Rio Grande do Sul

Educação na pandemia

Estudantes relatam como foi participar de um Enem durante a pandemia

BdF RS conversou com mais três pessoas que estiveram envolvidas com o primeiro dia de provas do Enem

Brasil de Fato | Porto Alegre |
provas de enem
BdF RS conversou novamente com algumas pessoas que estiveram envolvidas na realização do primeiro dia de provas do Enem, no último domingo - Créditos da foto: Divulgação

Após o primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) neste domingo (17), ficou evidente que não haviam condições seguras, nem organização suficiente para os inscritos e colaboradores que trabalharam no processo.

Foram registradas aglomerações e desrespeito às normas sanitárias e ao distanciamento social, falta de álcool em gel e salas que não tinham sequer janelas. Além disso, foram muitos os casos de estudantes que não puderam fazer as provas porque os locais de prova já estavam lotados.

Todo esse cenário contribuiu para um recorde de desistência, onde mais da metade dos inscritos não compareceu para prestar o exame. No RS, inclusive, ficou registrado pelo Brasil de Fato RS, segundo depoimento concedido por um chefe de sala, a situação foi semelhante.

Nesse sentido, nossa reportagem foi atrás de mais relatos que nos ajudem a contar a história de como foi a experiência de participar do Enem durante a pandemia. A fonte da reportagem anterior conseguiu mais um contato de outro chefe de sala, do mesmo local de prova, que acrescentou informações ao relato anterior. Além desse, mais dois estudantes concordaram em dar seus depoimentos para ajudar a contar essa história. Confira.

Problemas estruturais geraram uma prova excludente

Diferente da fonte anterior, que já tinha experiência de trabalho em outras provas e concursos públicos, este entrevistado não se sentia seguro para o que iria enfrentar: "Em certo momento eu arregalei os olhos e pensei, o que eu estava fazendo aqui. Eu estava correndo muito risco de me contaminar".

Relata ter ficado muito desconfortável com a capacitação que ocorreu em um auditório muito apertado, que não permitia sequer um metro de distância entre os colaboradores e que ficou em uma sala com muito pouca ventilação. Além dos problemas já relatados, como a determinação dada menos de 24h antes do início da prova de que somente 40% das salas poderiam ser ocupadas ou com a falta de sinalizações nos ambientes para determinar o afastamento entre pessoas, o entrevistado relatou um problema grave. Em determinado momento, falou água no banheiro feminino do local de prova:

"As mulheres iam no banheiro e não podiam lavar a mão. Uma hora terminou o álcool em gel e eu fiquei sem saber o que fazer", relatou, afirmando que demorou até que viesse a reposição do produto de higiene pessoal. 

Além disso, afirma que não foram disponibilizadas canetas, material essencial para o trabalho de algumas funções, obrigando os colaboradores a levarem seus materiais, sendo que alguns até compartilharam entre si os objetos, o que não é recomendado para evitar a possível propagação do vírus.

Além do acréscimo do relato dos problemas de cuidados sanitários, o entrevistado ainda comentou sua opinião sobre as desistências. Ele concorda com o entrevistado anterior, no ponto de que a prova, realizada nessas condições, teve um caráter excludente, visto que nem todos puderam se preparar adequadamente com a crise sanitária e ensino à distância.

Além disso, ele acrescenta, "acredito que daqui há alguns anos, deverão ser realizadas pesquisas para confirmar uma hipótese minha: os estudantes de famílias com mais condições financeiras são os que menos desistiram, não só porque tiveram melhores condições de estudo, mas também porque as famílias ricas encaminham seus filhos para esses cursos mais concorridos como Medicina ou Direito, por exemplo. Acredito que muitos devam ter calculado que, com a possível alta no número de desistências, haveria consecutivamente menor concorrência". Completando sua hipótese, ele acredita que, devido à nesses cursos elitizados haver grande concorrência entre vagas, o fato de que muitos estudantes com menos condições financeiras estarem tendo dificuldades de estudo deve ter aumentado ainda mais a percepção de que a concorrência diminui. Certamente, pesquisas futuras irão confirmar ou descartar essas formulações.

