A Assembleia gaúcha deverá apreciar, em fevereiro ou março desse ano o, PL 260/2020, encaminhado pelo governador Leite lá em novembro do ano passado em regime de urgência (pasmem, em plena pandemia de covid-19, essa era a urgência para o governador – pelo menos teve o mínimo de bom senso de retirar o regime de urgência, nesta quarta-feira (10), em reunião com lideranças políticas e de entidades que denunciam o PL 260), que se aprovado permite a utilização de agrotóxicos no Rio Grande do Sul que não possuem registro e nem autorização de uso nos seus países de origem. Importante que entre 2016 e 2020, no Brasil, foram registrados 1.947 agrotóxicos, conforme o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Mas se quisermos olhar mais amplamente essa questão, veremos que em 15 anos da série (2005-2020, também conforme o MAPA), foram 3.608 agrotóxicos liberados no Brasil. Estamos falando de um mercado que produz agrotóxicos, movimentando aproximadamente US$ 10 bilhões por ano. Esse é o tamanhão do “bicho” – uma indústria e um varejo que fatura bilhões anualmente às custas da nossa saúde e do desequilíbrio planetário, como comprovam um mundo de pesquisas acerca dos agrotóxicos.
No Brasil vale quase tudo quando o tema é agrotóxico, nossa legislação nacional permite que sejam refeitos testes e liberados agrotóxicos sem registro nos países de origem, bem como propõe o retrocesso do PL gaúcho. Vale destaque à eficiência da Anvisa (parece tão eficaz quando tema é “vacina” contra a covid-19) em liberar esses “defensivos”, pressionada pela Frente Parlamentar da Agricultura (nome chique para bancada ruralista), que funciona organicamente fora do Congresso, com sede e funcionários, tamanho seu poder, cada vez mais especializadas no lobby do “agro”, pressionando o próprio governo, o parlamento e o Judiciário diuturnamente. A velha “UDR” do grande latifúndio agroexportador e ainda com ares escravistas em muitos rincões desse Brasil, que historicamente explora esse país, envernizada com ares “democráticos” e num jogo de cena, que cai por terra a cada edição do Relatório de Conflitos no Campo no Brasil, publicado e denunciado todo ano pela CPT nacional.
Essa facilidade em aprovar novos agrotóxicos já faz com que o alimento que consumimos e até mesmo nossa água, que deveria ser potável e segura, tenha presença marcante de resíduos de agrotóxicos. Dados de pesquisa realizada por integrantes da Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo (AAVRP), sobre as águas do Rio Jacuí, que recebe o Rio Pardo – principal rio da região –, mostram que em determinadas épocas do ano podem ser identificados mais de 10 princípios ativos de agrotóxicos na água para o consumo humano, detalhe, isso após passar pela estação de tratamento. É verdade que os índices são baixos, para o padrão brasileiro, mas questionemos: Quem prefere um copo de água com agrotóxicos, mesmo sendo considerado pouco? O consumo permanente de água e ao longo dos anos coloca a população em risco. Por isso é preciso termos a compreensão de que não há uso seguro de agrotóxicos e é necessário que o estado pense ações voltadas a diminuir sua utilização e não contrário, como prevê o PL 260/2020, que contraria toda e qualquer razoabilidade, numa premissa de proteção da vida.
Sabidamente temos um conjunto de pesquisas e pesquisadores de ponta, no Rio Grande do Sul, que mostram os malefícios provocados pelos agrotóxicos em intoxicação humana, morte de abelhas, contaminação da água, solo e dos alimentos que ingerimos todo dia. Tudo amplamente divulgado cientificamente e pela própria imprensa gaúcha, brasileira e do mundo. Para estar em conformidade com o Brasil, como dizem os que defendem o PL 260/2020 em nome de uma competitividade produtiva, o RS entra na contramão do planeta, onde governos sérios e preocupados com suas populações, e entidades, buscam a cada ano produzir sem ou com o mínimo de agrotóxicos, dados os malefícios dessas substâncias à saúde humana e todo o nosso entorno.
No RS a lei 7.747/1982, aprovada em plena ditadura militar, que está para ser substituída pelo “moderno” PL 260/2020, já reconhecia riscos dos agrotóxicos proibidos nos seus países de origem. Essa lei resistente fez com que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) barrasse a utilização do Paraquate no RS, e assim impedisse, pelo menos em tese, que esse produto conhecido por aumentar o risco do mal de Parkinson, passasse a ser pulverizado sobre nossas cabeças e nos alimentos que consumimos. O Executivo, aprovando esse projeto, permitirá que o Paraquate possa ser utilizado novamente. Outro produto que se busca liberação é o Clomazone emulsionável, conhecido por causar uma série de malefícios à saúde humana e à natureza. Além de evidentemente “abrir a porteira” para uma infinidade de agrotóxicos que podem nos levar a uma situação de ainda mais risco eminente, dado o avanço das lavouras monocultoras de grande escala ano RS, que hoje colocam em risco biomas históricos como o Pampa e a áreas de banhados do Sul do estado, ecossistemas muito sensíveis a intervenção dessas lavouras.
Esse movimento do governo resultou numa reação rápida de mais de 230 organizações, entre elas a nossa AAVRP (composta hoje por 23 entidades da região, que trabalha com a Agricultura Familiar Camponesa e Agroecologia), que elaboraram a carta “Mais Vida, Menos Veneno”, propondo que fosse debatido com a população e apresentado os diferentes pontos de vista e estudos sobre os impactos do PL 260. Além de uma audiência pública realizada no dia 21/12/20, com a presença virtual de grande parte dessas entidades, que perguntavam uníssonas: Qual a necessidade real de liberar mais agrotóxicos no RS? E mais, não deveria ser prioridade de um governo, em plena pandemia, que já tirou a vida de mais de 11 mil gaúchos e gaúchas e de 233 mil brasileiros e brasileiras, buscar aprovar uma lei que “libera” agrotóxicos a esmo. A prioridade de um governo sério, num momento de crise como esse, é emprego e renda às pessoas em vulnerabilidade social, leitos em UTI, vacina para todos, tratamento para pessoas que contraíram o vírus e precisam de ajuda para se recuperarem. Isso tem de ser prioridade, mas não a liberação de agrotóxicos, como o Executivo enviou à Assembleia gaúcha.
Eduardo Leite, que faz apelo pela ciência no Twitter, muito embora isso tem se revelado mero truísmo, pois ignora-a quando o assunto é agrotóxico, não escuta inicialmente a sociedade e nem propõe o mínimo de debate com entidades, pesquisadores e com quem tem interesse direto no tema. Pois, sabidamente temos um conjunto de pesquisas e pesquisadores de ponta, no Rio Grande do Sul, que mostram os malefícios provocados pelos agrotóxicos em intoxicação humana, morte de abelhas, contaminação da água, solo e dos alimentos que ingerimos todo dia. Tudo amplamente divulgado cientificamente e pela própria imprensa gaúcha, brasileira e do mundo. Para estar em conformidade com o Brasil, como dizem os que defendem o PL 260/2020 em nome de uma competitividade produtiva, o RS entra na contramão do planeta, onde governos sérios e preocupados com suas populações, e entidades, buscam a cada ano produzir sem ou com o mínimo de agrotóxicos, dados os malefícios dessas substâncias à saúde humana e todo o nosso entorno.
Nesse contexto, a pressão enquanto conjunto de mais de 230 entidades que denunciam o PL 260/2020 e todo o contexto em que ele não foi apresentado ao povo gaúcho, foi de abrir um amplo debate com a sociedade. Rejeitando assim um projeto que foi proposto no “apagar das luzes” de 2020, praticamente “às escondidas”, sem debate com a sociedade, literalmente “goela abaixo” dos gaúchos, sem ouvir cientistas, órgãos que trabalham com essas questões, entidades que há décadas se debruçam sobre essa temática. Essa luta que se estabeleceu nesses últimos dois meses aqui no RS teve êxito inicial, pois o regime de urgência foi retirado do projeto. Agora será possível que governador, entidades que defendem a PL e nossos deputados estaduais respondam: Se não é permitido o uso e comercialização dos agrotóxicos nos países de origem, porquê o RS deve permitir? Se não é bom lá, porque será benéfico aqui?
Uma primeira vitória já conseguimos, o projeto vai sair do regime de urgência, agora vamos ao amplo debate do PL 260/2020, e temos a responsabilidade histórica de mostramos à sociedade gaúcha o que está em jogo nesse debate e as consequências cotidianas que uma possível aprovação vai acarretar na nossa saúde e vidas. Fiquemos atentos e como ensinou Tancredo Neves: “Não nos dispersemos!”, porque Leite e os seus querem mais agrotóxicos em nós e, segundo eles, para o nosso bem. Vê se pode!?
* João Paulo Reis Costa é historiador e Evandro de Oliveira Lucas é agrônomo, membros da AAVRP.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Marcelo Ferreira