Temendo que o Grupo de Trabalho Combate à Violência Contra a População Negra, instituído pelo governo do Rio Grande do Sul em julho deste ano, encerre com poucos resultados práticos no avanço do combate ao racismo institucionalizado, representantes da sociedade civil que compõem o GT encaminharam uma recomendação conjunta ao governador Eduardo Leite (PSDB). A entrega ocorreu durante a nona e última reunião do GT, nesta sexta-feira (4). O documento é assinado pelas presidências do Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS (CEDH-RS) e do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (Codene-RS), e por membros de entidades e movimentos da sociedade civil.
Para Lúcia Regina Brito, presidenta interina do Codene, a instituição do GT e seu andamento foram positivos pela troca de ideias, reunindo diversas instituições na mesma mesa. Porém, considera que o tempo de trabalho foi curto, dando pouco espaço para as entidades da sociedade civil se manifestarem, já que as instituições ocuparam a maior parte dos encontros. “Seria melhor um maior tempo para que a sociedade civil em maior número se manifestasse em relação à violência institucional e a violência das polícias. Mas neste momento não foi possível”, afirma.
Segundo ela, neste último encontro foi definida uma comissão para monitorar o relatório a partir do momento em que for entregue ao governador: “Essa monitoração se dá em função de acompanhar quais os caminhos ele [o relatório] vai andar e para quem o governador vai entregá-lo”. Ela explica que as entidades que assinam a recomendação propõem que o relatório do GT se torne instrumento de ações práticas. “A gente não quer que as coisas fiquem só no papel em cima da mesa do governador, a gente quer que realmente as coisas aconteçam”, afirma, exemplificando com a criação da primeira Delegacia Policial de Pronto Atendimento (DPPA) especializada em públicos vulneráveis do estado.
O GT foi estabelecido em julho deste ano, como reflexo da luta de entidades e movimentos sociais contra a morte do jovem negro Gustavo Amaral, engenheiro elétrico que, aos 28 anos de idade, foi morto durante ação da Brigada Militar, em Marau (RS), no dia 19 de abril. O jovem foi atingido pelas costas por um brigadiano, que alega ter confundido Gustavo com um assaltante. O caso foi arquivado em setembro, após o inquérito concluir que o autor do disparo “agiu em erro, numa legítima defesa putativa (imaginária)".
Os signatários destacam que, além do assassinato de Gustavo, também o recente espancamento e morte de João Alberto Freitas por seguranças do Carrefour, em Porto Alegre, e o caso do angolano Gilberto Almeida, baleado e preso pela polícia sem ter cometido delito algum, são “casos emblemáticos da incidência do racismo estrutural nas práticas da segurança privada e pública no Estado do Rio Grande do Sul”.
O documento recomenda ao governo, ao Ministério Público Estadual, ao Tribunal de Justiça e ao GT, “de forma urgente e prioritária”, a reabertura e reanálise no inquérito do caso de Gustavo Amaral. Justifica o pedido com o fato do governo ter reconhecido “a circunstância de racismo neste crime quando, em resposta à família do jovem assassinado, cria o Grupo de Trabalho para debater temas relacionados à violência contra a população negra”.
"Nós colocamos como prioridade a reabertura do processo nas instâncias competentes, para que se reveja a questão da suspeita imaginária. Isso pode gerar, se não se tem a ideia do racismo, um precedente muito danoso para a população negra em especial. Foi um ponto primordial que todos concordaram", afirma a presidenta interina do Codene.
A recomendação conjunta indica ainda que o relatório final do GT contenha em seu diagnóstico dados sobre o racismo estrutural do Estado e reconhecimento da influência do racismo estrutural sobre instituições de Estado. Também que as corregedorias das Polícias Militar e Civil reconheçam que são falhas e, por não reconhecer o racismo institucional, “são coniventes com as práticas de violência policial vinculadas ao perfilamento racial e outras formas de discriminação”.
Lucia destaca como outro ponto importante a recomendação da revisão da licenças das empresas de segurança privada terceirizadas. "Sabe-se que é proibido que policiais tenham empresas com este caráter de segurança. É de conhecimento público que muitas dessas empresas têm policiais as gerenciando, o que é proibido". Destaca ainda a questão da formação inicial e continuada de todos os agentes das instituições policiais e de segurança privada: "Esta formação necessariamente tem que ter carga horária condizível com direitos humanos e tem que ter a questão da discriminação racial."
A recomendação sugere ainda uma série de medidas práticas para o relatório final do GT. Entre elas: que crimes com indícios de qualquer conotação racial tenham a indicação expressa a esse respeito no boletim de ocorrência, no inquérito e nos procedimentos das corregedorias; revisão dos procedimentos de concessão e fiscalização de licenças das empresas de segurança privada no estado para coibir a prática de perfilamento racial e violências e violações de direitos; imediata revisão e alteração dos protocolos de abordagem policial, com a desconstrução e proibição da prática do perfilamento racial e adoção de critérios objetivos nas abordagens.
Entre outras medidas, também recomenda o incremento de tecnologias capazes de coibir excessos nas ações policiais, como a exigência de câmeras registrando ações policiais, o cumprimento da obrigação de identificação dos agentes de segurança em qualquer abordagem ou ação, a suspensão do uso de tasers por parte das forças de segurança pública até que se garanta que essa arma menos letal não seja desviada de sua finalidade para fins de tortura e a imediata suspensão da contratação de policiais militares temporários.
Ao comentar o final dos trabalhos do GT, Lucia aponta que "todo mundo se sentiu com mais esperança, num momento tão horroroso como o que a gente está vivendo, com o exemplo da morte do senhor João Alberto. Parece que alguma coisa vai acontecer em nível governamental, e essa é a esperança, a gente está tão cansada de tanta violência, que parece que é uma luz”, afirma Lucia. Para ela, é sentimento de dever cumprido: “a gente fez a nossa parte, agora vamos ver o que acontece”.
Clique aqui e confira a íntegra da recomendação conjunta.
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Edição: Katia Marko