecumênica, ou seja, parceria entre várias Igrejas Cristãs, valorizando o que há de comum entre elas.

Desta forma, na quarta-feira de cinzas (17/3), foi lançada a quinta edição da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE). Em 2021, o tema da CFE é “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”.

Segundo a CNBB, "a CFE 2021 quer convidar os cristãos e pessoas de boa vontade a pensarem, avaliarem e identificarem caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual. Tudo isso através do diálogo amoroso e do testemunho da unidade na diversidade, inspirados e inspiradas no amor de Cristo".

Confira o vídeo de apresentação da CFE 2021:

No canal no Youtube da CNBB, é possível encontrar outros vídeos sobre a Campanha da Fraternidade, bem como vídeos formativos.

Coleta Solidária do Domingo de Ramos

Na Campanha da Fraternidade é estimulado que os fiéis e simpatizantes contribuam com o Fundo Nacional de Solidariedade (FNS). O dinheiro arrecadado é destinado para ações sociais de todo o Brasil, apoiando projetos de combate à fome e à pobreza,

Essa contribuição é chamada de coleta solidária, e todos os anos é realizada no Domingo de Ramos a Coleta Nacional da Solidariedade. Os recursos arrecadados são destinados aos Fundos Diocesanos e Nacional da Solidariedade, que apoiam projetos relacionados ao tema da campanha.

Segundo a CNBB, em 2019, o FNS atendeu mais de 230 projetos em todo o Brasil, distribuindo mais de 3 bilhões de reais em recursos. Você pode conhecer os projetos apoiados pelo FNS clicando aqui.

No RS, no Domingo de Ramos, foi feita uma Oração da Esperança, comandada pelo Frei Sérgio e Frei Zanatta. 

"Por todos os que sofrem, pelos que perderam entes queridos, pelos que estão nos hospitais, pelos profissionais da saúde, pelos que produzem alimentos e remédios e pelos que estão angustiados", foi o direcionamento das preces, dialogando com os sentidos da CFE. 

Também foi dedicada uma oração para as mulheres vítimas de feminicídios, em especial à Adriana de Oliveira, mulher assassinada na semana da campanha. Confira a celebração completa.

A importância do diálogo entre as igrejas cristãs

O Brasil de Fato RS conversou com alguns religiosos que participam da Campanha. Segundo Dom Humberto Maiztegui Gonçalves, bispo da Igreja Anglicana, é importante destacar que a Campanha da Fraternidade Ecumênica é uma realização também do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), o que torna a CFE muito abrangente, dando maior criatividade e diferentes formas de viver a campanha.

"Sobre o tema, a fraternidade e o diálogo, estamos aproveitando este tempo que não podemos nos encontrar para dialogar e aprofundar a unidade na diversidade. Também para lembrar dos grupos e pessoas que são minimizadas, que não tem voz em nossa sociedade, e para nos organizar para resistir à forma como o governo do Brasil está encarando a pandemia", afirma Dom Humberto.

Sobre o ecumenismo, lembra que ele se apoia na Encíclica Laudato si', publicada pelo Papa Francisco, e que dialoga sobre os cuidados com a "Casa Comum", que é o nosso planeta Terra. Afirma que essas reflexões feitas em comum entre os membros e simpatizantes das igrejas cristãs têm ampliado os conceitos que se entendem sobre o ecumenismo, como algo que perpassa a unidade entre as igrejas cristãs.

"A unidade da Igreja Cristã será sempre muito importante, especialmente do cristianismo não fundamentalista, do cristianismo engajado com as questões da humanidade, diferente da fé no mercado, no poder e na discriminação. É muito importante a unidade entre as pessoas de boa fé, que tenham a vontade de lutar por um mundo de justiça e igualdade, harmonia e respeito às diferenças", afirmou o bispo, lembrando que, sob esse ponto de vista de ecumenismo, acredita que a CFE tenha inclusive se tornado mais eficiente.

Nesse mesmo sentido, a Pastora Romi Marcia Bencke, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, afirma que o diálogo entre igrejas, neste momento é fundamental.

"Nossa tradição tem sido desvirtuada com os discursos e práticas extremistas, que mobiliza o cristianismo para justificar a violência e um suposto combate a inimigos. Jesus Cristo nunca nos disse para entrar em conflitos violentos e nem perseguirmos ninguém. Seu ensinamento é de enfrentar a violência com práticas não violentas", pontua a pastora.

Pastora Romi lembra que quando nos deu a declaração para esta matéria, ela não falava em nome de sua igreja, mas como representante do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil. Ela afirma ainda que é um desafio atual a unidade entre as igrejas, bem como afirmar uma visão de mundo que foi deixada como ensinamento a nós, por Jesus.

Para a pastora, não existem inimigos a serem combatidos, mas uma Casa Comum, em toda a sua diversidade para ser amada. Romi pede ainda que seja lembrado que, no dia 31 de março, às 21h, será realizada uma homenagem a todas as mulheres vítimas de feminicídio no país. O evento será online e transmitido no Facebook do Conic.

Dialogando com os dois religiosos, Frei Suzin, que também é professor e doutor em Teologia, contextualiza que o movimento ecumênico cresceu ao longo do século XX, expandindo o diálogo entre as religiões.

"O ecumenismo não estacionou em mesas de diálogos teológicos e doutrinais, ou em momentos de oração em comum, mas se tornou, na América Latina e especialmente no Brasil, um ecumenismo de ações, de companheirismo na edificação de um mundo mais justo e digno para todos, mais inclusão social conectada à experiência religiosa", lembra o Frei.

Nas suas declarações, prossegue lembrando que esse movimento ecumênico também percebeu uma onda de regressão "para afirmações de identidades em contraste com os 'não pertencentes' às denominações eclesiais". Segundo ele, essa regressão é bem visível na Igreja Católica, com certos grupos e padres tradicionalistas, como também nas chamadas novas "megachurches" neopentecostais.

"Em termos culturais, pode-se fazer um paralelo com as reações identitárias em confronto com a globalização que parece ameaçar na diluição das identidades. A graça do momento é termos o Papa Francisco, que, além de testemunhar uma larga experiência ecumênica, insiste que a identidade só é autêntica no encontro e no diálogo. E é justamente disso que agora mais precisamos", concluiu o Frei, grande estudioso do tema da Teologia.

Campanha da Fraternidade teve que encarar uma onda de ódio

Sobre as ações de solidariedade encampadas pelas igrejas durante a CFE, é importante frisar que elas não são uma unanimidade. O próprio Frei Suzin desenhou o quadro sobre a importância dessas ações para as Campanhas da Fraternidade.

"A Coleta feita no Domingo de Ramos, ou em qualquer momento durante a CF, foi um elemento constitutivo da campanha desde o seu começo. Num tempo de carestia, no interior do Rio Grande do Norte, algumas irmãs fizeram uma campanha de alimentos durante a quaresma para amenizar a fome dos mais desprovidos. Isso inspirou agentes da Cáritas de Natal a organizar na quaresma seguinte, em 1962. No ano seguinte, se espalhou por dioceses do Nordeste, até ser assumida pela CNBB", explica o Frei, lembrando que a Coleta Solidária acabou por constituir uma rede de iniciativas de promoção humana, de ações sociais, de socorro e também de formação.

Porém, como foi afirmado anteriormente, tanto a Coleta quanto a própria Campanha da Fraternidade vêm sendo atacadas por setores das igrejas cristãs. Frei Suzin explica que a Campanha é alvo de críticas, por parte de grupos tradicionalistas que, mesmo não sendo majoritários, têm um poder midiático.

"As críticas este ano encrudesceram de forma surpreendente nas redes digitais, em outdoors e em ônibus urbanos, com interpretações maliciosas, mentiras e agressões à pessoas da coordenação, e contaminaram tristemente gente sem suficiente informação. O cúmulo foi a mesquinhez revelada na campanha por negação de ajuda à coleta nacional", lamenta o Frei

Porém, Suzin relata que esta campanha de críticas maliciosas acabou por ter alguns efeitos reversos, fazendo que um número considerável de pessoas acabasse por buscar melhor informação, gerando uma "surpreendente conscientização do bem silencioso que se faz através da CF".

A Pastora Romi teve o mesmo espanto ao perceber que uma campanha de solidariedade e combate à pobreza pudesse trazer tantas críticas. Segundo ela, o próprio tema da campanha foi alvo de críticas.

"Nunca imaginamos que o tema da Campanha deste ano poderia gerar tanta controvérsia. O diálogo é a prática de Jesus. Quando ele explicava a realidade por parábolas, estava, justamente, em diálogo com as pessoas. Tentando fazê-las refletir sobre as contradições do mundo conhecido da época. Todos os tensionamentos e polêmicas estiveram centrados em 20% do conteúdo do texto-base, que é quando falamos sobre as nossas contradições e incoerências", afirma a Pastora.

Ela compreende também que ainda falta amadurecimento político-religioso entre as igrejas. Ela questiona se as igrejas não podem dialogar sobre o racismo, feminicídio, sobre a política de morte implementada no contexto da pandemia, desigualdades econômicas e sociais, destruição dos biomas, etc. Como será possível então construir e alcançar a justiça e democracia?

"Estamos muito distantes do tão sonhado Reino de Deus. Não haverá Reino de Deus se não transformarmos as estruturas que matam e oprimem", pontua.

Ela reafirma, ainda, a importância da participação concreta dos fiéis na coleta solidária, afirmando que, na sua comunidade, as pessoas apresentam sempre motivação em contribuir nas coletas, visto que há uma consciência de que somos responsáveis uns pelos outros e umas pelas outras.

Ainda sobre a coleta solidária, Dom Humberto nos lembra que ela é importante pois é ela quem traduz a Campanha da Fraternidade em atos e projetos concretos de solidariedade.

"É sempre uma questão de prática, de apoiar ações que vão na linha da fraternidade, do diálogo e de superar a cultura do ódio, promovendo a cultura da paz", explica.

Dom Humberto também percebe que há oposição às campanhas de solidariedade dentro das igrejas. Ele entende que os críticos enxergam estas ações, na verdade, como disputas de poder. Esses críticos, segundo Humberto, querem que os recursos destinados pelos fiéis fiquem somente nas suas igrejas.

"Quando apoiamos a Coleta Solidária nossos recursos podem ir, inclusive, para projetos apoiados por outras igrejas, e isto é uma superação importante: o momento em que deixamos de ver a questão religiosa como uma disputa, passamos a ver como uma promoção de valores e sentimentos de toda a sociedade, por isso é tão importante contribuir com a Campanha da Fraternidade e com a Coleta Solidária", finaliza Dom Humberto.


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Edição: Katia Marko