“A violência doméstica não diminuiu, ela está mais privada do que nunca. A mulher que vive com um agressor já vivia isolada, agora ela está praticamente em cárcere privado”, declara Conceição de Andrade, superintendente geral do Instituto Maria da Penha. Para entender a dimensão desse fenômeno em contexto de isolamento social, é necessário monitorar os números da violência contra a mulher.
O relatório “Um Vírus, Duas Guerras: Soluções e Boas Práticas na Coleta e Divulgação de Dados sobre Violência Contra a Mulher na Pandemia”, publicado nesta terça-feira (22), aponta desafios e sugestões de melhorias na coleta, organização e disponibilização dos dados sobre a violência de gênero. A análise é resultado dos desafios encarados no processo de apuração das reportagens no monitoramento colaborativo, realizado pelas mídias independentes AzMina, Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, #Colabora, Portal Catarinas, Marco Zero Conteúdo e Ponte Jornalismo.
Além de apresentar um diagnóstico sobre os problemas encontrados no monitoramento da violência doméstica durante a pandemia, o documento propõe soluções para os órgãos de Segurança Pública, de modo a promover a transparência dos dados de violência doméstica e feminicídio no País. “O monitoramento dos números da violência contra a mulher é essencial para amplo entendimento das dimensões da questão no país. Através da divulgação dos dados, é possível conscientizar a população em relação à questão, trabalhando assim a prevenção de novos casos. Os dados são também essenciais para a construção de novas políticas públicas de combate à violência contra a mulher”, diz o trecho.
Falta Transparência
Entre os obstáculos encontrados estão o não fornecimento dos dados no período de apuração, fornecimento incompleto, falta de padronização, falta de detalhamento nos dados, cada estado tem uma forma de registrar as ocorrências, burocracia excessiva no momento da apuração dos dados.
Santa Catarina, por exemplo, esbarrou no fornecimento dos dados completos. No Estado, enquanto o feminicídio é tratado com atenção pelas autoridades que divulgam os números atualizados em relatórios semanais, não é possível fazer uma série histórica dos casos de violência doméstica, ou mesmo um comparativo com o ano anterior. Isso porque, segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública, houve uma reformulação do sistema que integrou os registros das polícias civil e militar e o que impossibilitaria a divulgação dos dados anteriores para comparativo.
Há estados que não forneceram os dados ou o informaram de forma incompleta, são eles Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Ceará, Tocantins, Sergipe, Paraná, Amazonas, Rondônia e Distrito Federal.
No relatório também estão listados alguns impactos do trabalho colaborativo, entre eles o fato da reportagem ter baseado o texto de Indicação para o Decreto Municipal de apoio à mulheres em situação de violência durante a pandemia em Mogi das Cruzes (SP); a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas ter passado a divulgar em seu site o relatório mensal de casos violência doméstica; o estudo ter fundamentado o texto do projeto de Lei de nº 027, que, após aprovado instituiu a Campanha Agosto Lilás no município de Pitangui (MG) e a Lei do Observatório da Violência Contra a Mulher em SC que saiu do papel após ficar 5 anos engavetado.
Entre as soluções propostas estão: padronização das informações coletadas, divulgação de microdados, transparência na divulgação e desburocratização ao acesso.
“A coleta de dados de maneira uniformizada e completa é essencial, mas também é de suma importância que a população possa ter acesso a essas informações de forma transparente e ágil. Recomendamos fortemente a divulgação dos dados coletados nos sites dos órgãos estaduais de maneira acessível, logo que sejam tratados e computados”, diz trecho do relatório sobre a importância da transparência na divulgação.
Um vírus e duas guerras
A série de reportagens “Um vírus e duas guerras” é um levantamento inédito de dados realizado por sete mídias independentes no País para monitorar casos de feminicídio durante a pandemia de Covid-19. O objetivo é dar visibilidade a esse fenômeno silencioso que faz dezenas de vítimas todos os dias, além de fortalecer a rede de apoio presente nos estados brasileiros, fomentar o debate sobre a criação ou manutenção de políticas públicas de prevenção à violência de gênero no Brasil e propor melhorias na publicação dos dados sobre casos de violência doméstica por parte do órgãos públicos.
O primeiro conteúdo da série foi publicado em junho de 2020, quando os casos de feminicídio haviam crescido 5% em todo o País, entre os meses de março e abril – os primeiros 60 dias de isolamento social. Na ocasião, o material produzido levantou o debate sobre a violência doméstica e o agravamento da vulnerabilidade das mulheres que se viram ainda mais isoladas durante a pandemia.
No segundo conteúdo da série, publicado em outubro, o levantamento mostrou que uma mulher foi morta a cada 9 horas desde o começo da pandemia no Brasil. Além das reportagens com o recorte nacional de casos, cada veículo também publica desdobramentos e análises locais, a fim de evidenciar especificidades territoriais.
Edição: Catarinas