Estudantes que realizaram a prova esperam cuidados para o segundo dia

BdF RS conversou com Lucas Lima, estudante de 20 anos, da cidade de Pelotas. Ele relata ter feito o Enem, pois tem o desejo de ingressar em uma faculdade, mas também para poder saber qual é o seu nível de dificuldade, acumulando experiência para outras eventuais tentativas. Justamente por ter a consciência de que ainda é jovem e irá, provavelmente, prestar a prova em outros anos, não se cobrou tanto.

"Eu sinceramente não estudei como deveria. Não tinha uma rotina de estudos, somente fui lendo bastante sobre a prova e recapitulando coisas do ensino médio. A pandemia afetou tudo no geral, mas na questão do estudo estou recém buscando um norte e a prova foi mais para ter experiência mesmo."

Segundo relata, na escola em que realizou a prova, foram respeitados os protocolos de saúde, o que contribuiu para que fizesse a prova sem receios.

"Como eu disse, queria ter essa experiência, mesmo em meio a essa situação conturbada. Onde eu fiz a prova tinha sim cuidados em relação ao distanciamento e higienização." Ressalta, porém, que logo da sua chegada no local, percebeu que havia um grupo de pessoas juntas na entrada da escola, o que fez pensar em um primeiro momento que não haveriam os cuidados necessários lá dentro, o que não se confirmou. Completando, relata estar ansioso pela realização do segundo dia de provas e feliz por saber que no seu local há uma preocupação com a saúde.

Victor Lisboa também prestou o Enem, porém na Capital. Relata ser o primeiro da família, por parte de pai, a concluir os estudos no ensino médio. "Estou fazendo a prova para tentar entrar em uma universidade, tanto federal quanto privada. É um sonho da minha avó que alguém da família consiga ter um diploma universitário."

Afirma que o desejo de entrar na educação superior faz parte do objetivo de ter uma condição melhor de vida, com melhor estrutura para si e sua família. "Tenho um foco lá na frente, são passos pensando em um longo prazo. Assim consigo também ser um exemplo para meus primos, que são mais novos."

Relatou também que, antes do começo da pandemia, as aulas na escola estavam boas, até meados de março/abril, quando a situação começou a ficar grave e o número de casos a aumentar muito. Após as medidas de distanciamento serem implementadas, ele passou a ter que acompanhar as aulas à distância, o que dificultou muito sua preparação. Ficou ainda mais difícil, pois acabou voltando ao trabalho, aproximadamente em maio.

"Na escola, os professores estavam começando a repassar questões do Enem pra nós, estamos começando as revisões para prova. Depois, ficou bastante difícil acompanhar os estudos à distância e trabalho. Não posso sair do trabalho agora, preciso dele para ajudar a dar uma estrutura em casa."

Outra informação importante sobre a sua preparação para o Enem, foi o apoio dado à distância pelos professores.

"A preparação para a prova foi bastante difícil. Apesar disso os professores me ajudaram muito à distância, foi uma ajuda imensa, a gente teve um grupo no Whatsapp para acompanhar as matérias. Foi bastante difícil conciliar as provas e tarefas com meu trabalho, acabei atrasando algumas coisas e meus professores me ajudaram."

Sobre o dia da prova, relata que teve uma certa ansiedade na hora. "Fiquei um pouco nervoso com a questão do tempo, fui fazendo as que eu sabia e deixei as que eu não sabia pro final." Segundo Victor, a dificuldade da prova foi a principal fonte de sua ansiedade, não restando espaço para reparar nas medidas sanitárias e que cuidou de si, usando máscara o tempo todo e não levando a mão no ao rosto.

"Tentei entrar com a cabeça mais tranquila, mas mesmo assim foi bem difícil. Espero agora a prova da semana que vem."


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Edição: Katia Marko