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Eu quero de volta meu país

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"Precisamos de vacinas, de auxilio emergencial, de políticas públicas e abertura de processos de impeachment, ao embalo dos gritos de "Fora Bolsonaro" - Reprodução
Todos têm parcela de responsabilidade e todos devem responder pelas implicações de suas atitudes

Mais um recorde do governo Bolsonaro: em pouco mais de dois anos, ele já acumula 70 pedidos de impeachment, por motivos tão relevantes quanto o racismo, o genocídio de populações indígenas, os ecocídios no Pantanal e na Amazônia, a apologia à tortura, os ataques à Constituição Federal, à democracia e aos direitos humanos, além de descaso com a covid, que já alcança 260 mil óbitos. Neste particular, o presidente se esbaldou. Mentiu, passou informações falsas e estimulou o desprezo à ciência, gerando ameaça sem precedentes em nossa história. O caos resultante deve se evidenciar neste mês de março, com filas esperando vagas nas UTIs, com congestionamento de carros funerários em frente a hospitais e com mortos aguardando hora e vez de deslocamento, inclusive em containers frigoríficos.

Com pandemia avançando ao sabor de tais evidências, o texto de Eliane Brum nos esclarece: isto ocorre “sob o controle do governo bolsonaro”. Ela está certa, e seu texto deve ser lido com atenção. O Planalto e seus braços difusos controlam este jogo mortal, e o estão executando de forma intencional. E só o fazem porque contam com a anuência de alguns milhares, iludidos pela ficção de benefícios que serão insustentáveis neste oceano de injustiças, mas também, e principalmente, pela omissão e alienação de milhões.

Todos têm parcela de responsabilidade e todos devem responder pelas implicações de suas atitudes. Os golpistas, que viabilizaram a ascensão deste governo, assim como os políticos que o sustentam e todos aqueles que impedem o esclarecimento da sociedade e o avanço dos pedidos de impeachment, e também todos os pais e mães de família que se calam e se curvam diante desta realidade.

Ainda que desproporcionalmente distribuídas, as responsabilidades existem e devem ser cobradas, ou o drama se expandirá até algum limite escolhido ou negociado pelos seus executores, contra nós.

E este é o fundamento desta reflexão. Não basta que a realidade desta tragédia nacional venha a ser percebida, reconhecida e alardeada como infame em suas dimensões de racismo, discriminação, genocídio, ecocídio e tudo o mais.

Quem enxerga estes fatos, e se cala, também participa, ainda que como vítima, do crime da cumplicidade conivente, sustentada pelos tolos ou pelos capangas de quinta categoria.

A pergunta básica que esta reflexão nos traz seria: qual o sentido do conhecimento, da racionalidade, do entendimento a respeito do que se passa ao nosso redor, se a clareza daí advinda resultar inútil? De que nos adianta ler os textos do Miguel Nicolelis, da Eliane Brum e tantos outros, se nos mantemos apáticos?

Se não existir uma razão de ser, que se expresse em ações qualificadoras da realidade, a partir do conhecimento desta realidade, para que serve o conhecimento em si? Que valor ele tem? Que valor haverá na busca de qualificação das capacidades de compreensão da natureza humana ou do controle de seus desvios?

Vejam: uma criança mimada pode se tornar um adulto que se imagina capaz de tudo, sem limitações e sem responsabilidades para com as implicações de seus atos. Disso pode resultar um psicopata com ausência de valores éticos e morais, incapaz de enxergar o sofrimento alheio, de entender e partilhar a dor dos outros.

Neste sentido, a impunidade às atitudes ostensivamente inadequadas tende a alimentar fantasias infantis e sensações de onipotência que podem distorcer a tal ponto a percepção de mundo que leve adultos fragilizados, prisioneiros de tais debilidades, a agir como monstros.

A impunidade, portanto, tende a ser pedagogicamente destrutiva sob o ponto de vista social. Ela pode gerar abominações que, nos piores bandos, tendem a se expandir no frenesi de psicóticos em busca de atenção, reconhecimento e prêmios. Nestes ambientes, quanto mais tresloucada a audácia, maior o destaque e a possibilidade de ascensão no rebanho dos bajuladores que assim se juntam em torno de qualquer mito.

O que fazer, então?

Aqui a hipótese é de que podemos assumir e disseminar cobranças de posições adultas, maduras, com relação aos que fomentam a crise, sejam eles conscientes ou não, das implicações de seus atos. Isto também exige acordo e respeito aos limites constitucionais impostos pelo contrato social que nos organiza como nação. Nesta perspectiva, a maturidade do país dependerá do enquadramento e da correção daqueles que, por convicção ou limitação adolescente, não conseguem entender que precisamos de vacinas, de auxílio emergencial, de políticas públicas e abertura de processos de impeachment, ao embalo dos gritos de "Fora Bolsonaro".

Em outras palavras, é chegada a hora da generalização de ações como aquelas que pais e mães utilizam para a formação de crianças e adultos minimamente responsáveis. Trata-se, essencialmente, de motivar o povo brasileiro a contribuir, em todos os níveis, para a correção e o desenvolvimento tardio daquelas crianças mimadas que hoje nos envergonham e assustam, ocupando espaços tão relevantes da vida pública nacional.

A música que nos embala, de Carlos Hahn: Eu quero de volta meu país.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira