O Congresso Nacional deve votar nesta quinta-feira (25) o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021. Em meio à pandemia de coronavírus, que escancarou a importância da pesquisa, da ciência e da tecnologia, as universidades federais podem sofrer uma redução orçamentária de 18,2%, caso o projeto seja aprovado como encaminhado pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Além disso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) sofrerá um corte de 34% de sua verba anual.
Segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a previsão do PLOA é de redução de 18,2% no orçamento do Ministério da Educação (MEC) para o custeio das universidades, o que representa uma queda de R$ 1.056 bilhões em relação aos valores do Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2020, quando o valor foi estipulado em R$ 5,54 bilhões. Naquela ocasião, o orçamento já havia sofrido um corte de 8,64% em relação a 2019, quando era de R$ 6,06 bilhões.
Já o MCTI dispôs, em 2020, de R$ 3,6 bilhões para gastos. A previsão para 2021 é que a pasta conte com R$ 2,7 bilhões. De acordo com nota da Academia Brasileira de Ciências, esse valor é menos de um terço do disponibilizado uma década atrás.
Uma das áreas que devem ser mais afetadas pelos cortes é a de distribuição de bolsas de mestrado e doutorado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A previsão é que o orçamento da CAPES seja reduzido para cerca de R$ 3 bilhões, uma queda de 28% em relação a 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Já o CNPq contará com apenas R$ 22 milhões para investimentos em fomento.
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira explica que o CNPq tem dois gastos principais, com bolsas e fomentos. Em relação a 2020, as bolsas sofreram redução de 10% na proposta orçamentária em discussão no Congresso. “Nós estamos brigando para recompor pelo menos isso, para o CNPq ter pelo menos os recursos do ano passado. Isso significa passar de cerca de R$ 900 milhões para R$ 1 bilhão. É uma das demandas que estamos fazendo”, diz.
Já os recursos de fomento, explica Ildeu, são voltados para apoiar a publicação de periódicos, financiar viagens de pesquisadores e outros gastos variados. “Esses recursos são muito importantes porque permitem a compra de insumos básicos para o pesquisador, permitem viagem, permitem o contato internacional, permitem gastos menores. Tudo isso entra no fomento, que, para esse ano, está baixíssimo, em R$ 22 milhões. O CNPq já teve 10 vezes mais do que isso. Há dois anos atrás, teve R$ 150 milhões. É absolutamente ridículo, nós estamos brigando para aumentar na ordem de R$ 130 milhões”, diz.
Pesquisadores que acessaram o portal do CNPq nas últimas semanas, em busca de informações sobre bolsas de doutorado e mestrado, não encontraram novos editais que deveriam estar abertos. Contudo, neste caso, Ildeu explica que isso é um dos efeitos colaterais para a ciência brasileira da demora da aprovação do Orçamento da União de 2021. “Nesse momento, como o orçamento não foi aprovado ainda, o CNPq está com dificuldades para lançar editais por causa disso”, afirma.
Ele afirma que o CNPq deverá abrir em breve um “edital grande” para bolsas de pesquisa. Por outro lado, destaca que os recursos caíram muito ao longo dos últimos anos e que a instituição faz, hoje, “muito menos editais do que fazia”.
Em documento encaminhado para lideranças partidárias, deputados e senadores, a SPBC aponta uma série de medidas que deveriam ser tomadas para evitar o “colapso da ciência em 2021”. A entidade pede a ampliação do orçamento do MCTI em R$ 825 milhões, para garantir o mesmo patamar de pesquisa de 2020, o que seria o mínimo para que a capacidade de financiamento dos projetos de pesquisa e desenvolvimento não fosse prejudicada. Pede também que os valores destinados para os 320 campi universitários sejam ampliados em R$ 1,2 bilhão e os recursos para os 41 institutos federais em R$ 500 milhões.
Para a deputada federal Fernanda Melchionna, as demandas de cientistas e pesquisadores foram negligenciadas pelo governo. “O orçamento para ciência e pesquisa no Brasil prevê valores que não dão conta da recomposição necessária para manter valor de compra, além de ter reduções importantes em setores prioritários. Na prática, acaba significando o desinvestimento em universidades públicas, institutos federais e institutos de fomento à pesquisa, como Capes e CNPq. É inadmissível que isso aconteça justo no momento em que o Brasil precisa de mais investimento na ciência. Vemos os pesquisadores e as universidades batalhando com todas as energias, mas sofrendo ainda mais com a falta de estrutura do que antes da pandemia. O erro de Bolsonaro, diminuindo o fomento à ciência, nos custará caríssimo em curto prazo, com dependência tecnológica e econômica ainda maior de outros países. Infelizmente, não é um raio no céu azul, é uma estratégia de subserviência às grandes potências econômicas que atende apenas os interesses dos mais ricos”, diz Fernanda.
Em carta publicada nesta quarta, deputados federais do PT, PDT, PODE, PCdoB, PSOL, PSB e DEM que atuam no tema da educação alertam para o impacto dos cortes. “Para que escolas, universidades, institutos federais e instituições de pesquisa possam atuar no enfrentamento da pandemia, no desenvolvimento nacional e na recuperação do país, é imprescindível que elas tenham os recursos mínimos necessários”, diz a carta. “A pandemia mudou a vida dos brasileiros e já matou quase 300 mil pessoas, impactando milhões de outras. Mas, também, explicitou a inegável importância da ciência, da saúde, da educação e dos serviços públicos para a vida do povo. É a ciência que cria meios efetivos de enfrentamento da pandemia, como testes, sequenciamento genético, equipamentos hospitalares, fármacos etc. É a ciência que possibilitará o retorno à normalidade, por meio da vacinação em massa. É a educação que, por meio de professoras e professores, vem criando alternativas para a manutenção de vínculos educativos e para a garantia do direito ao ensino.”
Edição: Sul 21