Rio Grande do Sul

Contas Públicas

Eduardo Leite propõe lei para limitar os gastos com a população

Proposta de teto de gastos estadual foi apresentada à Assembleia Estadual em reunião virtual

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Seguindo o exemplo das políticas de Guedes e do ex-presidente Temer, Leite encaminha proposta de lei para limitar os gastos públicos do RS - Rodger Timm / Palácio Piratini

Em reunião virtual nesta quinta-feira (3), o governo Eduardo Leite (PSDB) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para instituir um Teto de Gastos Estaduais, limitando o crescimento dos gastos em setores sociais. Segundo o governo estadual, a limitação das despesas primárias correntes visa equilibrar as contas públicas.

O governo também admite que a inspiração para PEC do Teto de Gastos Estaduais está na Emenda Constitucional 95 (EC 95/2016), apresentada e aprovada em nível federal durante o governo Temer. A EC 95 limitou os gastos públicos por 20 anos, enfraquecendo as políticas sociais, deixando frágil a rede de proteção social, como a saúde pública, assistência social e políticas de segurança alimentar em todo o país.

Conforme apurou a repórter Fabiana Reinholz, em entrevista com Dão Real Pereira dos Santos (Instituto Justiça Fiscal), com a EC 95 o gasto primário do governo federal fica limitado por um teto definido pelo montante gasto no ano anterior, reajustado pela inflação acumulada: “Quando a EC diz que o crescimento é só pelo índice da inflação, ela está dizendo que os gastos sociais serão reduzidos”, afirma o especialista. Segundo afirma ainda, o reajuste dos gastos de acordo com o crescimento da inflação é insuficiente para contemplar as necessidades mínimas da população. 

A proposta do governador Eduardo Leite é limitar os gastos públicos do RS pelos próximos 10 anos, a partir de 2021. Segundo informou o governo, a proposta visa a congelar as despesas primárias, ficando fora do teto despesas de capital (investimentos, inversões em empresas e amortizações de dívida), repasses aos municípios, aplicações no FUNDEB, entre outras. Porém, segundo as despesas previstas incluídas na Lei Orçamentária Anual de 2021, mais de 80% de todo orçamento do RS estará incluído dentro das limitações do Teto de Gastos.

Entidade alerta para os riscos da proposta no RS

Segundo alerta o Sindicato dos Servidores de Nível Superior do RS (Sintergs), a PEC apresentada irá impedir o aumento dos investimentos sociais, mesmo em períodos que houver crescimento econômico, além de congelar a remuneração dos servidores: “Podemos chamar a PEC de bomba relógio. Está pronta para explodir no colo dos mais pobres e da população do Rio Grande do Sul”, afirma o presidente do Sintergs, Antonio Augusto Medeiros, destacando ainda que as desigualdades sociais irão aumentar com o congelamento dos investimentos sociais, como saúde e educação.

O Sintergs lembra ainda que o discurso de austeridade fiscal do governo só é direcionado para as despesas referentes ao serviço público e que isso visaria a economia com a população para garantir o pagamento dos juros da dívida do estado com a União. No limite, esta medida acaba enriquecendo os 1% mais ricos do país, que são credores da dívida pública.

“O foco é exclusivo na privatização. Diante do impasse de ter que atender a população com o básico e não poder aumentar gastos, Leite criará forçadamente a necessidade de vender patrimônio público, mesmo se a arrecadação estiver crescendo”, afirma o presidente do Sintergs.

Corte de gastos dificultam o combate à pandemia

Segundo reportagem do Brasil de Fato, o Brasil enfrenta a pandemia do coronavírus com cerca de R$ 20 bilhões a menos para o Sistema Único de Saúde, como resultado direto da EC 95. Ainda, nos próximos 20 anos, o SUS irá perder cerca de R$ 400 bilhões, segundo informou o Conselho Nacional de Saúde (CNS). “Em meio a um cenário emergencial, alertado inclusive pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é urgente que Supremo Tribunal Federal (STF) declare qualquer medida que retira dinheiro da saúde como inconstitucional. É preciso força da sociedade para pressionar o Executivo, Legislativo e Judiciário para a revogação da EC 95", diz o texto de uma nota divulgada pelo CNS logo no começo da pandemia.

Ainda segundo o economista André Paiva Ramos, o teto de gastos vai impactar principalmente as populações mais vulneráveis e que precisam mais da assistência social e do investimento público. Segundo o economista, as medidas econômicas precisam urgentemente olhar para essa parcela da população que está totalmente vulnerável, o que é impossível de acontecer enquanto houver uma lei que limita os gastos com essa parte da população, e que é a mais atingida pela pandemia e pela falta de assistência social e atendimento em saúde pública.

Corte de gastos impedem retomada após a pandemia

O Sintergs lembra ainda que, em 2021, para estimular a economia, serão necessários investimentos públicos para gerar emprego, renda e criar um ambiente favorável à retomada econômica após a pandemia. Em nota enviada ao Brasil de Fato RS, o Sindicato afirma que a PEC de Eduardo Leite é similar que foi enviada ao Congresso por Temer (EC 95). O Sintergs cita nota do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), afirmando que a PEC proposta por Leite “é a concretização do projeto de Estado mínimo e retrocesso nas despesas sociais”.

Segundo estudo publicado pela Oxfam Brasil um ano após a aprovação da EC 95, a situação dos investimentos sociais ficou ainda mais drástica após a aprovação da lei proposta por Temer. O estudo previu ainda "consequências que poderão ser desastrosas aos brasileiros".

O próprio Fundo Monetário Internacional, que ao longo dos anos propôs políticas de austeridade para a América Latina, vem propondo o aumento dos investimentos públicos como medida primordial para alavancar a economia em um cenário pós-pandemia:

"O investimento público é fundamental, [tanto] nas economias avançadas, [quanto nos] mercados emergentes, poderia ajudar a reanimar a atividade econômica após o mais agudo e profundo colapso da economia mundial na história contemporânea. Além disso, poderia criar milhões de empregos diretamente no curto prazo e outros milhões indiretamente a longo prazo. Um aumento de 1% do PIB do investimento público pode elevar a confiança na recuperação e reforçar o PIB em 2,7%, o investimento privado em 10% e o emprego em 1,2%", afirma nota assinada por economistas do FMI.

Ainda, em debate promovido pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon), especialista defendem que as medidas de redução de gastos públicos vêm limitando a capacidade de reação da economia frente à crise.Conforme o presidente do Cofecon, professor Antonio Corrêa de Lacerda, as leis de tetos de gastos limitam a capacidade de reação das economias, ainda mais frente à crises sanitárias como a do coronavírus.


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Edição: Marcelo Ferreira