Marcada para acontecer em meados de janeiro de 2021, a ação de reintegração de posse movida pelo Asilo Padre Cacique sobre o espaço ocupado pelo Quilombo Lemos, em Porto Alegre, foi suspensa na última sexta-feira (18). A decisão foi proferida pela desembargadora Vânia Hack de Almeida, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). No texto a magistrada destaca que a execução do mandato poderia implicar em prejuízo inequívoco aos trabalhos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Em carta aberta, pelas redes sociais, o Quilombo Lemos comemorou a decisão. "Agradecemos a todos e todas que cotidianamente nos apoiam e nos fortalecem, em especial aos Encantados e Orixás e aos que vieram antes de nós, ressaltamos também a atuação técnica, justa e respeitosa da DPU e do MPF de acordo com suas atribuições legais e Constitucionais. Mais uma batalha vencida, mas, segue a luta por Justiça e Reparação!", diz trecho da carta.
Em sua decisão, a desembargadora lembra que o trabalho do Incra acerca da origem histórica da ocupação do imóvel pela comunidade já foi instaurado e que a mesma já é certificada pelo órgão competente. “Em razão disso, atraindo a garantia constitucional que lhe é inerente, além de impor um dano irreversível, com grave comprometimento social”, ressalta.
A magistrada pontua ainda o atual contexto da pandemia e os reflexos que a reintegração traria. “Aquele juízo de primeira instância determinou a expedição do respectivo mandado de reintegração de posse, isto em um cenário de pandemia, no qual medidas tais vêm sendo postergadas sob a tutela judicial diante da absoluta necessidade de proteção à saúde pública em detrimento dos interesses contrapostos”, frisa o texto.
Na avaliação do advogado do Quilombo Lemos e da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, Onir Araújo, essa decisão tem um caráter profundamente humanitário na medida em que, em um quadro de ascenso da covid-19, especialmente em Porto Alegre, preserva a vida das pessoas da comunidade e evita uma exposição desnecessária a um risco extremamente grave.
“Estamos em um quadro aqui em Porto Alegre praticamente de pré-colapso do sistema de saúde. Por outro lado a decisão restaura o devido processo legal, ou seja se reconhece a posse antiga da comunidade, e permite, caso essa decisão se confirme, que o Incra, autarquia Federal, tenha o tempo necessário para fazer os estudos, laudo antropológico, o estudo da cadeia dominial. Ou seja se restaura o devido processo legal, considerando a questão da posse quilombola muito antiga nesse território”, aponta Onir.
Ainda, de acordo o advogado, a decisão pode dar segurança jurídica, a partir desses estudos, para que inclusive a juíza de primeiro grau tenha as informações necessárias para decidir sobre este processo. “Nesse momento em que a gente está vendo avançar de uma forma avassaladora a retirada de direitos, a violência contra os territórios, a decisão tem uma grande importância. Apesar de ser uma decisão parcial, ela tem uma importância muito grande considerando o quadro hostil que as comunidades quilombolas, indígenas, a população negra em geral está passando”, destaca.
Pontua ainda que se confia que, havendo esses estudos, dentro dos procedimentos legais, será consolidada a garantia do território. “De certa forma é uma decisão que vai ao encontro das garantias dos direitos fundamentais presentes na Constituição”.
Segundo Onir, a decisão tem efeito até o julgamento do Mérito do Agravo. “Acredito que essa situação não muda, pelo menos, até fevereiro”, finaliza.
Veja aqui o despacho completo da decisão.
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Edição: Marcelo Ferreira