Os moradores dos assentamentos da reforma agrária de Nova Santa Rita (RS) estão novamente sofrendo com a intoxicação de venenos, pulverizados sobre suas casas e produções por aviões de outras propriedades. Dessa vez, o sobrevoo de avião aconteceu mesmo havendo uma determinação da Justiça Federal que proibiu qualquer uso de agrotóxicos na fazenda vizinha aos assentamentos.
O problema não é uma novidade para os agricultores da região. Os assentamentos de Nova Santa Rita produzem alimentos com certificação orgânica, portanto, não usam venenos ou agrotóxicos na sua produção. Em novembro do ano passado, cerca de 20 famílias do Assentamento Santa Rita de Cássia 2 tiveram perdas em suas lavouras devido à deriva de agrotóxicos pelo ar. Além disso, diversas pessoas apresentaram sintomas de intoxicação, como enjoos e dores de cabeça.
O que acontece é que o agrotóxico espalhado no ar, por aviões, pode viajar centenas de quilômetros, atingindo propriedades e comunidades vizinhas. Além deste problema, ainda em novembro de 2020, um fato ainda mais grave aconteceu, que foi o sobrevoo de um avião diretamente sobre as casas e lavouras dos assentamentos. A princípio, os assentados acreditaram ser somente uma manobra de desvio, porém, no mesmo dia, foram relatados sintomas de contaminação entre as pessoas e houve grande perda da produção.
O acontecido foi registrado no Brasil de Fato RS. Os prejuízos nos plantios orgânicos foram verificados logo após a passagem do avião, como folhas queimadas e variedades que morreram por completo. Um laudo técnico emitido em 18 de novembro confirmou visualmente a contaminação por agrotóxico. Amostras foram encaminhadas para análise em laboratório.
Sequência de ataques pode indicar tentativa de retaliação
Após tantos problemas, os assentados da região passaram a reivindicar uma lei que proíba a pulverização e o uso de venenos na cidade de Nova Santa Rita, região que é conhecida pelos plantios orgânicos. Em paralelo, uma série de associações e cooperativas entraram com uma ação na Justiça Federal para proibir a utilização de agrotóxicos pelas fazendas vizinhas, pois a pulverização destes venenos está não só impedindo a produção dos assentados, como também atacando a saúde das pessoas.
No dia 12 de março, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a suspensão imediata do uso de agrotóxicos na fazenda vizinha aos assentamentos. Porém, na mesma semana, no dia 16, novamente um avião sobrevoou as casas e propriedades dos assentamentos. Como os plantios são orgânicos, os cultivos são muito sensíveis aos agrotóxicos, fazendo com que os efeitos sejam percebidos imediatamente.
"Tivemos um novo ataque aéreo por agrotóxicos no nosso assentamento, pessoas e meio ambiente agroecológico foram novamente intoxicadas, justo no momento em que as roças, hortas e pomares começaram a se reestruturar. Na mesma semana em que estamos colhendo nosso arroz", relata Gabriela Souza, moradora de um dos assentamentos.
Gabriela faz referência aos ataques ocorridos em novembro do ano passado, quando boa parte da produção foi perdida, ressaltando que isso acontece em plena pandemia, onde a produção de alimentos saudáveis e acessíveis são essenciais.
O fato ocorrido no dia 16, tendo acontecido após uma determinação judicial que protegia os assentamentos, somado aos casos de contaminação anteriores, gera a suspeita entre os assentados de que possa ter sido uma tentativa de retaliação, devido à liminar expedida pela 9ª Vara Federal de Porto Alegre.
Em contato com Emiliano Maldonado, da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap), um dos responsáveis pela ação na justiça que protegeu os assentamentos, foi informado à reportagem que, além da proibição do uso de agrotóxicos, a ação também determinou que a União e o Estado do Rio Grande do Sul entreguem, em 30 dias, os laudos conclusivos das amostras coletadas em novembro.
Segundo Emiliano, alguns resultados preliminares obtidos por análises de laboratórios da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) apontam a presença do 2,4-D, um agrotóxico muito potente e com alto potencial de intoxicação (Confira aqui uma reportagem do BdFRS sobre esse perigoso produto químico).
O advogado lembra ainda que a demora em conseguir as comprovações nas análises em laboratório se devem ao fato de que é preciso pagar à fabricante do agrotóxico a fórmula necessária para fazer os testes. Ou seja, a mesma empresa que produz e vende o veneno lucra também depois quando se precisa comprovar a contaminação humana.
A expectativa agora é que sejam entregues os laudos conclusivos das amostras coletadas. Os assentados esperam que sejam encontrados os responsáveis pelos ataques e que sejam ressarcidas as perdas de produção e os danos à saúde dos assentados. Da mesma forma, seguem a luta por uma lei que proíba a utilização de agrotóxicos na região de Nova Santa Rita.
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Edição: Marcelo Ferreira