Ser movimento e ser instituição ao mesmo tempo é onde está o problema, ou onde está o segredo
Se alguém tinha, ou ainda tem, ilusões com instituições, seja de que tipo forem, não sou eu. Sou cristão católico desde sempre, e continuarei sendo. Mas fui duramente perseguido pela instituição Igreja Católica seguidas vezes, a quem dei boa parte da minha vida, e continuo dando ainda hoje.
Ser movimento e ser instituição ao mesmo tempo é onde está o problema, ou onde está o segredo. Impossível o movimento não se tornar instituição em algum momento. Faz parte do processo histórico. A questão, ou problema, está em o movimento ficar esquecido na história e a instituição tomar conta do pedaço. Inclusive no casamento. O segredo é como manter-se mais movimento, manter o carisma original ao longo do tempo, e ser menos instituição.
A Igreja Católica não era igreja nos seus inícios. Era movimento, com Jesus pregando e andando pelo deserto com os pobres e oprimidos de então, e com as comunidades dos primeiros cristãos. A novidade: viver em comunidade dividindo os bens entre todas e todos, pregar a Boa Nova do Evangelho mundo afora. Depois, virou instituição e poder, especialmente na Idade Média. Até chegar São Francisco, o santo da pobreza, da natureza e da comunidade, e sacudir tudo. A instituição não se rendeu. Foi chamado o Concílio Vaticano II, para sacudir tudo de novo. E vieram as CEBs, as Comunidades Eclesiais de Base, e a Teologia da Libertação, especialmente na América Latina. Movimento, não instituição. Finalmente aconteceu, quase milagrosamente, o Papa Francisco, e a ecologia integral, a FRATELLLI TUTTI, Somos Todas e Todas Irmãs e Irmãos, o cuidado com a Casa Comum. Nos tempos atuais, a instituição Igreja Católica confronta-se de novo com o ser mais movimento, menos instituição. Não por outro motivo, o Papa Francisco tem tantos adversários, quando não inimigos, dentro, inclusive, da Igreja Católica.
O PT nasceu como movimento, não como instituição. Na Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre, onde eu morava e, com muitas outras e outros, atuava com CEBs, movimento comunitário, Oposições Sindicais, luta por água, escola pública, melhores condições de vida para a população - o Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras já existia, de fato e na prática, antes do PT ser criado oficialmente. Foi necessário, e inevitável, institucionalizá-lo, até para participar de eleições. Porém, com o tempo - e o afirmo como fundador do partido, como ex-dirigente e ex-parlamentar -, o PT tornou-se mais instituição que movimento: mandatos parlamentares, governos, etc.: cargos, poder, recursos, dinheiro, e tudo mais que normalmente acompanha as instituições, especialmente as políticas, e também as eclesiais.
Agora, 10 de fevereiro de 2021, nos 41 anos do Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores, e ano do centenário de Paulo Freire, uma feliz novidade e prioridade, anunciadas pela Secretaria Nacional de Formação do PT e Fundação Perseu Abramo: ‘FREIREAR O PT PARA ESPERANÇAR O BRASIL’.
Em vídeo, Gilberto Carvalho, dirigente nacional, diz: “’É hora da reconstrução da base partidária e formação de uma nova base, freireana, essa que já foi uma base freireana. Hora de formar educadoras-es militantes, com núcleos baseados na metodologia de Paulo Freire. Núcleos de vivência, estudo e luta, de baixo para cima. Fazer movimento de base e conscientização.”
Diz um documento distribuído pela Secretaria Nacional de Formação do PT e Escola Nacional de Formação:
“Formação, organização, comunicação, uma proposta de revitalização do PT e cuidado com seus filiados. O processo de conscientização, de disputa de hegemonia não é algo lateral: é parte essencial da construção do PT. Para isso, precisamos ter um partido com uma massa de filiados conscientes, participativos e capazes de vertebrar na sociedade este processo de conscientização e construção do Poder Popular. Um processo de educação deve ser estruturado em conjunto com processos de organização e mobilização partidários, tendo necessariamente uma incidência real e concreta na vida pessoal do militante e na atuação partidária engajada, lutadora, coletiva.
A síntese dessa ação poderia ser resumida na palavra: CUIDAR DOS FILIADOS, CUIDAR DE NOSSA BASE SOCIAL. Cuidar aqui tem o sentido de cultura, de preparar, acompanhar, acolher e ouvir, de oferecer alternativas de crescimento pessoal, coletivo e de ação militante e solidária, de ação política e luta.
Cada refiliado do partido receberá a indicação de participação num CÍRCULO DE ESTUDOS, VIVÊNCIA E LUTA: no local de moradia, de trabalho ou por opção de engajamento militante. Devem ser grupos ligados a algum tipo de prática de luta e solidariedade, capazes de refletir sobre estas práticas, aprofundar os conhecimentos necessários para fazer avançar esta prática em grau crescente de comprometimento e significado político. Serão grupos de vivência, no sentido da acolhida, do cultivo das relações de fraternidade, da confraternização e preocupação com o conjunto da pessoa, com espaço para vivenciar os aspectos culturais da vida. É preciso que a população veja os nossos militantes como agentes da solidariedade, da mudança de suas vidas, geradores de esperança.
Cada Círculo deverá contar, além de um-uma Coordenador-a, com a figura de uma EDUCADORA, um EDUCADOR MILITANTE. As-os educadoras-es militantes participarão de um processo de formação permanente e serão os principais alvos e sujeitos do Plano Nacional de Formação Política.”
O problema ou a solução do PT no início de 2021 não é discutir, prioritariamente, as eleições ou possíveis candidaturas em 2022, embora seu debate tenha que estar presente. Ninguém sabe como chegaremos em 2022, como estará a correlação de forças, o caos instalado no Brasil ou não.
FREIREAR O PT PARA ESPERANÇAR O BRASIL, não copiando Paulo Freire, mas reinventando sua pedagogia libertadora, construindo o inédito viável e o ESPERANÇAR freireano, é fundamental na conjuntura. Paulo Freire deve estar muito feliz, esteja onde estiver. Retomar a fundamental relação entre ética e política e mística e política. Isso tudo fará do Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores o que foi nos seus 41 anos de vida e história. Um partido comprometido com os mais pobres entre os pobres, com as trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, da América Latina e do mundo. Um partido comprometido com a democracia, a soberania nacional, a igualdade econômica e social, com a justiça e a paz, com o meio ambiente e a Casa Comum, com os direitos de todas e todos, com o Poder Popular.
Longa vida ao Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores!
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira