O aval do governo Bolsonaro para empresas privadas comprarem 33 milhões de doses da vacina AstraZeneca no momento em que o sistema público e universal de imunização do SUS dispõe de apenas 10,2 milhões de doses – apenas 1/3 do “lote privado” – tem o significado de uma bomba de extermínio de brasileiros vulneráveis e desprotegidos, principalmente negros e pobres.
Engana-se quem pensa que Manaus, o Auschwitz brasileiro, representa o ápice do morticínio e da barbárie, porque o necrogoverno escala permanentemente estágios mais avançados de devastação social e extermínio humano.
A autorização para que particulares comprem imunizantes antes do próprio Estado provisionar o SUS com a quantidade de vacinas necessárias para imunizar universalmente toda a população brasileira, é uma prática de eugenia social com propósitos idênticos aos do regime nazista de Hitler.
Mariângela Simão, diretora de Acesso a medicamentos da OMS descreve a posição brasileira de aquisição privada de vacina como “peculiar”, única no mundo. Em todos países, “as compras estão sendo feitas pelo governo, e não pela iniciativa privada”, disse ela.
Por meio deste processo perverso de “seleção econômica” da espécie, em que a oligarquia pode comprar vacina para proteger a si mesma e também a seus escravos que garantem a reprodução do seu capital, o governo genocida dos militares amplia a “faxina” racial.
A imprensa noticiou as supostas condições estipuladas pelo governo para conceder o aval aos plutocratas. Dentre elas, a proibição de comercialização dos imunizantes e a gratuidade para os funcionários das empresas. Além disso, o governo “tem a expectativa de que as empresas doem ao Ministério da Saúde mais da metade do que será adquirido” [sic].
Nenhuma destas condicionalidades, mesmo se fossem plenamente atendidas, o que está longe de ser garantido, justificariam esta decisão infame que fere princípios constitucionais do direito à saúde e à vida e viola preceitos éticos e legais.
De acordo com o noticiário, os predadores têm pressa. Em videoconferência que reuniu 72 “caridosos” plutocratas que tiveram esta “peculiar” ideia, o diretor da Gerdau Fábio Spina, “considerado o coordenador da negociação, pediu a cada empresa que se manifeste até esta terça-feira (26) sobre a intenção de realizar a compra ou não”.
O dinheiro tudo pode e tudo compra. Enquanto o povo vulnerável e abandonado pelo governo é condenado à morte, para os empresários “foi dada uma previsão de que, efetuada a aquisição, as vacinas chegariam ao Brasil em dez dias”.
Deve ser investigado por que a previsão de fornecimento da mesmíssima AstraZeneca para a Fiocruz é de meses de espera, mas para os empresários a entrega pode ocorrer “em dez dias”.
Se tivesse real compromisso em proteger e salvar vidas humanas, o que efetivamente não é o propósito dos genocidas do Planalto, o próprio governo teria exigido o fornecimento das 33 milhões de doses da AstraZeneca exclusivamente para o plano nacional [e universal] de imunização do SUS.
Como documentado no extraordinário estudo do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da USP e a ONG Conectas Direitos Humanos sob a coordenação da professora da Faculdade de Saúde Pública da USP Deisy Ventura, não se trata de negligência ou incompetência dos militares no poder, mas sim de um genocídio programado, que está fartamente documentado.
Na pandemia, o governo militar acelera e aprofunda a barbárie e o caráter mortífero do seu necroprojeto. Como Bolsonaro já disse, “o sentido de seu governo não é construir coisas para o povo brasileiro, mas desconstruir”.
A autorização para que empresas privadas adquiram e administrem vacinas por conta própria enquanto o SUS não conta com estoque para imunizar toda a população, é um dos mais duros e infames ataques aos pilares civilizatórios e humanistas do pacto constitucional de 1988.
* Sociólogo e integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea). Artigo publicado originalmente no blog do autor.
Edição: Katia Marko