O Brasil começou o processo de imunização contra o coronavírus no país. Das 6 milhões de doses disponibilizadas pelo Ministério da Saúde aos estados para o início da vacinação, 341 mil chegaram no estado, na segunda-feira (18) da semana passada e foram distribuídas para as 18 regiões de saúde.
Conforme aponta a imunologista, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI ) Cristina Bonorino, não há doses suficientes, nesse momento, nem para imunizar os profissionais de saúde.
Para ela há ainda respostas a serem dadas sobre a vacinação, por exemplo, de como ela vai reduzir o contágio. Enquanto não se têm respostas a essa questão, a imunologista recomenda que as pessoas não relaxem nas medidas preventivas de isolamento, de lavagem de mãos e de uso de máscaras, principalmente.
Cristina possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1988), Mestrado em Genética e Biologia Molecular -UFRGS (1991) e Doutorado em Imunologia - UFRGS e University of Colorado (1995). Realizou pós-doutorados no National Jewish Center for Immunology no Colorado, em autoimunidade, e nas Universidades de Minnesota, em memória T, e UCSD em San Diego, em memória anti-viral. Por 20 anos foi professora da PUCRS em Imunologia, coordenando o laboratório de Imunologia do Estresse.
Veja abaixo a entrevista completa.
Brasil de Fato RS - O assim chamado "tratamento precoce", divulgado por algumas instâncias do governo, deve ser antecipado à vacinação?
Cristina Bonorino - Não. Infelizmente o "tratamento precoce" divulgado pelo governo não tem nenhuma eficácia comprovada e portanto não deveria estar sendo recomendado. Inclusive existem estudos que mostram que em diferentes níveis eles podem fazer mal para o indivíduo, no caso da hidroxicloroquina e da dose, e inclusive contribuir para selecionar parasitas mais resistentes. Por exemplo, no caso da ivermectina, que é um anti-parasitário, tornar parasitas mais resistentes ao longo do tempo, porque tu está selecionado para isso e, a azitromicina selecionar bactérias mais resistentes à própria azitromicina, quando não há necessidade.
A azitromicina é remédio importante, uma droga importante para quando a gente precisa tratar pneumonias bacterianas. E se a gente começar aumentar a resistência das bactérias existentes circulando por aí, isso pode ser um problema para as pessoas que realmente precisam da azitromicina.
BdFRS - Os resultados de estudos da Coronavac apontam uma redução de risco relativo de 50%. Isso é suficiente para frear as mortes pelo novo coronavírus?
Cristina Bonorino - Sim, porque esse número de 50% foi recomendado pela Organização Mundial da Saúde e por várias outras instâncias científicas. Por que a gente pode recomendar isso? Porque a gente sabe que se tu tiver uma coisa que previne 50% do risco, se tu imunizar 100% da população tu consegue frear a doença de forma grave.
Então isso é o mais importante nesse momento. E nesse sentido os resultados da Coronavac são satisfatórios como seria qualquer outra vacina que apontasse nesse momento 50% de eficácia global.
BdFRS - O governo federal anunciou ano passado a contratação de 160 milhões de doses de vacina. Semana passada teve início a sua aplicação. Esse número é suficiente para imunização da população brasileira? Como a senhora avalia o plano nacional de imunização contra o novo coronavírus?
Cristina Bonorino - O que a gente tem visto, o que está amplamente divulgado é que não há doses suficientes, nesse momento, nem para imunizar os profissionais da saúde no Brasil, e não tem prazo de chegada de novas doses, pois elas dependem de importações. Esse é um problema gravíssimo e consequência de uma política, na verdade de décadas, no Brasil, de não investir no desenvolvimento de alternativas nacionais de tecnologia, de biotecnologia, de vacina.
O Brasil tem todas as competências para desenhar uma vacina, testar a vacina, fabricar a vacina e distribuí-la. Nós temos todas as instâncias, o Programa Nacional de Imunização, as fábricas da Fiocruz e do Butantan, os profissionais qualificados para fazer os testes clínicos e os cientistas para desenvolver as vacinas. Nós temos tudo isso aqui. Por que não foi feito? Erro. A alternativa é essa, agora depender da boa vontade e da tecnologia estrangeira, eu acho isso muito problemático.
A segunda coisa é que foi divulgado um resumo do que seriam as prioridades de imunização desse Plano Nacional de Imunização, no detalhe o que a gente vê é que falta uma orientação firme de quando chega lá no Posto de Saúde, quem vai receber primeiro. E o que eu posso te prever, e o que eu acho que já está acontecendo pelos relatos que eu tive, é que quem vai decidir mesmo é o médico do postinho. É isso que está acontecendo.
Isso é lamentável também, um erro grande de logística do Ministério da Saúde.
BdFRS - A vacinação deve reduzir o contágio? Quando vamos poder andar sem máscaras e nos abraçarmos?
Cristina Bonorino - Não sabemos se a vacinação vai reduzir o contágio. Essa é a verdade. Nenhum estudo mediu redução de infecção na população. Não sabemos isso ainda e devemos sim exigir de todas as empresas que desenvolveram as vacinas que façam esses estudos. Por quê? Porque a gente pode ficar protegido da doença grave, mas não ficar protegido da infecção, então isso significa que o vírus vai circular. Circulando o vírus tem chance de mutar e de se adaptar, e escapar às vacinas a longo prazo.
Então, o ideal realmente é que esses estudos sejam feitos e que a gente entenda isso e não relaxe nas medidas preventivas de isolamento, de lavagem de mãos e de uso de máscaras, principalmente.
BdFRS - A vacinação previne contra novas cepas do vírus e/ou ajuda a combater seu aparecimento?
Cristina Bonorino - No momento em que a vacinação começar vai diminuir a circulação do vírus na população, sim. Neste momento estamos partindo dessa premissa, mas nós não temos dados para garantir que isso vai acontecer. Dai a importância de realizar os estudos de prevenção de infecção pelas vacinas
BdFRS - A senhora entende que as instituições de ensino têm condições de retomar as aulas em 1° de março, como deseja o MEC? Na sua avaliação, a vacinação de professores/as deve ser prioridade?
Cristina Bonorino - No meu entendimento as instituições de ensino não têm as mínimas condições de retomar as aulas no dia 1º de março. Isso seria, na minha opinião profissional altamente perigoso para todo mundo.
Para as crianças, tem casos graves de crianças que antes a gente achava que era uma coisa rara, e não é, os hospitais estão cheios de casos graves de crianças, essa é a verdade. As crianças mesmo assintomáticas podem transmitir; os professores certamente têm que ser imunizados.
Então no momento que toda a comunidade escolar for vacinada aí sim poderemos retomar as aulas presencias, antes disso é altamente perigoso e eu diria até criminoso.
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Edição: Katia Marko