Os tempos são de esperançar, na expressão de Paulo Freire, são de utopia e nascimento no coração
O Natal de 2020 acontecerá numa situação diferente de qualquer outro momento da história.
Fala o Papa Francisco na Encíclica FRATTELLI TUTTI: “32. É verdade que uma tragédia global como a pandemia da covid-19 despertou, por algum tempo, a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal prejudica a todas e todos. Recordamo-nos de que ninguém se salva sozinho, que só é possível salvar-nos juntos.”
A celebração do nascimento de Jesus em 2020 não permite grandes aglomerações. Assim como recomenda, em tempos de pandemia, senão exige, sair do consumismo tradicional, como se fosse (quase) uma festa de quem esqueceu o principal. A vida estará em primeiro lugar, em vez da economia. Será o encontro restrito das famílias, a meditação sobre o tempo em que vivemos, a memória e a palavra, o sentido da comunidade e do Bem Viver.
Os tempos são de reflexão, nas palavras do Papa Francisco: “36. Se não conseguirmos recuperar a paixão compartilhada por uma comunidade de pertença e solidariedade, à qual saibamos destinar tempo, esforço e bens, desabará ruinosamente a ilusão global que nos engana e deixará muitos à mercê da náusea e do vazio. Além disso, não se deveria ignorar, ingenuamente, que ‘a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição recíproca’. O princípio ‘salve-se quem puder’ traduzir-se-á rapidamente no lema ‘todos contra todos’, e isso será pior que uma pandemia.”
Jesus nasceu numa estrebaria, ao lado de bois, vacas e ovelhas, por falta de quem acolhesse sua mãe e seu pai noutro lugar. Os acontecimentos de ontem remetem aos tempos de hoje, quando milhares, milhões não são acolhidos, morrem de fome, ou estão desempregados. E sofrem com a pandemia do coronavírus, ante a inação e negacionismo de governos, em especial o federal. Neste contexto, surgem os Comitês Populares contra a Fome e contra o Coronavírus nas comunidades pobres e nas periferias. A solidariedade de pastoras e pastores, urgente e necessária, espalhou-se pelas “estrebarias” em 2020.
Jesus, menino pobre e peregrino, nos alerta nas palavras do Papa Francisco: “50. O problema é que um caminho de fraternidade, local e universal, só pode ser percorrido por espíritos livres e dispostos a encontros reais.”
A Casa Comum está em perigo. As mudanças climáticas e a destruição ambiental colocam em xeque o futuro da humanidade. A desigualdade econômica e social, especialmente no Brasil, afronta os mínimos direitos dos seres humanos e de todos os seres vivos.
Jesus curava os doentes, acolheu como seguidores e discípulos pescadores que ganhavam seu próprio pão, cuidou de alimentar a multidão faminta que o seguia: “117. Quando falamos em cuidar da casa comum, que é o planeta, fazemos apelo àquele mínimo de consciência universal e de preocupação pelo cuidado mútuo que ainda possa existir nas pessoas.” Ou, nas palavras do Papa Chiquinho, na mensagem de Natal de 2020: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando eu pergunto porque tanta pobreza, me chamam de comunista”, fazendo referência a Dom Helder Câmara, a quem chama de santo.
O nascimento de Jesus lembra a proposta de vida em abundância para todos os seres vivos. Para que isso aconteça, é preciso cuidar de quem sofre, repartir o pão e o vinho, amar e ser amado. Nada de ódio, intolerância, discriminação ou preconceito. Não mais Marielles, Betos, Janes, Rebeccas, Emyllis e tantas mulheres e homens, jovens e crianças negras brutalmente assassinadas e assassinados. Este Natal exige o que escreve o Papa Francisco: “114. Quero destacar a solidariedade, que, como virtude moral e comportamento social, fruto da conversão pessoal, exige empenho por parte duma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de caráter educativo e formativo.”
Os tempos são de reflexão, os tempos são de solidariedade, os tempos são de esperançar, na expressão de Paulo Freire, os tempos são de utopia e nascimento no coração.
O Papa Francisco faz o chamado na FRATELLI TUTTI: “55. Convido à esperança que nos fala duma realidade que está enraizada no mais fundo do ser humano, independentemente das circunstâncias concretas e dos condicionamentos históricos em que vive. Fala-nos duma sede, duma aspiração, dum anseio de plenitude, de vida bem sucedida, de querer agarrar o que é grande, o que enche o coração e eleva o espírito para coisas grandes, como a verdade, a bondade e a beleza, a justiça e o amor. A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna. Caminhemos na esperança!”
Feliz Natal a todas e todos, dentro do possível! Tempo de nascimento no coração.
Edição: Marcelo Ferreira