Porto Alegre se encontra na pior fase da pandemia desde o seu início, considerando que o primeiro caso de covid-19 relatado na capital remonta ao dia 9 de março de 2020. Quase um ano depois, mesmo com todas as informações que a ciência já nos trouxe e que realmente são capazes de reduzir o contágio, como o distanciamento social, uso de máscaras, álcool gel e, principalmente, a vacina, o Brasil segue com um número de mortes alarmante e com claros indícios de subnotificações, sendo considerado o pior país do mundo no combate ao coronavírus, segundo uma pesquisa australiana.
As causas que nos trouxeram até esse momento estão ligadas principalmente ao negacionismo evidente do presidente Jair Bolsonaro e sua incessante campanha antivacina. O dirigente máximo do país não mediu esforços em tentar demonstrar que a pandemia era uma doença sem gravidade e que todas as medidas sanitárias indicadas pelas instituições científicas e médicas seriam desnecessárias e inócuas. Participou de uma série de aglomerações com seus apoiadores, desde o início dos processos de fechamentos de diversas cidades como medida necessária para conter o avanço da doença. Se utilizou dessa situação para polarizar com governadores e prefeitos, colocando sobre eles a responsabilidade exclusiva dos efeitos econômicos catastróficos esperados frente a uma pandemia.
Importante reforçar que Bolsonaro ainda se opôs ao Auxílio Emergencial, sendo forçado a ceder a fim de não inviabilizar o seu governo, porém, sempre defendeu um valor irrisório, sendo derrotado pelo campo da esquerda no Congresso Nacional. Hoje, o Auxílio está suspenso e passando por negociações, o que deixa milhões de brasileiros em uma situação de total penúria. Segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil se saiu pior do que o resto do mundo nas questões econômicas durante a pandemia e isso tem relação direta com as escolhas da Presidência da República.
Nesse contexto de crise, gerada tanto pelo vírus quanto pela péssima administração federal, se encontra a capital gaúcha. Sebastião Melo (MDB), até então considerado um representante moderado da centro direita gaúcha, venceu uma eleição repleta de fake news propagadas por setores fundamentalistas e da extrema direita fascista que, no segundo turno, se uniram em torno da sua campanha. Uma das suas principais bandeiras foi negar a gravidade real da pandemia e defender que o comércio deveria permanecer aberto, independentemente da situação dos hospitais da capital dos gaúchos, defendendo a disponibilidade do chamado “Kit Covid”, comprovadamente ineficaz no combate à doença.
Sem testagens, a referência utilizada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul passou a ser a ocupação dos leitos de UTIs, com o objetivo de abrir ou fechar as atividades econômicas, religiosas, culturais e educacionais de acordo com a quantidade de casos graves relatados pelos hospitais do estado, se utilizando do conhecido sistema de “bandeiras”, sendo a bandeira preta o pior cenário, em que o fechamento das atividades seria quase que total, com o objetivo de frear a circulação de pessoas, principal fator de propagação do vírus.
Após a vitória no pleito, Sebastião Melo (MDB) organizou com outros quatro prefeitos da Região Metropolitana um grupo que exigiu a chamada “cogestão”, em que os prefeitos poderiam gestionar as suas cidades em um nível abaixo do que era determinado pelo governador Eduardo Leite (PSDB).
Após as festas de final de ano e, principalmente, do período de carnaval, o Rio Grande do Sul viu explodir os seus casos de contágio e superlotação dos seus leitos de UTI, fazendo com que o governo do estado decretasse a bandeira preta em uma região que concentra 70% da população gaúcha, após consultar o seu comitê científico. Até o fechamento deste artigo, a ocupação já era de 98% dos leitos de UTI na Capital, o pior quadro até então.
Sebastião Melo (MDB), em conjunto com os prefeitos da Região Metropolitana alinhados com a cogestão, exigiram flexibilização das medidas e não redução de circulação de pessoas, fazendo com que nessas regiões ficassem estabelecidas decisões municipais menos restritivas. Ocorre que a chamada terceira onda da covid-19 ainda não atingiu o seu pico, conforme as autoridades sanitárias, médicas e científicas.
Desconsiderando os apelos dos hospitais, que lançaram um manifesto através do Sindihospa (Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto Alegre), onde afirmam que somente uma redução quase que total na circulação de pessoas poderia evitar o colapso absoluto do sistema de saúde da Capital, o que ocasionaria incontáveis mortes, o prefeito de Porto Alegre insistiu em pautar sua decisão pela classe empresarial, utilizando como argumento principal e cínico que o comércio não possui responsabilidade pela propagação da pandemia.
Nesse momento agudo, não se trata de apontar responsáveis pela propagação do vírus, cuja maior responsabilidade recai sobre o governo federal e seu desdém pela vacina e pela ciência, mas sim o que pode ser feito antes da incapacidade do sistema de saúde em absorver a demanda que cresce exponencialmente. Como exemplo podemos citar o Reino Unido que decretou lockdown (fechamento total) e reduziu em 80% os casos de contágio, ou a pesquisa da Universidade do Texas e UNICAMP que comprovou que medidas restritivas têm resultados mais positivos em relação à economia do que a flexibilização.
O prefeito Sebastião Melo (MDB) optou por fazer uma aposta arriscada e, ao que tudo indica, encaminhará diversos porto-alegrenses a óbito, nos moldes do que aconteceu em Manaus (AM), onde o oxigênio chegou ao fim, mesmo com as autoridades responsáveis tendo sido comunicadas em tempo hábil de reverter o quadro. Segundo as entidades ligadas ao campo da saúde, não se despreza a necessidade de trabalho da população de Porto Alegre, porém, a irresponsabilidade dos entes públicos na condução da pandemia não permite que nesse momento tenhamos segurança no retorno de forma mais ampla às atividades econômicas, mesmo que de forma controlada.
No pior momento da pandemia, até agora, Eduardo Leite (PSDB) e Sebastião Melo (MDB) ainda optaram por reabrir escolas, aumentando ainda mais a circulação e aglomeração de pessoas, desconsiderando que, em diversas localidades, os casos de contágio foram alarmantes, inclusive com mortes de docentes. Segundo o secretário da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, a abertura de leitos não deve ser o suficiente para atender a demanda que explodirá a partir do próximo final de semana.
Os próximos dias serão de apreensão e de reavaliação do quadro de ocupação dos leitos de UTI. Esperamos que os piores prognósticos não se cumpram, mesmo com toda a irresponsabilidade demonstrada pelo prefeito de Porto Alegre e pelo seu secretariado que, claramente, tratam essa pandemia como uma “gripezinha”.
* Leonel Radde é vereador pelo PT em Porto Alegre.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Marcelo Ferreira