Rio Grande do Sul

SEGURANÇA

Sociólogo afirma que Bolsonaro aparelha serviços de segurança para defender família

No artigo “Bolsonarismo e Segurança Pública - O discurso fake contra o crime”, Rodrigo Azevedo apresenta longo estudo

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Professor Rodrigo Azevedo analisou segurança pública no país em artigo e live do Instituto Novos Paradigmas - Foto arquivo

A conclusão de que “o principal objetivo do governo Bolsonaro na área da segurança pública é o aparelhamento das instituições, o direcionamento, especialmente das polícias investigativas, a Polícia Civil, a Polícia Federal e até mesmo da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), como se sabe agora, para a proteção de seus amigos e familiares e para a perseguição dos seus desafetos e adversários políticos”, foi o centro de uma entrevista do sociólogo e professor da PUC/RS Rodrigo Azevedo, sobre seu artigo “Bolsonarismo e Segurança Pública - O discurso fake contra o crime”, realizada na última terça-feira (5) em uma live do Instituto Novos Paradigmas (INP).

O artigo foi publicado em 17 de dezembro de 2020 em site da revista Defesa dos Direitos Fundamentais e está disponível para quem se interessar em aprofundar o assunto. Trata-se de um longo estudo sobre a história do desenvolvimento e envolvimento do governo federal na questão da segurança pública. Na entrevista, o professor, estudioso do problema há muito tempo, relata que a própria Constituição de 1988 não trata desse assunto. Em seu artigo 144 remete a questão aos estados e deixa tanto a União como os municípios praticamente de fora do problema.

Conforme ele, nos últimos 30 anos começou um processo, iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso, de mudanças incrementais. “Os governantes começam a assumir responsabilidades nesta área criando a Secretaria Nacional de Segurança Pública e o Fundo Nacional de Segurança Pública, induzindo a reestruturação das policias. Também é o início da intervenção dos municípios nesta área quando começam a criar Secretarias Municipais de Segurança Urbana.”

Mas tudo isso de uma forma um tanto quanto improvisada, “sem que houvesse um arranjo normativo e institucional para que isto fosse feito de uma forma mais permanente, planejada e de longo prazo”, explicou Azevedo. No governo Lula, durante aquele período que vai dos anos 2003 até o ano de 2010, vamos ter iniciativas que vão nesta mesma direção. “De um lado maior responsabilização do governo federal que tem como ponto culminante, segundo ele, o Pronasci, Programa Nacional de Segurança com Cidadania, coordenado pelo ministro da Justiça Tarso Genro.” Este foi o primeiro grande programa de indução de políticas municipais e estaduais por meio da transferência de recursos federais para projetos estabelecidos, formulados, acompanhados e monitorados, quando se consegue, então alguns resultados bastante positivos.

“Talvez o maior exemplo disso tenha sido a relação que se  estabeleceu a partir do Pronasci do governo federal com o governo Eduardo Campos, em Pernambuco, que implementa o Pacto pela Vida e tem resultados importantes na queda da taxa de homicídios, especialmente no estado de Pernambuco”, exemplificou.

As Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro

Conforme Azevedo, o Rio de Janeiro enfrenta o problema da falta de segurança pública já há bastante tempo. “Vem num processo que é chamado pelo sociólogo Michel Missio, de uma acumulação social da violência. Começa lá nos anos 1950 com os primeiros grupos de extermínio, com as relações entre o jogo do bicho e as forças policiais, da corrupção a violência, então tudo isso vai se acumulando nos anos 1980 com a entrada da cocaína, o fortalecimento das facções e, de lá pra cá, de fato ninguém conseguiu equacionar este problema de uma forma satisfatória”, disse ele.

