Rio Grande do Sul

COVID-19

“No momento mais dramático da pandemia, Bolsonaro insiste em dividir a população”

Governador gaúcho rebate mentiras divulgadas pelo presidente e atribuiu a ele o recorde de mortes por covid-19 no país

Brasil de Fato | Porto Alegre |
“Poupem a energia de quem está governando para defender a população de ficar tendo que rebater e esclarecer as mentiras que são propagadas" - Itamar Aguiar / Palácio Piratini

Neste final de semana, mais uma vez o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usou suas redes sociais para divulgar distorção dos fatos e culpar os estados brasileiros pela situação da pandemia, que está em seu momento mais grave no país. Em resposta, 16 governadores divulgaram uma carta, na manhã desta segunda-feira (1), em resposta a publicações do presidente. O governador Eduardo Leite (PSDB), um dos postulantes da carta, em entrevista coletiva no final da tarde do mesmo dia, explicou sobre a aplicação e gestão dos recursos na pandemia transferidos pelo governo federal e fez duras críticas a Bolsonaro.

A live teve como objetivo desmentir as fake news e mentiras que, de acordo com ele, são oficialmente patrocinadas pelo governo federal. Conforme apontou o governador gaúcho, através da distorção de fatos, dados e de informações, o presidente da República procura gerar mais confusão na população.

“Não bastasse já a confusão que o presidente da República gera ao defender tratamentos sem recomendação científica, ao gerar desconfiança  nas vacinas, e tantos outros problemas ainda sobre a aplicação de recursos no momento mais dramático ele insiste em dividir nossa população e gerar confusão. Lamento que tenhamos que usar parte do nosso tempo e da nossa energia que deveria estar focada no enfrentamento do vírus para enfrentar as mentiras, fake news, distorções, e que são levadas à população e que confundem a todos num momento em que deveríamos esclarecer”, ressaltou.

A manifestação do governador segue o tom da carta assinada pelos 16 governantes. "Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o governo federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população”, diz a carta. 

Não é bondade, é transferência constitucional

Em relação às aplicações no RS, a postagem de Bolsonaro afirma que o governo federal repassou ao estado, em 2020, R$ 40,9 bilhões, e outros R$ 12,2 milhões, somando os recursos do auxílio emergencial. Conforme apresentou Eduardo Leite, os bilhões apresentados pelo presidente misturam, propositalmente, valores referentes a vários compromissos, inclusive transferências constitucionais obrigatórias.

“No fim de semana, o presidente Jair Bolsonaro fez uma postagem no Twitter em que informa ter repassado R$ 40,9 bilhões em 2020 ao RS, como se fosse um gesto de bondade de um gestor público preocupado com o avanço da doença entre os gaúchos. Não existe dinheiro federal, dinheiro do Bolsonaro, dinheiro do Leite: existe dinheiro da população, que é recolhido e precisa ser aplicado de acordo com regras constitucionais”,  frisou o governador, destacando que o governo do RS mandou ao governo federal R$ 70 bilhões em impostos. “Se quer usar este número, uma pergunta precisa ser feita: como os gaúchos mandaram R$ 70 bilhões em impostos federais para Brasília em 2020, onde estão os outros R$ 30 bilhões que não voltaram para o RS?”, questionou. 

Em comparação, disse que é como se fosse ele, como governador, afirmando que repassou R$ 12 bilhões aos municípios, e dissesse para os prefeitos que eles precisariam se virar para enfrentar a pandemia. Na verdade, frisou, esse recursos pertence constitucionalmente aos municípios, referente à divisão do IPVA e do ICMS.

De acordo com Leite, os recursos ofertados pelo governo federal estão muito distantes dos bilhões apresentados. “A maior parte dos recursos que efetivamente vieram foram para simples reposição de perdas, para manter os serviços prestados pelo estado sem prejuízo à população. E todo recurso que veio para área da saúde foi aplicado na saúde”, enfatizou.

Confronto para "se esquivar das responsabilidades"

O governador voltou a subir o tom e ressaltou que a intenção do presidente é causar confusão e seguir no discurso negacionista adotado desde o início da pandemia. “É a narrativa oficial de quem quer se esquivar das responsabilidades por um quadro dramático que se apresenta no nosso país, pela negação da ciência, pela negação da gravidade desta doença, e que precisa união de todos. Infelizmente, o presidente insiste na divisão, no conflito, no confronto, quando temos um inimigo em comum, que é o vírus, e poderíamos ter usado isso como fator de união nacional”, reforçou o governador, pontuando que ainda não se conseguiu parar o vírus, o que deve acontecer somente com a vacina. 

“É com a vacina que conseguiremos parar o vírus. Infelizmente, o presidente lança dúvidas sobre a vacina, demorou para adquirir. Enquanto não conseguirmos parar o vírus por falta de vacinas até aqui, vamos ter que parar as pessoas que circulam com o vírus. É daí que se impõe o distanciamento social”, complementou, dizendo que os estados, frente à demora do Executivo nacional, se for o caso, vão adquirir diretamente as vacinas.  

Repasses

Segundo explicou o governador, um dos principais pontos de equívoco é sobre os repasses feitos por conta das perdas de arrecadação dos estados e dos municípios (Lei Complementar 173), recursos que não eram vinculados, ou seja, o governo do estado poderia usar livremente em despesas correntes. O Rio Grande do Sul recebeu R$ 1,95 bilhão entre abril e julho de 2020. 

“Foi uma iniciativa do Congresso Nacional, sensível à necessidade de recompor as receitas dos estados, dando condições de os entes federados arcarem com as novas despesas pelo aumento da demanda de serviços básicos essenciais, como segurança, saúde e educação, por exemplo”, afirmou o governador.

Também como compensação federal por conta dos efeitos da pandemia, foram R$ 259 milhões destinados à Secretaria da Saúde (SES) para reforçar os hospitais públicos, filantrópicos e próprios que formam a rede de atendimento estadual. Assim como R$ 126 milhões para a cobertura das perdas do Fundo de Participação dos Estados (FPM), que gerou uma reposição federal ao Rio Grande do Sul de R$ 126 milhões. E junto ao BNDES, repactuou, com base na mesma Lei Complementar, R$ 78,4 milhões de parcelas de financiamentos que venceriam ao longo de 2020.

“Esses recursos não tem a ver com dar dinheiro, e sim não deixar que houvesse perdas frente à arrecadação que se projetava para o estado. Nós teríamos esses recursos em caixa se não houvesse pandemia, com a nossa própria arrecadação, para sustentar os serviços que o estado deve sustentar”, explicou. 


Repasse dos recursos / Reprodução

Verbas foram para saúde e cultura

Para o enfrentamento específico da covid-19 na saúde, o governo federal destinou R$ 567 milhões do Fundo Nacional da Saúde ao Fundo Estadual da Saúde (FES-RS). Já foram gastos, nos hospitais, R$ 310,5 milhões, e R$ 214,8 milhões foram gastos com diversas ações, conforme dados de janeiro de 2021. Entre os gastos estão os mais diferentes tipos de equipamentos. Segundo pontuou o governador, o destino desses recursos pode ser acompanhando no site de transparência do governo estadual

O governador também falou dos recursos para a cultura, também por iniciativa do Congresso Nacional. “O governo federal repassou valores expressivos à indústria da cultura, com a Lei Aldir Blanc. Por meio dela, os profissionais gaúchos receberam R$ 74,9 milhões, sendo que todo o valor foi aplicado pela Secretaria da Cultura”, apresentou. 

Pandemia cresce mais rápido que ampliação de leitos

De acordo com Eduardo Leite, em 2020, o RS aumentou em 126% o número de leitos de UTI em comparação a 2019, de 933 para 2.109, com cada leito custando R$ 1,6 mil diariamente. Contudo, salientou que a expansão de leitos tem limite. “Não podemos aumentar leitos na proporção exigida pela doença, ela cresce de uma maneira muito mais veloz e agressiva do que a nossa capacidade de ampliação de leitos. Mas podemos aumentar a consciência da população em relação à necessidade de regras mais duras e a responsabilidade de todos os governantes quanto à gravidade da situação”, frisou, pontuando novamente que não se precisa de mais conflito, mas sim de ajuda e coordenação. 

“Nunca os estados acusaram o governo federal de falta de dinheiro, o que se reclama é a falta de política pública, a falta de coordenação, de alinhamento, e o excesso de conflito, de confrontos com que o governo federal trata todos os assuntos, e infelizmente não é diferente na área da saúde”, lamentou Leite, referindo-se ao aumento da média móvel de óbitos e o agravamento da situação dos leitos hospitalares que vem acontecendo em vários estados brasileiros, como Santa Catarina, Paraná, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo. 

"Desumano, egoísta"

Na coletiva de imprensa, o governador destacou que já se vive uma guerra no mundo contra o vírus, e que no Brasil, além dessa batalha contra o vírus, há uma batalha de narrativa que se tenta construir por parte do governo federal para simplesmente ter uma vitória política. “Não tem como não entender que não seja o presidente da república responsável  por esse recorde de mortes no Brasil na medida que gera confusão, que gera essa percepção por parte da sociedade que tem que enfrentar as políticas públicas respaldadas na ciência por conta das afirmações do presidente. Isso é desumano, egoísta e é uma irresponsabilidade porque vidas estão sendo perdidas, muitas vezes que poderiam se evitar de serem perdidas. É uma irresponsabilidade e que torna o presidente o grande responsável pela grande crise sanitária e pelas mortes que estamos observando”, ressaltou. 

Ainda segundo o governador, diante da atitude de descaso do presidente, a situação seria mais dramática se não fosse o esforço de prefeitos e governadores, com apoio da classe médica, dos especialistas e da imprensa, que divulga os riscos e chama atenção para os cuidados. "Muita gente tem feito a sua parte, mas o presidente gera muita confusão. É difícil entender a mente do presidente, mais difícil ainda entender o seu coração, porque é questão de desumanidade, de desprezo pela vida, isso choca quando a gente vê isso no presidente da nação. Como foi dito pelo prefeito de Curitiba, recentemente, um dos mandamentos é não matarás. Não adianta evocar Deus e colocá-lo acima de todos, porque Deus coloca a vida em primeiro lugar. Se é para obedecer um mandamento divino, lembre-se que está entre esses mandamentos não matar, e um líder, na posição como a do presidente da República, que despreza os cuidados sanitários e provoca confusão na sua gente, na sua população, simplesmente buscando talvez um proveito político ou se desfazer de algum prejuízo político que possa causar as medidas que têm que ser tomadas, infelizmente está matando, está matando. É isso que está acontecendo no nosso país nesse momento”, expôs.

Por fim, fez um apelo a Bolsonaro, sua equipe e militantes que fazem, de forma coordenada, ataques para confundir a população. “Poupem a energia de quem está governando para defender a população de ficar tendo que rebater e esclarecer as mentiras que são propagadas. Precisamos focar toda a nossa energia e tempo em tudo que puder ser feito para vencer a pandemia, que é a verdadeira inimiga. O conflito político que aqui se estabelece pune o cidadão. Não precisamos de conflito, precisamos de vacina o mais rápido possível para imunizar a nossa população”. 

:: Assista à coletiva de imprensa ::

:: Leia a nota dos governadores na íntegra ::


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Edição: Marcelo Ferreira