Rio Grande do Sul

Coluna

O Atlântico negro e as mulheres negras como projeto alternativo ao bolsonarismo

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"A política brasileira precisa ser feminilizada e enegrecida para enfrentar a crise de representação que pede uma classe política mais próxima da diversidade" - Reprodução
Na atual situação que estamos, olhar para o futuro é não esquecer do passado

É basicamente um consenso entre o campo dos direitos humanos neste país, diante da manifestação necropolítica do atual (des)governo bolsonarista e de uma parcela da população no enfrentamento à pandemia, que um projeto político alternativo a ele e, especificamente, ao bolsonarismo precisa ter a vida como valor. O ponto a ser discutido é: Como construir a vida como valor em um contexto em que há vidas que valem mais que outras? Como é possível quando a apatia de uma parcela da população em relação à pandemia e seus mortos é legitimada por instâncias de gênero e raça? Como construir um projeto político que seja responsável pela valorização da vida em todas as suas formas?

Uma sociedade que não se importa com mulheres, negros e negras, indígenas e LGBTQI+ não tem a vida como valor. Ou ainda, somente com a valorização dos grupos socialmente vulneráveis chegaremos à valorização da vida. Frantz Fanon em Pele negra, máscaras brancas, por exemplo, enfatiza que essa desumanização inicia quando a Europa define que o homem branco é sinônimo de humano e, automaticamente, exclui a possibilidade de humanidade do homem negro. O mesmo podemos pensar aqui no Brasil, ao perceber que mulheres, população pobre, LGBTIQ+ e sujeitos racializados não só têm seus corpos desumanizados, nas mais diversas violências, como também são aqueles que preenchem as filas à espera de leitos disponíveis. E sem qualquer comoção por parte das classes dominantes. Mas o que esperar de um país como o Brasil que assassina jovens negros cotidianamente pela polícia e tal processo não é motivo de comoção nenhuma?

As mulheres negras são os nossos horizontes para os caminhos a serem seguidos

A filosofia de Carolina Maria de Jesus precisa ser a nossa: “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo, e nas crianças.” O âmago deste pensamento de Carolina Maria de Jesus é que as nossas representações políticas precisam conhecer a realidade do nosso povo e valorizar as nossas vidas. É por isso que estou de acordo com a entrevista que Vilma Reis concedeu à Folha, defendendo que a política brasileira precisa ser feminilizada e enegrecida para enfrentar a crise de representação que pede uma classe política mais próxima da diversidade do Brasil. Portanto, a saída é pela esquerda e com as mulheres negras na estruturação do poder.

O símbolo do Atlântico negro

Na atual situação que estamos, olhar para o futuro é não esquecer do passado. Ou seja, não esquecer o legado de uma cultura política autoritária, fruto dos regimes ditatoriais, que precisa ser combatida como uma política de memória e verdade eficiente. É não esquecer que um país organizado por um padrão mundial capitalista, colonialismo e escravidão, não tem valor a vida mas tem valor a morte, principalmente de gente preta e pobre.

Mas, sobretudo, olhar para o passado é ter a certeza que o futuro precisa ser diferente, a partir de políticas públicas de reparações não somente governamentais; mas de Estado, com programas de transferências de rendas, com taxação de grandes fortunas, com uma alta agenda de debates feministas, antirracistas e LGBT para construir propostas reais.

E para o presente: vacina e auxílio emergencial urgente! Assim como Atlântico negro, de Paul Gilroy, o passado, o presente e o futuro precisam andar juntos para a construção e transformação de um projeto político que não esqueça o passado, tampouco as nossas pautas históricas, que tenha medidas emergenciais para o presente e que tenha horizonte estratégico para o futuro. Mas, talvez, uma outra grande contribuição, pensando na simbologia do Atlântico negro, é que o passado já não é o mesmo e, portanto, é preciso ter cuidado quando se olha para ele.

Objetivamente, quero dizer que o país que tinha as ações afirmativas como prioridade na geração passada, hoje não quer somente as universidades enegrecidas, quer o país inteiro! Não é sobre voltar, é sobre avançar!

Referências:

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Ed. UFBA, 2008.

GILROY, Paul. O Atlântico Negro. Modernidade e dupla consciência, São Paulo, Rio de Janeiro, 34/Universidade Cândido Mendes – Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira