Rio Grande do Sul

Especial Mulheres

“A situação está muito difícil, muito sofrimento, não está fácil o nosso dia a dia”

O desabafo é da enfermeira Caren Riboldi, que atualmente assessora diversas áreas do setor no HCPA

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Depois da indignação vem a tristeza", afirma Caren em entrevista ao BdFRS - Flávio Dutra/JU

Março, mês da Luta Internacional das Mulheres, é também o mês em que a pandemia completa um ano em solo gaúcho. Na linha de frente do combate à covid-19 estão os profissionais de saúde, entre eles, a enfermagem, que no país é composta por 85% de mulheres, de acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). 

Dados do Conselho revelam que o país tem, até o momento, 49.075 casos de covid-19 reportados entre profissionais da categoria e um total de 648 óbitos, sendo 434 mulheres, 66,9% do total. Já entre as infecções, elas correspondem a 85% dos casos. São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro são as unidades da federação onde os profissionais da enfermagem mais adoeceram, conforme monitoramento do Cofen.

O Rio Grande do Sul tem, até o momento, 688.846 pessoas já infectadas, das quais 54% são mulheres. Dos casos confirmados, 27.646 são de profissionais da área da saúde. Conforme o Cofen, 5.157 enfermeiros já foram infectados no estado, sendo 4.453 mulheres. Foram registrados 20 óbitos, sendo de 14 mulheres. 

Na linha de frente desde o início da pandemia, a enfermeira Caren Riboldi, no ano de 2020, foi responsável, juntamente com sua equipe, por estruturar a primeira unidade covid do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), referência no combate ao novo coronavírus. “Eu não sei te dizer se a gente está mais resiliente porque voltou a lidar com algo que a gente aprendeu a conviver, a conhecer, mas hoje as coisas estão muito piores. É muito assustador, desesperador o momento que estamos vivendo”, desabafa. 

Casada com um técnico de enfermagem e mãe de duas meninas, em entrevista ao Brasil de Fato RS realizada na última sexta-feira (5), Caren conta que sente como se ainda estivesse presa em 2020, só que em uma versão pior assistencialmente. 

Leia, abaixo, a entrevista completa:

Brasil de Fato RS -  Gostaria que tu nos falasse um pouco da tua história e trajetória, família, a escolha pela enfermagem, há quanto tempo atuas.

Caren Riboldi - Eu trabalho no Hospital das Clínicas desde 2008, vou fazer 13 anos de hospital em maio. De 2013 até 2020 desenvolvi cargo de chefia de uma unidade, e desde o início deste ano estou em um cargo vinculado à coordenação, sou assessora do grupo de enfermagem. 

A minha escolha pela enfermagem não sei dizer exatamente o porquê, mas o que posso dizer é que sou uma pessoa muito realizada naquilo que eu faço, não só como enfermeira, na assistência, mas também toda parte da pesquisa, de ensino, que eu me dedico em função do mestrado e doutorado. Sou uma pessoa muito feliz no que eu faço e na minha área de conhecimento, que eu estudo e tenho me dedicado todos esses anos, que é a área do gerenciamento. Toda a minha formação profissional tem sido voltada para todas essas questões do gerenciamento, segurança do paciente, carga de trabalho, dimensionamento de pessoal. Então é um pouco da minha trajetória. 

Sou casada, meu marido também é da área da saúde, ele é técnico em enfermagem. Nós dois atuamos na covid durante o ano passado. Eu tenho duas filhas, a minha filha que tem 10 anos e minha enteada, que tem 16, ambas moram comigo. Sempre tivemos cuidado, isolamento, uso de máscara, higiene de mãos. Nunca deixamos de ter contato afetivo dentro de casa. Então, talvez, diferente de outras famílias, meu marido e eu nunca deixamos de ter contato afetivo, nem entre nós, nem entre as meninas. 
    
BdFRS- Como descreverias o momento que estamos vivendo? 

Caren - Ano passado o meu envolvimento com a pandemia iniciou em março, quando eu era chefia de uma unidade de internação. A unidade de internação do Clínicas é uma unidade coringa, uma unidade backup, como a gente fala. Sempre que tem uma grande mudança no hospital, alguma obra, alguma necessidade de transferência de área, essas áreas iam para minha unidade. E quando começou essa situação da covid, a direção do hospital definiu que nós iríamos receber os primeiros pacientes covid de enfermaria, de unidade de internação. Então desde março do ano passado tem sido meu envolvimento com a covid. 

Eu tive que, junto com minha equipe da época, estruturar a primeira unidade covid do hospital. Todas as rotinas, todos os processos, tivemos que remodelar. A Thais Butelli, como médica também da linha de frente, também atuou junto com a gente nesse fluxo, porque a gente teve que aprender a se paramentar, desparamentar. Tivemos que mudar o fluxo do elevador, como ia levar esses pacientes para o exame, levar para o CTI. 

Tivemos que nos apropriar de novas tecnologias, tivemos que aprender a fazer eletrocardiograma, a mexer com aparelhos de ventilação não evasiva. Tivemos que nos apropriar de vários aspectos. E assistencialmente também foi um grande desafio, porque até então todo mundo estava aprendendo, era um vírus novo, clinicamente eram pacientes que não conhecíamos muito, nem tratamento, nem como lidar com esses pacientes. Além, claro, da questão emocional, de serem pessoas que ficavam mais isoladas porque não podiam ter visitas, poucos tinham acompanhantes. 

E bem no auge da pandemia, cerca de junho do ano passado, em que, por exemplo, em um turno de 6 horas, eu Caren, como enfermeira, levei três pacientes para a UTI. Então tu imagina, em 6 horas, tu levar três pacientes para a UTI, tu ficou praticamente só com eles, porque eles pioram e tu dá os encaminhamentos. 

Eu não sei te dizer se a gente está mais resiliente porque voltou a lidar com algo que a gente aprendeu a conviver, a conhecer, mas hoje as coisas estão muito piores. É muito assustador, desesperador o momento que estamos vivendo. Mesmo nos piores momentos de 2020, em que a gente acompanhava perdas, tristezas, os pacientes piorando, em que a gente investia fluxos, em processos desconhecidos. Hoje a gente já tem tudo isso na mão, não precisamos construir nada, mas acho que veio com uma fora maior, está muito pior o meu sentimento hoje, está muito maior que no ano passado. 

Eu sinto como se eu ainda estivesse presa em 2020, só que uma versão pior assistencialmente. Hoje eu não estou na assistência direta com os pacientes, mas eu sou assessora de várias áreas, incluindo áreas covid. E eu converso com minhas colegas, vou nas áreas para ver as necessidades, e parece que hoje, tendo a dimensão macro do hospital, porque na coordenação lidamos com todo o hospital, parece que isso causa mais sofrimento ainda, do que eu estar lá na minha unidade, naquele microespaço, vendo as minhas necessidades. 

Essa semana toda, aliás desde a semana passada, a gente passou atrás de pessoas para abastecer UTI/emergência, vendo de que áreas podíamos tirar, quais as áreas reduziram atendimento. A gente tentava convencer essas pessoas a irem para emergência, a irem para o CTI, e também vendo o CTI e a emergência em uma situação desesperadora, dos pacientes estarem chegando e tu não ter pessoas para atender. E a hora extra uma hora termina, as pessoas também adoecem. É um cenário bem complicado. 


"Eu acho que a nossa saúde não quebrou, ainda, por causa desse modelo que é o SUS, que ainda se mantém, e que para mim é um sistema modelo" / Flávio Dutra /JU

BdFRS - O RS tem vivido o pior momento desde o início da pandemia, com hospitais ultrapassando 100% da sua capacidade. Depois de um ano na linha de frente como te sentes? 

Caren - Nós temos um número X de leitos acordado com o gestor, que é 105 leitos, mas atualmente estamos atuando com uma capacidade muito além. Temos pacientes críticos tanto na UTI covid, quanto nas enfermarias. Hoje o perfil de enfermaria é totalmente diferente do perfil do ano passado, temos pacientes muito mais graves, pacientes que deveriam estar em UTI e não estão. E na emergência nós também temos pacientes críticos. O que mudou foi isso, antes os pacientes críticos estavam todos na UTI, hoje não. Hoje eles estão na UTI, eles estão na enfermaria, eles estão na emergência. E muitas vezes não é o paciente crítico covid, é o paciente crítico não covid também. 

Ano passado conseguimos fechar uma parte do hospital para atender só o covid, hoje não. Hoje estamos atendendo o covid e o não covid. E coisas que tínhamos conseguido fechar, como algumas unidades de internação, por exemplo, hoje elas estão atuando, às vezes com atendimento reduzido, mas estão atuando, então tu tens que dar conta de todas essas frentes.  

E é muito triste, hoje eu até cheguei no hospital e falei assim: “nossa já começo meu dia arrasada”. Porque todo dia, às 8h da manhã, temos reunião de um grupo de trabalho que discute todo o contexto covid na instituição, inclusive estamos tendo reunião sábado e domingo de amanhã. E ali acompanhamos o dia a dia do hospital em relação aos leitos. E hoje, ouvindo os colegas médicos relatarem que muitas vezes eles já estão fazendo escolhas, e que está escasso o respirador, que está escasso o quadro de pessoal, isso te causa um sofrimento muito grande, porque tu vai ter que decidir se o respirador vai para um jovem ou para um idoso. Hoje de manhã eu estava falando para o meu marido: “puxa, e se é o teu pai, tua mãe, que é mais idoso, que critérios eu uso para definir que a tua vida vale mais que a minha, que nesse momento eu estou optando por ti?” É um sofrimento muito grande para quem tem que fazer essas escolhas. 

Hoje o perfil de enfermaria é totalmente diferente do perfil do ano passado, temos pacientes muito mais graves, pacientes que deveriam estar em UTI e não estão. E na emergência nós também temos pacientes críticos.

E aí começam as notícias ruins. Hoje a gente perdeu uma professora da escola de enfermagem com covid, há colegas internados nas enfermarias covid. Uma enfermeira do hospital parece que perdeu o marido essa noite com covid. Então essas coisas vão chegando em ti, e tu começa a pensar assim, meu Deus será que daqui a pouco vai chegar a minha vez? Até quando eu vou conseguir sair ilesa disso? Porque eu e meu marido, mesmo a gente convivendo junto, trabalhando em hospitais diferentes, eu não me contaminei até agora. Fiquei um ano na linha de frente, continuo circulando no hospital e eu não me contaminei. Mas até quando, tu fica pensando, até quando passará ilesa? Isso causa bastante medo. 

Outra coisa que eu fico pensando, se as pessoas lá fora se dessem conta de tudo isso que a gente vive, de quantas reuniões a gente faz, do quanto a gente correu desde a semana passada para realocar pessoas de um setor para outro. Se as pessoas soubessem o estado grave dos pacientes, o quanto um técnico, um enfermeiro, um psicólogo, um médico, dispensa o tempo dele para cuidar. Não sei se não mudaria um pouco a cabeça de algumas pessoas que não se cuidam, ou que não acreditam, e que não investem no coletivo. Já cheguei a refletir sobre isso. 

BdFRS - Outra questão que tem observado é a mudança do perfil dos pacientes com covid...

Caren - Não sei te dizer se tem alguma explicação, mas estamos tendo pacientes mais jovens, pacientes com 18, com 20 e poucos anos, com 40, 50, 60. Isso muda também, porque de alguma forma quando vem paciente muito idoso, com 80/90, como vinha, de alguma forma tu fica triste. Mas às vezes a gente usa aquele alento, "nossa é um idoso, já viveu bastante, já aproveitou a vida”, de alguma forma a gente se conforta com esse discurso. E um jovem não, um jovem pode ser teu filho, teu esposo, não tem como a gente atender e não se identificar em algum momento. 

Hoje temos pessoas mais jovens, e temos essa nova cepa do vírus, uma cepa muito mais contaminante e que circula ainda mais. Temos algumas variáveis que não tínhamos em 2020.

BdFRS - Temos visto também um relaxamento cada vez maior da população, onde muitas pessoas não se cuidam, que sentimentos isso te traz?

Caren - São dois sentimentos. Primeiro eu fico muito brava, com muita raiva, porque eu fico pensando, poxa vida, essa pessoa não vê jornal, não ouve tudo que a gente está falando, será que é desconhecimento, será que não é acreditar? Então o primeiro sentimento que me vem é ficar brava, indignada, quando eu vejo as pessoas não se cuidando, quando eu vejo uma reportagem na TV com as pessoas se aglomerando, fazendo festa. Em que mundo essas pessoas estão vivendo? Porque não é possível! Ou pessoas até que dizem: “mas eu já tive covid então agora eu posso andar sem máscara”. Vem esse sentimento de raiva. 

Gera um sentimento de tristeza também, por conta do egoísmo dessa pessoa de não estar pensando no coletivo. São esses dois sentimentos, fico muito brava, porque pode ser uma pessoa que não vá adoecer, mas pode contaminar outras, e essas outras vão pagar por essa irresponsabilidade. E fico muito triste por isso que comentei anteriormente, se as pessoas soubessem o esforço que todos nós estamos fazendo, se elas pudessem, não precisa nem trocar de lugar comigo um dia, pode ser por uma, duas horas, no hospital, talvez mudasse o pensamento de algumas pessoas. 

E sem entrar em viés político, há também a conduta das pessoas que muitas vezes é legitimada. Muitas vezes essas pessoas têm essa conduta porque alguém legitima, "usar máscara é ruim, não precisa isolamento social, isso tudo é bobagem, para que vacina?" Temos também esse outro lado, do discurso negacionista que acaba contribuindo com esse comportamento. Depois da indignação vem a tristeza.

BdFRS - Tu és doutoranda no Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFRGS, onde estuda o ambiente profissional da enfermagem e o impacto para a qualidade do cuidado e da segurança com o paciente. Trazendo isso para o contexto atual, como tu descreverias? 

Caren - Toda minha formação é voltada para gestão, e eu estudo justamente isso, a complexidade do ambiente de prática de enfermagem e qual impacto da qualidade do cuidado e da segurança com o paciente, e eu nunca estive tão imersa no meu objeto de estudo. Porque hoje a gente vive a complexidade, a complexidade da tecnologia, a complexidade do cuidado, e a gente vive a complexidade das relações. Nunca o ambiente de prática da enfermagem foi tão complexo em relação a todos esses aspectos. Há também dimensionamento de pessoal, em relação a dispensação de materiais. E nunca tivemos que pensar tanto em segurança do paciente, assim como, ao mesmo tempo, a segurança do profissional. 

E muitas vezes mantendo a qualidade. Talvez não a qualidade como gostaríamos, quando tu coloca no mesmo lugar, um lugar que tem capacidade para 10 pessoas, tu coloca 20. Então, como manter a qualidade, como manter a segurança? Isso tem um custo do profissional, essa superlotação de paciente. 

Eu nunca tive dúvida de que o trabalho da enfermagem era complexo, e a minha tese de doutorado é justamente isso, que todos os ambientes da enfermagem são complexos. A UTI é tão complexa quanto a unidade de internação, que é tão complexa quanto uma Unidade Básica de Saúde. Para mim a complexidade não tem a ver com aparelhos, com máquinas, mas sim a complexidade do próprio trabalho. E desde que começou a pandemia, eu posso te dizer que eu tenho vivido exatamente aquilo que eu acredito, que estou postulando na tese, e que eu estou dentro do meu próprio objeto de estudo, vivendo a complexidade todos os dias.

É complexo tu fazer essa movimentação de pessoas, é complexo tu gerenciar um hospital do tamanho do Clínicas, é complexo tu tomar decisões de fechar ou abrir leitos. É complexo tu escolher, não é o meu caso, qual paciente tu vai direcionar a tal tratamento.


"Que as pessoas acreditem que estamos vivendo um momento muito crítico, que as pessoas se cuidem e façam a sua parte" / Arquivo Pessoal

BdFRS- Como tu vês a saúde no Brasil, em especial o SUS?

Caren - A saúde no país, de alguma forma, sempre teve pontos críticos, de superlotação, de falta de recursos, enfim. Mas com essa pandemia todas essas coisas se agravaram e, talvez, a gente teve mais visibilidade de algumas coisas. Então eu acho que, hoje, a saúde está muito fragilizada, não só em termos estrutura, mas em termos de movimentos negacionistas - movimentos de prevenção, movimentos de orientação que se perderam. Por outro lado, nós temos o Sistema Único de Saúde, talvez seja clichê, mas eu acho que ele é um modelo de saúde e ele poderia ser muito melhor utilizado. 

E eu acho que graças a esse modelo de excelência que a gente tem é que a gente ainda consegue dar conta da saúde como estamos dando, mesmo sem oxigênio, faltando lá em Manaus, mesmo sem alguns recursos. Eu acho que é por causa desse modelo que foi criado no Brasil, de um Sistema Único de Saúde, que a gente consegue dar conta de algumas coisas. Mas a saúde precisa ser olhada. 

E o que a gente vê é o reflexo disso que eu estou te dizendo, as pessoas vêm ao hospital cada vez mais doentes. As pessoas antes da pandemia, eu trabalha antes em uma unidade de internação cirúrgica, e as pessoas vinham fazer cirurgia de pequena complexidade. Muitas vezes eu recebia pacientes que vinham fazer a retirada de vesícula, que é um procedimento super simples, mas esse paciente esperou tanto para tirar a vesícula que quando ele ia de fato tirá-la ela já estava muito infamada, e aí complicava. Ou daqui a pouco esse paciente não conseguia se recuperar bem porque era um hipertenso sem tratamento, um diabético sem tratamento. Então aquela internação, que era por um procedimento simples, ela se prolongava por questões de saúde que não tinham sido tratadas antes.                 

E com a pandemia isso só piorou porque agora todas as nossas forças estão voltadas, de alguma forma, para a covid, e as questões não covid estamos tratando as mais urgentes, ou aquelas que batem na porta, como a pessoa que teve um AVC, infartou. Mas, infelizmente, outras coisas hoje a gente também tem que deixar em segundo plano. As pessoas não covid também estão sendo sacrificadas e também estão sofrendo. 

Mas eu acho que a nossa saúde não quebrou, ainda, por causa desse modelo que é o SUS, que ainda se mantém, e que para mim é um sistema modelo. E não sei o que vai acontecer nos próximos anos em relação a isso. 

BdFRS - A enfermagem é majoritariamente feminina. Tu acreditas que isso decorre de um papel social da mulher como cuidadora ou tem raízes mais profundas? 

Caren - Começamos com a Florence (Florence Nightingale -  fundadora da enfermagem moderna), todas as questões que ela inovou. Temos uma parte histórica da enfermagem que remete muito a essa questão do cuidado. 

Agora, o que eu vejo hoje, não faria essa ligação da enfermagem ser composta majoritariamente por mulheres por causa dessa questão do cuidado. Eu acho que a mulher, independentemente de ser da enfermagem ou não, acho que a mulher ao longo dos anos, principalmente nos últimos anos, adquiriu um papel social muito importante. E cada vez mais se equiparando com pessoas do sexo masculino. A mulher começou a investir mais em estudo, em educação. Vemos as mulheres também tendo filhos mais tarde, às vezes tendo um filho, ou não tendo, se dedicando mais à carreira. 

A mulher vem assumindo um papel gradual de independência, de estudo, ocupando cargos importantes de gestão, gerenciamento. Como por exemplo, mulheres na UFRGS ocupando cargos importantes, a própria presidente do hospital, temos enfermeiras ocupando cargos de liderança, cargos de gestão. Então eu não associo essa questão da enfermagem ao cuidado. Acho que a mulher, nos últimos anos, vem avançando e ocupando um espaço muito importante. E algumas coisas que a gente se calava antes, seja por medo, ou por não ter força, hoje a gente não se cala mais. Durante o percorrer da história as mulheres fizeram movimentos importantes.

BdFRS - Neste 8 de março, um dos eixos da luta feminista é Pela Vida das Mulheres, que são, indiscutivelmente, as que mais estão sendo atingidas nesta pandemia, seja por comandarem a maioria das famílias, seja pela violência em casa ou institucional. Na tua opinião, como avançar na consciência coletiva da força feminina?

Caren - A mulher sempre teve que dar conta de vários papeis e com a pandemia isso ficou muito evidente. Hoje nós temos alguns problemas bem críticos. A mulher, enquanto força de trabalho, muitas vezes provedora do lar, temos a mulher mãe de família, então muitas vezes a creche fecha, como é que eu vou trabalhar, como eu vou prover o sistema? E temos uma questão muito importante que é o aumento da violência contra a mulher, que a pandemia também nos trouxe esses dados tristes de feminicídio, de agressão contra a mulher. 

É como eu te falei, eu acho que a mulher vem conquistando um espaço importante na sociedade, um respeito e um reconhecimento. Mas mesmo assim eu vejo que a gente tem ainda espaço para avançar mais. Infelizmente, hoje, assim como temos comportamentos sociais que legitimam, por exemplo, o movimento antivacinas, a homofobia, o preconceito racial, a gente ainda tem movimentos que diminuem a mulher, que estimulam a violência, que não reconhecem a mulher como uma pessoa importante na sociedade. 

Então eu acho que isso ainda vai precisar avançar. Se tu me perguntar como, eu não sei te dizer se tem alguma fórmula, mas eu acho que a única forma que temos de avançar, seja nessa questão da mulher, ou seja em qualquer outra questão do mundo, é a gente não se calando diante de uma injustiça, diante de algo que acontece, a gente de alguma forma se mobilizar e dar voz. Eu por exemplo sou uma pessoa que se vê algo de errado, que eu discordo, eu sempre tento dar voz para aquilo que eu penso. E assim eu crio as minhas filhas, porque nós temos que nos posicionar. Nos posicionando, começamos a ganhar força no coletivo. O recado é não se calar diante das injustiças e das coisas que vêm acontecendo  

Mensagem final - Eu deixaria um apelo. A situação está muito difícil, muito sofrimento, muita tristeza, não está fácil o nosso dia a dia. Que as pessoas acreditem que estamos vivendo um momento muito crítico, que as pessoas se cuidem e façam a sua parte. Precisamos vencer isso e só venceremos se todos nós ficarmos juntos no mesmo objetivo, porque, se não, não sei até quando a gente vai vivendo com esse vírus e com tudo que ele está nos trazendo, que na verdade não é o vírus, ele é um mero instrumento, ele é potencializado pelo comportamento das pessoas.  


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Edição: Marcelo Ferreira