Reivindicarmos, uma vez mais, o adiamento da volta às aulas
A Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) acompanhou atentamente todos as discussões sobre a volta às aulas na pandemia através da Comissão de Educação da ALRS e do Comitê de Acompanhamento da Crise Educacional do RS, dialogou com educadoras e educadores, mães e pais das redes públicas, municipal e estadual, e privada, especialmente na Capital, Porto Alegre, coordenou a pesquisa “Educação na Pandemia da COVID-19” na Capital, fez diversas lives e reuniões online com especialistas e comunidade escolar, estabelecendo interlocução sistemática e permanente com as suas associadas e associados, durante todo o período da pandemia por que passamos.
Com base nisso, e em todos os argumentos que serão explanados a seguir, reivindicamos o adiamento do retorno às aulas das redes básicas de ensino (escolas particulares, escolas estaduais e escolas municipais) e a imediata implementação, pelos governos estadual e municipais, de ações que garantam as condições mínimas para a segurança de alunos, familiares, professoras e professores, de todas as trabalhadoras e trabalhadores da educação, com destaque para a rede básica de ensino de Porto Alegre e de todos os municípios gaúchos:
- Vacinação prioritária para professoras e professores, merendeiras e demais funcionárias e funcionários das redes básicas de ensino, tanto no âmbito privado (particulares) quanto público (escolas municipais e escolas estaduais);
- Retomada do limite de número de alunos por sala de aula, em contrariedade do Decreto do dia 15/02, respeitando o protocolo de distanciamento seguro de 6m² (seis metros quadrados por aluno);
- Transparência e acesso aos indicadores com dados desagregados e relatórios informativos em relação ao número de alunos e condições de cumprimento de protocolos para observância da segurança dos que optaram pelo ensino presencial nas 3 redes básicas de ensino (escolas particulares, escolas estaduais e escolas municipais);
- Implementação de rodízio escalonado de alunos, elaborado a partir dos indicadores de número de alunos que optaram pelo ensino presencial nas 3 redes básicas de ensino (escolas particulares, escolas estaduais e escolas municipais);
- Proteção social para mães e pais em situação de vulnerabilidade social, através de auxílio emergencial e renda básica municipal a ser instituída;
- Reformas imediatas nas escolas, sobretudo as que não tem banheiro e água potável:
- Adiamento do início das aulas para depois do dia 8/3, depois das soluções acima apresentadas.
As reivindicações que ora apresentamos, diga-se de passagem, estão de acordo com todas as ações realizadas pela AMPD no decorrer desta pandemia. As medidas de prevenção e os protocolos sanitários, pedagógicos e jurídicos foram os pleitos mais solicitados pela nossa entidade. Fizemos blitz sanitárias em escolas municipais de educação infantil e fundamental de Porto Alegre nos meses de setembro e outubro do ano passado e percebemos o apagão educacional, o esgotamento das professoras e professores e alguns problemas estruturais, não há possibilidade das salas de aula terem janelas abertas e/ou com circulação de ar nas escolas municipais de Porto Alegre, por exemplo, pois só há basculantes e não se pode ligar o ventilador, há reduzido espaço interno para a acomodação das nossas filhas e filhos, além da enorme exposição dos professores e funcionários de escolas durante o período de aulas remotas com plantões presenciais, com poucos recursos e a inexistência de diálogo dos governos com as equipes diretivas e conselhos escolares.
As aulas online foram privilégio de alguns e a merenda revertida em cesta básica foi garantida através de vaquinhas custeadas pelas professoras e professores, mães e pais e comunidade escolar, em sua maioria foram estas as cestas alcançadas a alunos vulneráveis e a suas famílias. A desigualdade entre aqueles que têm recursos tecnológicos e as/os que não têm (a maioria) foi ainda mais agudizada em relação ao acesso ao conteúdo e à interface entre aluno-escola-direitos, muito embora muitas professoras e professores abnegados tenham feito o trabalho de porta-em-porta dos alunos, fazendo aulas particulares, em todos os horários possíveis, contribuindo com as políticas de assistência, saúde, trabalho e renda e habitação, que foram desarticuladas pelos governos estadual e municipais.
Lançamos a campanha #VidasEmPrimeiroLugar e apoiamos a campanha #EscolasFechadasVidasPreservadas do CPERS. Recebemos o educador Doutor Paulo Focchi em uma live na AMPD e ele trouxe com muito destaque a reflexão do direito à infância, ao brincar e à escola e apresentou a escola como uma possibilidade de sobrevivência das crianças e da sobrevivência da educação infantil em si, a mais afetada.
Embora continuássemos, até outubro do ano passado, com o entendimento da falta de condições estruturais e de diálogo com os governos estadual e municipal (Porto Alegre), com a premente necessidade de atendimento de crianças em situação de risco e com a problematização do apagão educacional, o que pedimos foi a realização de diagnóstico para uma política específica e não universal de retorno às aulas, já que havia um contexto de proteção social com auxílio emergencial que possibilitaria o isolamento social das mães e de suas filhas e filhos. E o que dizer dos decretos de volta às aulas que foram feitos com retorno, mesmo que escalonado, claramente, experimentais, com plantões e atendimentos mais voltados à educação infantil e anos finais, percebendo-se, na verdade, muitos riscos não controlados e alguns surtos em espaços escolares e muitos contaminados, mesmo com poucos alunos presenciais - inclusive professoras e professores, trabalhadoras e trabalhadores da educação. Segundo Censo Escolar 2020 em pesquisa realizada pelo DIEESE, a maioria das escolas estaduais não têm ao menos saneamento, somente 26% fornecem água potável, mais de 300 não têm sequer banheiro e, quando seus funcionários foram infectados, não houve a devida atenção e limpeza dos espaços adequadamente com a testagem de todos os possíveis contaminados.
Com o contexto de início da vacinação, pelo enorme período sem aulas, com o corte do auxílio emergencial pelo governo federal e retorno quase que completo das atividades laborais, sem medidas estaduais e municipais concretas de renda básica, com o retorno da fome e do aumento da extrema pobreza, começamos a entender que se os professores e funcionários fossem vacinados seria possível a defesa da volta às aulas com um planejamento que contemplasse todas as necessidades e especificidades de alunos e professores, já que parecia improvável o impedimento do início do calendário escolar até 8 de março.
No entanto, o novo decreto do governo estadual, que não restringe o número de alunos por sala de aula, mesmo em região de bandeira preta, podendo uma sala de aula de 60 m2, que com 50% da lotação estaria com 15 alunos, agora, comportar 26 alunos. Além disso, considerando as péssimas condições estruturais das escolas públicas estaduais e municipais, em sua maioria, a falta de professores e funcionários, sobretudo da limpeza, a ausência de planejamento e de previsão de vacinação dos professores e funcionários, considerando o fato de os alunos das escolas privadas terem acesso a aulas online, o elevado número de pessoas envolvidas, o número de mortalidade pela covid-19, os exemplos nacionais e fora do país, os recordes diários de mortalidade, no Brasil, no RS e em Porto Alegre, pela ocupação máxima nas UTIs dos hospitais gaúchos, a maior desde dezembro de 2020, não se tem outra opção a não ser reivindicarmos, uma vez mais, o adiamento da volta às aulas para que possam ser postas em prática medidas efetivas de segurança, cuidado e proteção das nossas filhas e filhos, professoras e professores, trabalhadoras e trabalhadores da educação e toda a comunidade escolar.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira