Rio Grande do Sul

Coluna

2020, o ano da máscara

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"Nunca mais, esperamos todas e todos, um ano como 2020, e na esperança de que 2021 não seja pior. 2020, de alguma forma, por outro lado, acabou tornando-se ano da solidariedade" - PH Reinaux
Sem máscaras de nenhum tipo em 2021, é o que se quer e espera. Saúde e vida, em primeiro lugar

“Ano passado eu morri, mas nesse ano eu não morro”, canta Belchior em Sujeito de Sorte. Talvez seja o caso de dizer e escrever, neste final de 2020, parafraseando Belchior: “Esse ano eu morri, mas ano que vem morro não.”       

2020 foi o ano da máscara, máscara contra a morte, máscara a favor da vida. Máscaras de todos os tipos, e especialidades, conforme a hora e o momento, e de acordo com o personagem, a história das pessoas que a portaram, seu perfil, sua verdade, ou sua canalhice.

No dia a dia, máscaras reais, nas ruas e em qualquer lugar coladas no rosto. Todo mundo sem o nariz, lábios, boca à mostra, visíveis, só olhos assustados ou tristes. Foram as máscaras que todas e todos foram obrigadas/os a usar – fora os canalhas que as desprezaram, ou delas fizeram piada –, para nos proteger, para cuidar das outras e dos outros. 

Houve também, e não poucas, máscaras simbólicas ou fictícias, dos que se negaram a usar máscara no cotidiano, ou nas festas, ou na praia, ou na rua, de quem não se preocupa com 200 mil mortes a mais ou a menos, de quem esconde, simbolicamente, o rosto e a alma, porque cheios de raiva e de ódio. Morreu, não morreu? Morreria de qualquer jeito em algum momento, de acidente, de uma gripezinha qualquer, como disse uma alta figura da República mais de uma vez.

E houve ainda as máscaras políticas, que escondem ou distorcem tudo, costuradas de fake news, máscaras contra a vacina, escondendo ou mostrando à farta o negacionismo – nada está acontecendo, não há qualquer problema, nenhum perigo, é só tomar cloroquina que tudo passa. São as máscaras de quem não reconhece, muito menos respeita as pessoas, não tem humanidade, não vê o outro ou a outra, a vizinha, o vizinho, a colega e o colega de trabalho, como ser humano. São as máscaras da política do disfarce, da mentira, do desprezo, dos que vibram e apoiam a tortura e os torturadores.

Quem imaginaria um ano assim!!!??? Dia 13 de março, cheguei na Assembleia Geral do CAMP (Centro de Assessoria Multiprofissional), depois de uns dias de descanso em Florianópolis e de participar do Encontro na ANEPS (Articulação Nacional de Educação Popular em Saúde), em Passo Fundo.

No CAMP, alguns dos presentes, já precavidos, recusavam o tradicional beijo de cumprimento, ou o abraço: medo do coronavírus. Outros não estavam nem aí, achando tudo besteira ou exagero. Ninguém usava máscara. Ninguém tinha máscara. No mesmo dia fui no baile de carnaval do IMMA KNILL, meu bloco em Santa Emília, Venâncio Aires. Salão lotado, festa a mil, ninguém preocupado com a vida, com o ano que ainda estava no seu começo.

Na metade de março de 2020, não se pensava em reuniões via redes sociais, lives pela internet, e todas as palavras novas e tecnologias que todas e todos foram aprendendo e dominando. Mal se sabia fazer isso. Aos poucos, tudo foi sendo cancelado: reuniões presenciais, visitas e contatos pessoais, viagens, festas, até encontros maiores de família.  

Saí da casa de mamãe pela primeira vez, depois do 13 de março, para voltar a Porto Alegre, dia 14 de setembro, seis meses depois, no velório da Dona Alba, companheira do Zé da Lomba, hospitalizada com covid-19. A última vez que fiquei em casa de mamãe por tanto tempo foi em 1962, quase 60 anos atrás, quando tinha 11 anos de idade.

Nunca mais, esperamos todas e todos, um ano como 2020, e na esperança de que 2021 não seja pior. 2020, de alguma forma, por outro lado, acabou tornando-se ano da solidariedade. Em primeiro lugar, com a perda da vida de tantas pessoas queridas, de companheiras e companheiras, com muita dor e sofrimento, muito abraço dolorido e oração. Em segundo lugar, nos atos e mobilizações para defender a dignidade, e garantir políticas públicas como o SUS. Em terceiro lugar, pelas urgências e necessidades que se colocaram na sociedade, com a criação de Comitês contra a Fome e contra o Coronavírus, para enfrentar a fome, a pobreza e a miséria de muita gente, de milhares, de milhões.

Máscaras de todo tipo dominaram 2020. Máscaras a favor da vida, a maioria. Máscaras de morte, infelizmente muitas, perversas, trágicas, necrófilas.

Sem máscaras de nenhum tipo em 2021, é o que se quer e espera. Saúde e vida, em primeiro lugar. Mas se houver máscaras, e haverá por um bom tempo, que sejam da verdade, da solidariedade, do compromisso com todos os seres vivos.

FELIZ 2021 para todas e todos, dentro do possível. E cantando com o sempre vivo Belchior: “Ano passado eu morri, mas nesse ano eu não morro.”

Edição: Katia Marko