Após ser sorteada para assumir por um ano uma vaga no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) através de sorteio via Loteria Federal, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) recusou o posto. A decisão foi anunciada na “Carta aos Brasileiros”, enviada ao Ministério do Meio Ambiente e divulgada publicamente nesta terça-feira (9) pela entidade ambientalista, pioneira na luta ambiental brasileira, que faz duras críticas à gestão ambiental do governo federal.
Conforme a Agapan, a decisão é uma resposta ao novo procedimento adotado pelo governo brasileiro para definir quais entidades ambientalistas ocupam as quatro vagas no Conama, que não conferem legitimidade ao mesmo. Através do decreto 9.806/2019, assinado pelo presidente e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a escolha que antes levava em consideração a divisão geográfica por regiões e ocorria em votação com participação das entidades agora é realizada por sorteio. A nova regra também limitou o colegiado a quatro entidades e reduziu o mandato de dois para um ano.
No documento, a entidade diz que muito se orgulharia em voltar a representar os interesses da população no Conselho, como já fez em outras oportunidades, de forma legítima, a partir de escolha democrática. Movida pelo bem viver de todos e não apenas dos humanos e desejando “a plena qualidade de vida do planeta”, afirma: “Nunca aceitaríamos a benesse de um governo ou da ‘sorte’ para assumirmos a representação de nossos pares. Quem acha que isso é possível, desconhece e desqualifica a democracia e a participação popular”.
A carta traz ainda forte critica à gestão ambiental brasileira pelo governo federal, destacando a negação em combater as recentes queimadas na Amazônia e no Pantanal, o desamparo aos povos da floresta e os ataques aos órgãos de proteção ambiental. “Não aceitamos um antiministro, que declarou em reunião ministerial que quer ‘deixar a boiada passar’, isto é, liberar qualquer projeto sem nenhum critério ambiental tecnicamente sério”, ressalta. E complementa: “acusamos o seu superior, que, tendo-lhe investido ao cargo, demonstra constantemente concordância e satisfação com os malfeitos de seu subordinado. Esse que ocupa o cargo de Presidente do país não é um verdadeiro presidente. Embora tenha sido eleito, não tem postura digna de estadista”.
Ao negar a vaga, a Agapan ressalta sua determinação de seguir firme “na luta ambiental, mas sempre tendo o povo brasileiro como real determinador e legitimador de nossas ações”.
Confira o documento na íntegra:
Carta aos Brasileiros
Nos dirigimos ao povo brasileiro, em resposta à “oportunidade” de participarmos no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), para declarar que a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), pioneira na luta ambiental brasileira, que em 27 de abril de 2021 completará 50 anos de luta e atuação 100% voluntária, declara que não viveu, nesse meio século de ativismo ininterrupto, nenhum momento tão negativo para o meio ambiente e para a população de nosso país quanto o atual.
Muito nos orgulharia voltar a representar e defender os interesses de nossa população no Conama, o que já fizemos em tantas outras oportunidades. Sempre representamos as entidades ambientalistas de forma legítima, escolhidos por nossos pares, como parte indissociável dessa representação participativa e democrática. Lutamos no Conama pela criação de critérios para entidades serem consideradas verdadeiramente ambientalistas, pela ampliação de nossa representação e tantas outras conquistas sociais. Não desejamos nada senão a plena qualidade da vida do planeta. Vida, esse lindo tecido de bondades que une todos os seres em um só processo complementar, interdependente e insubstituível que constitui o que chamamos de Gaia, o Planeta Vivo. Não temos preferências nem protegidos. Não buscamos dinheiro nem outra forma de poder. Nosso combustível é o bem viver de todos, não apenas dos humanos, porque temos claro que precisamos uns dos outros para nossa realização. A vida no planeta é possível através da interdependência colaborativa de todos.
Nunca aceitaríamos a benesse de um governo ou da “sorte” para assumirmos a representação de nossos pares. Quem acha que isso é possível, desconhece e desqualifica a democracia e a participação popular.
Diante da incômoda situação e do curto prazo imposto para a definição de aceitação da vaga, procurarmos a melhor forma de tratar e conduzir a questão, no intuito de contribuir com a reconstrução de uma sociedade digna e justa para todos.
Não aceitamos um antiministro, que declarou em reunião ministerial que quer “deixar a boiada passar”, isto é, liberar qualquer projeto sem nenhum critério ambiental tecnicamente sério. Não porque ele não tenha o direito de se recuperar e mudar, mas porque tem continuado a agir de forma criminosa, que o mundo ainda irá julgar, defendendo os interesses mais escusos e especulativos que já ousaram se manifestar abertamente neste país.
Não condenamos esse que ocupa o cargo de ministro, acusamos o seu superior, que, tendo-lhe investido ao cargo, demonstra constantemente concordância e satisfação com os malfeitos de seu subordinado. Esse que ocupa o cargo de Presidente do país não é um verdadeiro presidente. Embora tenha sido eleito, não tem postura digna de estadista.
Temos um presidente que envergonha a nossa nação diante do mundo, e, ao negar-se combater de forma imediata as recentes queimadas na Amazônia e no Pantanal, por exemplo, ao perseguir e não dar amparo legal às comunidades indígenas e ribeirinhas afetadas por estes impactos, bem como promover a perseguição e a extinção de cargos públicos na área de proteção ambiental com frequentes ameaças de extinção de órgãos ambientais, como o IBAMA e ICMBio, demonstra seu caráter destrutivo e, com isso, justifica decretar o enfraquecimento que busca na representatividade de entidades ambientalistas no Conama.
A legislação brasileira na área ambiental é uma referência mundial e condizente com a rica biodiversidade do nosso país, fruto de décadas de construção coletiva da sociedade civil organizada. Neste governo, houve um desmanche na legislação ambiental para “deixar passar a boiada” do ministro Salles, para beneficiar o setor especulativo da área agrária, mineradora, industrial e imobiliária.
Acreditamos nas instituições públicas e privadas brasileiras com as quais nunca deixamos de dialogar nesses 50 anos de atuação. Consideramos que em um regime democrático, do qual somos incansáveis defensores, é o mais adequado para o Brasil, sobretudo ao povo brasileiro que, quando bem informado, de forma equilibrada e decente, sabe como ninguém escolher o seu próprio destino e tem sempre no coração muita solidariedade.
Por essas e outras tantas razões, com coração e mente focados na proteção ambiental para o bem viver de todos, declaramos aos brasileiros e brasileiras que não aceitamos a vaga atribuída por sorteio. Da mesma forma, ressaltamos que é nossa determinação continuar firmes na luta ambiental, mas sempre tendo o povo brasileiro como real determinador e legitimador de nossas ações.
Assim, através desta carta, nos dirigimos, mais uma vez, aos brasileiros.
Agapan - A Vida Sempre em Primeiro Lugar!
Porto Alegre, 09 de fevereiro de 2021
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Edição: Marcelo Ferreira