Os incêndios florestais e as pulverizações aéreas de venenos em Nova Santa Rita são uma guerra suja
Nesta semana tivemos a desmoralização do ex-juiz Sergio Moro e toda sua turma, na fraude que levou à prisão do Lula e à eleição do Bolsonaro. Caso tão sério que inclui desde motoboys e procuradores de alto coturno, até desembargadores e inclusive alguns ocupantes de cargos vitalícios neste país. Tivemos ainda novos recordes de mortes pela covid, a possível demissão de mais um ministro inútil e outra meia volta volver do Bolsonaro, que felizmente, agora se diz a favor da vacinação em massa, embora não faltem dúvidas sobre sua credibilidade.
Mas não é sobre isso que pretendo falar.
Neste dia 23 de março, a Accion Ecológica, do Equador, distribuiu análise de elaboração coletiva, tão importante que já foi encaminhada ao Relator Especial de Direitos ao Meio Ambiente da ONU. A publicação, cuja leitura é altamente recomendável, documenta e denuncia estreita relação entre as queimadas florestais dos anos 2019 e 2020, ocorridas na Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Paraguai e Uruguai, a interesses facilitadores da expansão de ramos do agronegócio, notadamente relacionados à pecuária extensiva e aos monocultivos de soja, cana e algodão, entre outros.
Naqueles anos, o fogo, segundo os autores, seguiu uma lógica coerente com a necessidade de avanço daquele modelo de exploração predatória, em direção a territórios indígenas, áreas de proteção ambiental, reservas naturais e espaços ocupados por outras populações tradicionais. Neste sentido, as queimadas teriam atuado, em todos aqueles países, como instrumento facilitador a serviço de interesses econômicos contrários, senão ofensivos às legislações nacionais, a acordos internacionais e aos direitos humanos universais.
O agravo de situações de miséria e a insegurança alimentar, relacionados à destruição da agrobiodiversidade, de modos de vida e culturas tradicionais, decorreria de incêndios anunciados, planejados e executados a serviço de interesses externos, com a complacência, omissão ou o estímulo dos governos locais. Nesta perspectiva, o texto revela que a contaminação de solos e águas, a perseguição de lideranças e outras consequências desta magnitude, estariam sendo protegidas, senão estimuladas ou mesmo agravadas por instituições públicas omissas ou ativas em relação aos fatos e desinteressadas quanto a busca e a responsabilização dos autores. Também estariam sendo observadas, em todos aqueles países, mobilizações de representantes dos poderes Executivo e Legislativo, intencionadas a modificar, flexibilizar, inviabilizar ou mesmo anular legislações protetivas ao ambiente natural e aos territórios ocupados por reservas ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais.
É relevante destacar que no mesmo dia 23 de março os organizadores daquele documento promoveram sessão online de tribunal popular, de caráter Internacional, aplicado ao exame da possível relação entre os Incêndios Florestais e o Agronegócio, naqueles países. Foram colhidos depoimentos de representantes de organizações sociais, ambientalistas, advogados, estudiosos e pesquisadores, que agora estão sendo avaliados. Os resultados finais, na forma de posicionamento do julgador, em face daquelas informações, serão conhecidos no próximo mês.
Mas isto não é o mais importante. O documento referido é suficientemente esclarecedor a respeito de um fato: a soberania dos nossos países está ameaçada. Desrespeitada sua autonomia em favor do interesse de organizações internacionais, avança verdadeiro processo de neocolonização, com o alheamento dos povos e o apoio de agentes locais. E o fogo é apenas mais um dos sinais a serem observados, neste mesmo sentido.
Com a grande mídia acobertando, e contando com a alienação e omissão das populações urbanas, acossadas pela pandemia, o tema das queimadas se aproxima do julgamento da parcialidade do ex Juiz Moro, da articulação da Farsa Jato e do que ocorre no desgoverno Bolsonaro.
Resulta evidente que a confluência de interesses, o desrespeito a valores éticos e morais, a ruptura da democracia e o descaso a direitos humanos, ocorrendo, como os incêndios, de forma similar e simultânea, em tantos países, não seria fruto do acaso.
O que mais poderia explicar tamanha semelhança entre os processos que levaram a golpes na Argentina, Bolívia, Equador, Brasil e Paraguai, e as queimadas facilitadoras da consolidação de processos ofensivos aos interesses nacionais, em tantos países distintos, senão a cumplicidade efetiva de entidades e serviços públicos locais, no interesse de terceiros? Desprezando as identidades nacionais e as singularidades culturais desta parte do planeta, aqueles conluios tratam de expandir, aqui, megalavouras dependentes de tecnologias que garantem nossa subordinação e exigem ampla guerra contra a Natureza e seus aliados.
O fogo, os agrotóxicos, a morte, a perseguição e prisão de opositores, a alteração das bases legais, os golpes de Estado e a guerra híbrida, surgem, assim, como indicadores da necessidade de nos unirmos, com urgência, na linha do resistir para existir.
Ou bem as normas constitucionais e a vontade dos povos têm valor e força, ou são detalhes, firulas legais desprezíveis, como falou aquele procuradorzinho. Questões delicadas, ocultadas a preço de ouro, como nos casos do impeachment da Dilma, da prisão do Lula, da entrega do Pré-sal, da morte de Marielle, das razões que levaram o exército a fabricar dois milhões de comprimidos de cloroquina ou mesmo de responsabilidades associadas aos 320 mil mortos, ou aos R$ 89 mil depositados na conta da Michele.
Felizmente o desrespeito às constituições federais, a corrupção disfarçada de amor aos seus, o controle midiático de informações, a entrega de patrimônios nacionais e outras ofensas à civilização não prosperam indefinidamente. Na Bolívia, as eleições resolveram o impasse. No Brasil, os pareceres de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Carmen Lucia, com a mesma grandeza dos depoimentos e ações de tantas lideranças locais, em tão diversas regiões do planeta, mostram que acordar é possível, e que a coragem, além de alimentar a esperança, também é contagiosa.
E vejam que isso se reproduz em todos os níveis.
Nesta mesma semana, no município de Nova Santa Rita, agricultores ameaçados por veneno que veio do ar, não se intimidaram e trouxeram para a consciência de todos a desfaçatez e a covardia de membros de um agronegócio criminoso, que se julga impune, faça lá o que fizer. Agiram como cidadãos conscientes, aqueles agricultores familiares. Denunciaram o fato e chamaram o apoio de organizações tão diversas como a AGAPAN, CONSEA, FGCIA, ABA, ABRASCO, RENAP, entre outras, arregimentando forças sociais em defesa do ar, da água e da vida de famílias ameaçadas porque insistentes em se manter comprometidas com a produção de alimentos limpos.
E este é um exemplo a ser seguido.
A atitude corajosa dos agricultores de Nova Santa Rita trouxe a público algo maior do que a perda econômica relevante de suas lavouras de base agroecológica, inviabilizadas pelo uso de venenos, por terceiros. O que está em jogo, neste caso como no das queimadas criminosas do Cerrado, do Pantanal e da Amazônia, é a Constituição federal, a democracia, a qualidade de vida e os direitos humanos, questões que dizem respeito a todos nós.
Os incêndios florestais, no Cone Sul e as pulverizações aéreas de venenos em Nova Santa Rita, atuam como armas de uma guerra suja, intimidatória, que para ser freada exigirá o envolvimento de grupos sociais mais amplos, conscientes e esclarecidos a respeito do que está em andamento.
A desmoralização de Moro e seus asseclas, a provável demissão daquele ministro chanceler terra-planista que levou pito de mestre de cerimônias em Israel, a possível prisão dos filhos príncipes e o impeachment do pretenso imperador mentiroso, parecem se encaminhar no mesmo rumo definido em diferentes níveis pelas ações conscientizadoras dos agricultores de Nova Santa Rita e dos três corajosos ministros que fizeram história também esta semana, na segunda turma do STF.
Por isso, acredito que temos motivos para olhar o futuro com algum otimismo. Apesar das ameaças, parece que chegamos ao fim do poço. A partir daqui recomeçaremos a reconstruir o Brasil, e quem sabe até voltar a sonhar com a pátria grande, anunciada por Bolivar e Martí, e cantada como a poesia de Calle 13, em América Latina.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko