Até o final da tarde desta segunda-feira (7), 133 entidades assinaram carta pública de mobilização contra o Projeto de Lei 260/2020, de autoria do governo Eduardo Leite (PSDB), que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa e deve ser apreciado e votado a partir do dia 15 de dezembro para não trancar a pauta. A proposta do governo é alterar a Lei dos Agrotóxicos, de dezembro de 1982, considerada um marco no país, a fim de liberar no território gaúcho o uso de agrotóxicos proibidos em seus países de origem.
A carta foi sugerida durante reunião da Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa da Alimentação Saudável, num encontro virtual promovido de forma emergencial que reuniu mais de 140 pessoas. O documento coletivo alerta sobre os impactos ao meio ambiente e as consequências para a saúde das pessoas, caso o PL seja aprovado sem que haja um amplo debate com a população gaúcha sobre o tema, ouvindo produtores, feirantes, pesquisadores, especialistas e entidades ambientalistas e da saúde.
Para as entidades contra o PL, a aceleração do processo para votar o projeto é vista como tentativa de mascarar a nocividade do que representa de fato a mudança da lei e a liberação de agrotóxicos proibidos em outros países.
O coordenador da Frente Parlamentar, deputado Edegar Pretto (PT), informa que além da carta será solicitada uma audiência do governador Eduardo Leite com as representações. Para o deputado, se o projeto for aprovado, o RS terá um retrocesso histórico na legislação de proteção ambiental. “Vai afetar a qualidade da produção de alimentos, colocar em risco a saúde da população e aumentar os problemas de intoxicação por agrotóxicos. Portanto, cabe a nós fazermos o que está ao nosso alcance para barrar esse projeto”, argumentou.
Há consenso de todas as entidades de que falta debate sobre a alteração da lei dos agrotóxicos. A contrariedade é amparada em argumentos de que a proposta fere direitos humanos, como à alimentação saudável. Também há referência de que ampliar a liberação de agrotóxicos vai aumentar o problema da deriva nas lavouras, que ocorre quando a trajetória dos produtos é desviada durante a aplicação, fazendo com que o produto não atinja o alvo desejado.
Foram citados casos como os ocorridos em assentamentos da reforma agrária nas últimas semanas, em Nova Santa Rita e Eldorado do Sul. A aplicação irregular de agrotóxico prejudicou lavouras vizinhas, de famílias assentadas, com impacto em pastagens, pomares e vegetação nativa.
Outra sugestão encaminhada na reunião, além da chamada para a sociedade participar da mobilização contra o projeto, é também enviar a carta pública a todos os deputados e deputadas da Assembleia Legislativa gaúcha e entidades internacionais ligadas ao tema, como forma de denunciar o problema e pressionar pela retirada da urgência.
A comissão de mobilização é composta pela Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa da Alimentação Saudável, Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Associação Brasileira de Agroecologia, Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA), Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul (CONSEA-RS), Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES-RS), Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS) e Conselho de Feiras Ecológicas de Porto Alegre.
Confira a carta na íntegra:
Carta Aberta ao Governo do Estado do RS
Mais Vida, menos veneno
Porto Alegre, 07 de dezembro de 2020
Excelentíssimo Senhor Governador Eduardo Leite,
O conjunto de entidades que subscrevem este requerimento, representantes de conselhos estaduais, frente parlamentar, fóruns, associações, entidades de classe, agricultores/as familiares, universidades, pesquisadores/as, especialistas, ambientalistas e movimentos sociais vêm expressar relevante preocupação em relação ao PL nº. 260/2020, que propõe a alteração da Lei Estadual nº 7.747/82, permitindo o cadastro, no RS, de agrotóxicos obsoletos sem autorização de uso no país de origem, e que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
Por entendermos que a Lei Estadual nº 7.747/82, fruto de amplos e profundos estudos, pesquisas e debates com diversos setores sociais após grande desastre ambiental em decorrência de resíduos de agrotóxicos no rio Guaíba, é referência nacional, colocando o Rio Grande do Sul como pioneiro no controle, cadastro e procedimentos em relação aos agrotóxicos, a eventual aprovação do PL n. 260/2020 seria um enorme retrocesso ao estado, que já sofre com as consequências do uso excessivo de agrotóxicos, impactando diretamente na saúde, no meio ambiente e na qualidade e produção dos alimentos.
Cabe ressaltar que a proteção dos Direitos Humanos possui estreita relação com a dignidade humana e com o meio ambiente, dado que a degradação deste afeta diretamente a qualidade da vida humana. Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê o Direito Humano à Alimentação Adequada. Em visita oficial ao Brasil no ano de 2019, o Relator Especial para Resíduos Tóxicos da Organização das Nações Unidas (ONU) destacou a necessidade de leis restritivas e o combate contra medidas de precarização normativa.
Ao ampliar as hipóteses de liberação de agrotóxicos, o Governo do Rio Grande do Sul atua em desacordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2, 3, 11 e 12, propostos pelas Organizações das Nações Unidas, do qual o Brasil é signatário, prejudicando a sustentabilidade e a resiliência dos sistemas alimentares em um cenário de pandemia, aumento da fome e intensificação de eventos climáticos extremos, falhando na adoção de medidas adequadas e suficientes para garantir a não-repetição de danos relacionados a resíduos tóxicos.
Outra preocupação é que o PL n. 260/2020 viola direta e materialmente a razão de ser do art. 253 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, que veda a “produção, o transporte, a comercialização e o uso de medicamentos, biocidas, agrotóxicos ou produtos químicos e biológicos cujo emprego tenha sido comprovado como nocivo em qualquer parte do território nacional por razões toxicológicas, farmacológicas ou de degradação ambiental”. Da mesma forma, ao tramitar em regime de urgência, viola o Art.19 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, que estabelece que o Estado deva observar o princípio da participação popular.
De acordo com a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei n. 11.346 de 2006), a segurança alimentar e nutricional sustentável abrange a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável de recursos, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e ambiental.
Causa também surpresa essa proposta ser apresentada concomitantemente ao julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 221 que julgará se a Lei Estadual n. 7.747/82 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
Ainda, consideramos que não há justificativa para a tramitação em regime de urgência revogando uma lei vigente há cerca de quarenta anos no Estado do Rio Grande do Sul. Essa urgência suprime o necessário debate com a sociedade, que arcará com o ônus da alteração em flagrante deterioração da equidade intergeracional.
Portanto, respeitosamente, pugnamos pela imediata retirada do regime de urgência do PL N°. 260/2020, assim como, seja apresentado requerimento de retirada do projeto na sua íntegra pelo Governo Estadual, o qual altera a Lei Estadual nº 7.747 de 22 de dezembro de 1982, que dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas em nível estadual e dá outras providências.
Da mesma forma, demandamos que seja promovido amplo debate com a população gaúcha, garantindo a análise, em especial, do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (CONSEA-RS), do Conselho Estadual de Saúde (CES-RS), do corpo técnico da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), da Secretaria Estadual da Saúde (SES) e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), bem como das universidades e das entidades de defesa do meio ambiente e da saúde.
Assinam:
Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul (CONSEA-RS);
Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS);
Conselho Estadual de Saúde (CES-RS);
Conselho Regional de Nutricionistas da 2ª Região (CRN2);
Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa da Alimentação Saudável;
Curso de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Saúde Coletiva/UFRGS);
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN);
Fundação Luterana de Diaconia/ Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD/CAPA);
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida;
Associação Brasileira de Agroecologia (ABA);
Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo (AAVRP);
Articulação pela Preservação da integridade dos Seres e da Biodiversidade (APISBio);
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST);
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA);
Marcha Mundial das Mulheres (MMM);
Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP);
Fórum Justiça (FJ-RS);
Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD);
Cooperativa Mista de Trabalho Alternativa LTDA de Passo Fundo (COONALTER);
Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGDeMA);
Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica do Vale do Taquari (NEA-VT);
Núcleo de Estudos em Agroecologia NEA Gaia Centro Sul;
Feira Ecológica do Bom Fim;
Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica de Viamão (EcoViamão);
Cooperativa Central dos Assentados do Rio Grande do Sul (COCEARGS);
Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS);
Grupo de Consumidores Amigos da Feira Ecológica de Passo Fundo;
Movimento Ciência Cidadã;
Coletivo a Cidade que Queremos;
Arranjo Produtivo Local do Vale do Jaguari;
Frente Parlamentar dos Alimentos Tradicionais;
Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Rio Grande do Sul (SINTERGS);
Arranjo Produtivo Local de Agroindústrias e Alimentos do Vale do Rio Pardo;
União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES);
Articulação Mulheres em Agroecologia (AMA-RS);
Conselho Estadual de Promoção dos Direitos LGBT;
Conselho Estadual dos Povos de Terreiro – RS;
Conselho Indigenista Missionário (CIMI-SUL);
Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (INBRAPI);
Instituto Kaingang (INKA);
Federação Apícola do Rio Grande do Sul (FARGS);
Associação dos Meliponicultores do Vale do Taquari;
Fundação Gaia;
Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE);
Colegiado do Curso de Bacharelado em Agroecologia da UERGS;
Associação dos Servidores da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (ASSEMA);
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF);
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil);
Associação dos Servidores da FEPAM (ASFEPAM);
Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA/RS);
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ);
Centro de Estudos Ambientais;
Associação Ijuiense de Proteção ao Ambiente Natural;
Movimento Roessler para Defesa Ambiental de Novo Hamburgo;
Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas de Passo Fundo;
União Pedritense de Proteção ao Ambiente Natural;
União Protetora do Ambiente Natural (UPAN);
Instituto MIRA-SERRA;
Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA Guaíba);
IGRÉ Associação Sócio-Ambientalista;
União Pela Vida (UPV);
Grupo de Trabalho Macrorregional Sobre Agrotóxicos, Saúde e Ambiente – Missões;
Associação dos Enfermeiros do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (AEHCPA);
Associação Ecobé;
Comissão Intercampi de Agroecologia, Segurança Alimentar e Educação Ambiental do IFRS;
Feira Ecológica do Menino Deus;
Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica do IFRS Campus Restinga (NEAPO);
Associação Mães e Pais Pela Democracia;
Sindicato dos Bancários (SINDIBANCÁRIOS);
Conselho Estadual dos Povos Indígenas do RS;
Instituto Caminho do Meio;
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF);
Movimento dos Atingidos por Barragens;
Sítio Verde Viver;
Associação dos Agricultores Ecologistas Solidários do RS;
Centro Ecológico;
Rede de Orgânicos de Osório;
Centro de Estudos Budista Bodisatva;
Movimento Justiça e Direitos Humanos (MJDH);
Articulação em Agroecologia do Vale do Taquari (AAVT);
Observatório de Justiça Ecológica da Universidade Federal de Santa Catarina;
Instituto Zen Maitreya;
Zendo Diamante;
Movimento Biomédico em Foco;
Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida LTDA(Bionatur);
Instituto Preservar;
Associação Comunitária Recanto da Folha: Espaço Cultura da Terra e Biodinâmica;
Associação dos Funcionários da Fundação Zoobotânica (AFFZB);
Núcleo Amigos da Terra Brasil;
Associação de Agricultores Ecológicos Conquista da Liberdade;
Acesso Cidadania e Direitos Humanos;
Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (SINDSEPE/RS);
Central Única dos Trabalhadores do Estado do Rio Grande do Sul (CUT-RS);
Conselho de Feiras Ecológicas do Município de Porto Alegre (CFEMPOA);
Feira Orgânica Rômulo Telles;
Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (UFRGS);
Grupo de Pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade (TEMAS/UFRGS);
Associação dos Produtores Ecológicos de Dom Diogo (ASPEDD);
Rede Ecovida de Agroecologia;
Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde (ANEPS/Região Sul);
Conselho Regional de Psicologia do RS;
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB);
Movimento Luta de Classes (MLC);
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa, Estudos Agrários, Urbanos e Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul;
Associação dos Servidores de Ciências Agrárias do RS (ASSAGRA);
Movimento de Mulheres Camponesas;
Porto Alegre Poda;
Grupo Temático de Educação Popular em Saúde da ABRASCO;
Fórum de Defesa da Democracia Ambiental de Pelotas (FDAM);
União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Saúde;
Associação Gaúcha de Nutrição (AGAN);
Associação dos Pequenos Produtores de Itati (APPI);
Cooperativa de Produtores de Morango Ecológico (EcoMorango);
Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (SINDSEPE);
Associação de Desenvolvimento Agrícola Intersetorial (ADAI);
Comissão Pastoral da Terra (CPT);
Unidade Popular pelo Socialismo (UP);
Grupo de Pesquisa Observatório de Políticas e Ambientes da UERGS;
Associação de Juristas Pela Democracia (AJURD);
Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa;
Grupo de Agricultura Ecológica GAE – UFPel;
Projeto Comunitário AgroEcologia Urbana HortiFruti Escolar Tramandaí;
Associação dos Juristas pela Democracia - Núcleo Planalto Médio;
Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Reforma Agrária de Viamão (COPERAVI);
Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP);
Sindicato dos Servidores da Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul (SINDICAIXA);
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM);
Associação dos Servidores do Ibama e Icmbio no RS (ASIBAMA/RS);
Rede Metropolitana de Agroecologia (Rama);
Via Zen - Associação Zen Budista do Rio Grande do Sul;
Movimento de Mulheres Olga Benario;
Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil - FEAB;
Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Tramandaí.
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Edição: Marcelo Ferreira