O Rio Grande do Sul é um dos estados com mais chances de se pegar e morrer com coronavírus hoje no Brasil. O alerta é do médico e professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Zavaski. Ele defende o lockdown como medida efetiva para baixar rapidamente o número de contágios, mas vê como difícil a sua implementação sem um preparo efetivo da sociedade para isso. E aponta uma série de medidas para reverter o colapso sanitário no estado.
Zavaski é um dos pesquisadores que assina um artigo científico que identificou o agravamento da pandemia no estado, coincidindo com a identificação do primeiro caso de infecção pela variante P.1 do novo coronavírus no RS.
“Até janeiro de 2021, a distribuição das linhagens SARS-CoV-2 observada em pacientes atendidos em nosso centro de referência COVID-19 era semelhante à observada em laudos regionais, que tendiam a seguir a distribuição da maioria das regiões brasileiras, exceto Norte, onde a linhagem P.1 era predominante desde dezembro. Em fevereiro de 2021, no entanto, um aumento esmagador de hospitalizações foi observado desde a semana epidemiológica 6, coincidindo temporalmente com a descoberta de que a linhagem P.1 tornou-se predominante, respondendo pela grande maioria dos espécimes selecionados para genotipagem neste período”, afirma o estudo.
Alexandre Zavaski explica que a mutação do novo coronavírus chamada P.1 conferiu uma maior transmissibilidade para o vírus. Além disso, está em estudo a hipótese de que esta variante pode reduzir a resposta imune de infecções prévias, ou seja, tem mais chances de reinfectar quem já teve a doença. “Também vem sendo investigada como está a resposta imune da vacina nesta nova variante”, afirma.
O médico desmistifica o discurso de que os pacientes em estado grave vindos de Manaus para atendimento nos hospitais gaúchos foram os responsáveis pela chegada da variante. O Rio Grande do Sul recebeu, no dia 1º de fevereiro, 17 pacientes vindos da capital do Amazonas. O Boletim Genômico de 16 de março, divulgado pelo governo do estado, identifica que o primeiro caso da variante P.1 no estado foi identificado em 14 da janeiro, em um morador da cidade de Gramado e que não tinha histórico de viagens ou contato com viajantes, o que indica transmissão comunitária.
"Já temos estudos brasileiros mostrando que ela se originou em Manaus no final de novembro, se espalhou rapidamente pelo Norte ao longo do mês, mas que se transmitiu a partir do foco inicial para o Brasil a partir de rotas aéreas. Não tem nenhuma relação com os pacientes que foram para outros estados, pacientes com proteção. Isso foi transmitido por pessoas que estavam lá e se infectaram e, na fase assintomática ou pré-sintomática vão passando para os outros", explica.
Buscar experiências de sucesso em outros países
O infectologista lamenta que não se discuta no país a busca por experiências de sucesso de países que baixaram taxa de contágio em momentos críticos. “A gente aqui no Brasil parece que tem que descobrir tudo de novo. Na verdade têm vários países que conseguiram, através de um conjunto de medidas que não se resumem em abrir e fechar o comércio ou outras atividades, elas são muito mais amplas que isso. Algumas têm efeito imediato, como realmente a restrição de mobilidade abrupta e intensa tem efeito mais imediato e as vezes a gente precisa”, ressalta.
Ativo nas redes sociais, uma publicação em seu Twitter questiona: “Nova Zelândia, Austrália, Cingapura, Coréia do Sul, Vietnã, Uruguai, Alemanha, Canadá.... Israel, Portugal saiu de uma crise imensa agora!! Como fizeram? Onde estão as missões? E não precisa ir até lá, não”.
Segundo ele, precisamos adotar o modelo “COPIA E COLA”. "Autoridades precisam dialogar não com o vizinho, mas com líderes de países que controlaram a pandemia! Como fizeram para sustentar lockdowns, como testam, rastreiam, isolam? Como aplicam inteligência à serviço do combate ao inimigo invisível?"
“Mas têm algumas que têm efeitos mais de longo prazo como ampliação de testagem, rastreamento, uso de inteligência para identificar o perfil dos infectados, uma série de ações que podem ser feitas”, complementa. O médico entende que não é possível replicar todas essas experiências da mesma forma, mas sugere “pegar uma parte de estratégia de um em relação à testagem, uma parte da estratégia de outro em relação a contactantes, uma parte de estratégia de outros países em como sustentar pessoas ou dar apoio para pessoas ficarem em casa quando precisa. São coisas que a gente deveria aprender com quem fez certo”.
Sobre o lockdown, entende que não é uma questão de ser contra ou a favor. “Ele é uma medida indiscutivelmente eficaz para uma redução muito rápida no número de casos. Porque o sistema colapsou”, constata. Mas pondera que ele não é a solução para a pandemia. “Se você faz lockdown, e diminui, e não faz mais nada, vão voltar os casos, ele não vai erradicar o vírus nem fazer nada.”
Defende ainda que para fazer um lockdown, também é necessário ter um preparo da sociedade. “Realmente, um lockdown mais efetivo ia ajudar muito, mas nós precisaríamos ter apoio dos governos, tanto para o cidadão quanto para empresas, comerciantes, enfim, poderem se sustentar. Não é que a gente olhe apenas uma parte”, assinala.
Com vírus circulando, economia não vai crescer
Ao mesmo tempo, entende que quem simplesmente nega a pandemia, quem é contra qualquer medida restritiva e não propõe nada também está jogando contra si mesmo, porque enquanto tiver vírus circulando a economia não vai crescer. “Enquanto nós tivermos adoecendo, perdendo trabalhadores, enquanto as pessoas tiverem medo – medo justificado porque é arriscado, principalmente hoje no Rio Grande do Sul com a segunda maior taxa de mortalidade, praticamente igual a Roraima, é um dos estados com mais chances de pegar e morrer com coronavírus hoje. Então não vai crescer a economia assim, então a gente tem que achar soluções em conjunto”, afirma.
Ele explica que o RS alcançou Roraima em número de mortes por 100 mil habitantes na última semana e que, em breve, deve ser o primeiro isolado. Atualmente com a média de 15 mortes por 100 mil habitantes, uma semana eram 10 óbitos e há duas, 7 óbitos.
Além de lockdown, medidas conjuntas
Alexandre reforça que as ações dos governos “não podem se limitar ao abre e fecha” como a única política de controle. “Precisamos educação massiva e maciça da população sobre as medidas de prevenção individual, precisamos orientar sobre máscaras, dar máscaras de qualidade para pessoas que vão para trabalhos indoor, para atividades essenciais”, sugere.
Cobra também uma melhora do programa de vacinação, “que está muito lento”, além de ampliar o programa de testagem e de planos de suporte para que as pessoas se isolem quando estão sintomáticas. “É uma série de medidas e aqui listei apenas algumas. Só no conjunto que a gente vai conseguir fazer e ter uma sociedade de novo funcionando e um crescimento da economia.”
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Edição: Katia Marko