As UPPs foram uma experiência muito importante, muito significativa, e com uma idealização bastante positiva, na minha opinião, no sentido de que até então a relação da polícia nas áreas de periferia, nas áreas de favela era uma relação que se dava por meio de uma intervenção pontual, o chamado "caveirão" que era o veículo, por meio do qual a polícia conseguia ter acesso a certas áreas para entrar atirando, em confronto, e não havia uma situação de maior contato e permanência da polícia com a comunidade. Com as Unidades de Polícia Pacificadora, primeiro justamente a ideia era modelo de policiamento comunitário, onde a polícia estivesse presente em contato com as pessoas, e através deste contato pudesse estabelecer relação de confiança, aumentando a sua legitimidade social.

Evidentemente que outras políticas seriam necessárias, as chamadas políticas sociais, de acesso a emprego, a escola, a urbanização. Mas de qualquer maneira, de acordo com ele, a política de segurança pública teve uma relativa autonomia. “Ela precisa ser pensada nos diferentes contextos em que a questão se coloca justamente para que estas outras políticas possam ser implementadas.”

Para ele, a concepção das UPPs foi bastante interessante, o grande problema é que durante todo este período que vai da redemocratização até aqui, só houve estas mudanças incrementais. Houve alguns programas de políticas, inclusive bem sucedidos, mas bastante pontuais e fragmentados, mas não houve uma reestruturação dessas estruturas corporativas policiais bastante impermeáveis a qualquer iniciativa de mudança. “Estudos mostram que os policiais colocados nas UPPs não estavam preparados para esta mudança de concepção da relação da polícia com a comunidade. Continuavam valorizando a ação de um policial violento que atua de forma militarizada, em confronto, que não é evidentemente o que se espera de uma polícia comunitária.”

A descontinuidade

Azevedo afirma que a questão é a descontinuidade do Pronasci. A partir do momento que assume a presidente Dilma Rousseff houve uma descontinuidade de uma política que vinha dando resultados, embora ainda incipiente, ainda fragmentados, mas que era uma grande possibilidade que a esquerda no governo tinha de colocar para a sociedade. “Olha nós temos o que dizer em matéria de segurança pública, nós temos uma política que trabalha de forma integrada, tanto com a qualificação das polícias  e da repressão policial quanto com políticas que vão numa perspectiva da prevenção e da possibilidade da redução da violência de uma maneira mais ampla.”

E reforça que é muito importante que a esquerda tenha um projeto para a segurança pública porque historicamente sempre houve muita dificuldade na esquerda, em democracias, enfrentar esta discussão. Somente se pode ter uma sociedade democrática quando há uma força pública capaz de garantir o bom funcionamento das instituições. Capaz de garantir o direito à segurança, à integridade, especialmente num país violento como o nosso com mais de 60 mil homicídios por ano. “É muito importante que haja um caminho a ser apontado em relação a este tema. Então quando há esta descontinuidade vamos ter um problema muito sério que vai ter consequências na crise política que se segue, mesmo com a reeleição, mas já com problemas especialmente nesta área, como o crescimento das taxas de homicídio, e a incapacidade do governo federal conseguir levar adiante aquilo que vinha dando certo no período anterior.”

Por outro lado, a normatização do tema da segurança, modificando o artigo 144 da Constituição era também um desafio importante. Desafio que a própria Dilma acabou reconhecendo e assumindo no segundo mandato, mas quando já não tinha mais condições políticas de construir um pacto e levar adiante esta modificação constitucional. Isso acaba acontecendo durante o período Temer com a aprovação de uma lei que criou, pelo menos do ponto de vista legal e normativo o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) dando atribuições e competências tanto para a União quanto para estados e municípios.

"Bolsonarismo"

A eleição de Jair Bolsonaro significa uma ruptura desse trajeto de paulatina reformulação, reestruturação e enfrentamento do problema da segurança pública por parte da União, Estados e Municípios de forma integrada. Quando o governo Bolsonaro assume, uma das suas primeiras medidas, já na composição do governo é acabar com o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que tinha sido criado por Michel Temer.

Assumido pelo deputado Raul Jungmann, foi justamente este ministério que conseguiu levar adiante esta reforma legal, aprovando no Congresso esta nova lei que criou o SUSP. Quando Bolsonaro assume, ele acaba com o Ministério Extraordinário, recoloca a questão da segurança no Ministério da Justiça, com isso reduzindo a importância do tema e a intervenção federal nessa matéria, ao contrário do que o seu discurso de campanha propunha.

Sérgio Moro

"Este é um dos temas centrais do artigo até pelo título, que coloca a questão do bolsonarismo e a segurança pública", explica o professor. “A minha opinião é de que enquanto Sérgio Moro esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, havia uma disputa em relação a esta temática entre o bolsonarismo raiz, representado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e aquilo que representava o juiz Sergio Moro em relação a este tema. Para ele, a disputa era entre uma visão gerencialista e inquisitiva, que é a "perspectiva do Moro", e a perspectiva do chamado populismo punitivo, de Jair Bolsonaro.

Azevedo afirmou que Sérgio Moro nunca teve grande familiaridade com o tema da segurança pública, mas o seu foco como ministro era ampliar as possibilidades de combate a certas modalidades criminais, dando mais poderes ao juiz, ao Ministério Público e às policias. E este “dar mais poder” que é bastante questionável, do ponto de vista legal e constitucional.

"A proposta encaminhada ao Congresso foi esta, e de fato, ela foi bastante modificada, inclusive porque não houve sustentação por parte do presidente da República e dos partidos que compunham a base de sustentação do governo Bolsonaro. Tanto no Congresso quanto no governo esta ideia de um fortalecimento das instituições de controle, especialmente do tema da corrupção, nunca foi uma ideia muito bem aceita, tanto por parte de setores corruptos, quanto por parte de setores democráticos que sempre questionaram os métodos do juiz Sérgio Moro e essa ideia de um juiz inquisidor que tem muito poder, que acaba atuando em parceria, praticamente com o Ministério Público e com a polícia e deixando o seu papel de um terceiro imparcial que deve conduzir o processo dando voz tanto a acusação quanto a defesa", avaliou.

Segundo ele, por isso mesmo, uma das modificações que o projeto sofreu foi a criação do chamado juiz de garantias, uma figura que era evidentemente contrária a proposta de Moro, mas que vai justamente numa perspectiva de aumentar os controles institucionais durante a fase da investigação criminal para que se possa com isto garantir o exercício do direito de defesa.

Por outro lado, afirmou Azevedo, o interesse do presidente Jair Bolsonaro não é de combate ao crime, como ficou claro a partir da reunião que aconteceu em abril de 2020, onde explicita que seu interesse é de modificar o comando da Polícia Federal, tanto geral, quanto do Rio de Janeiro, para a proteção dos seus filhos e também dos seus amigos.

"O interesse é o aparelhamento das instituições, o direcionamento, especialmente das policias investigativas, a polícia civil, a polícia federal e até mesmo da Agência Brasileira de Inteligência, como se sabe agora, para a proteção de seus amigos e familiares e para a perseguição dos seus desafetos e adversário políticos. E por isso mesmo esta caracterização dele como populista punitivo vai no  sentido de demonstrar que o que nós temos é alguém que faz um discurso que pretende contemplar a opinião publica da insegurança pública, o medo que as pessoas têm da criminalidade e a crise da própria segurança pública, mas que na prática não tem uma racionalidade, uma capacidade de levar  adiante qualquer tipo de aperfeiçoamento institucional e, pelo contrário, na verdade o que temos é uma degradação das relações entre estas instituições fundamentais para a democracia e para o controle da criminalidade", conclui Azevedo.

Para um maior aprofundamento recomendamos a leitura no site da DDF dia 17 de dezembro do artigo que serviu como base da live "Bolsonarismo e segurança pública – o discurso fake contra o crime".

 
Direito Fundamental à Segurança - Live com Rodrigo Azevedo

Direito Fundamental à Segurança - Live com Rodrigo Azevedo

Posted by Instituto Novos Paradigmas on Tuesday, January 5, 2021

 

 

 

Edição: Katia Marko