“É o pior momento da pandemia de coronavírus até agora”. A afirmação do governo Eduardo Leite foi dita na sexta-feira (27), ao divulgar o mapa preliminar do Distanciamento Controlado, que pela primeira vez teve todas as 21 regiões covid do Rio Grande do Sul com bandeira vermelha. Conforme a análise apresentada, houve uma piora em diversos indicadores ao longo do mês. De 30 de outubro a 26 de novembro, o número de casos ativos aumentou 63% (de 13.061 para 21.343) e o número de óbitos acumulados em sete dias aumentou 31% (de 211 para 276).
Além disso, o boletim coronavírus desta segunda-feira (30) mostra que a média móvel diária de óbitos dos últimos sete dias está em 40,3 vítimas e o RS é o quinto estado do Brasil com a maior taxa de óbitos acumulados por semana por 100 mil habitantes.
O professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Zavascki, chama a atenção para a gravidade da atual situação. Em entrevista ao Brasil de Fato realizada na sexta-feira, ele destaca que a taxa de transmissão do vírus no Brasil, e particularmente no Rio Grande do Sul, nunca diminuiu. Para ele, resultado das reaberturas e flexibilizações das medidas de isolamento, “nós saímos de níveis muito altos para níveis altos e começamos a fazer as aberturas com níveis altos de transmissão”.
Alexandre afirma que algo precisa ser feito para mobilizar a população, comerciantes e empresários e mostrar que as flexibilizações, falta de cuidado e aglomerações vão causar mais danos às pessoas e aos próprios negócios do que benefícios. “Mas foi passado uma ideia de normalidade para as pessoas, e reverter isso é um projeto difícil para os governantes. Então eles precisam encontrar uma solução para isso”, avalia.
Sobre as festas de final de ano e férias, é categórico: “infelizmente não vamos poder fazer isso nesse ano, isso precisa ser dito: se você quer proteger a sua família, em primeiro plano você não pode fazer aglomeração. E se você quer sair o quanto antes possível, você tem que colaborar com tudo”.
Ao avaliar os altos indicadores da doença, destaca dois problemas com relação aos hospitais. Muitas cirurgias e tratamento foram adiados e agora as pessoas estão chegando doentes. Além disso, é altíssimo o número de pessoas com covid-19 ou suspeita da doença, pressionando a ocupação dos leitos de Unidades de Tratamento Intensiva (UTI).
Neste final de semana, foi registrado novo recorde de internações por covid-19 em todo o estado e a tendência segue no início desta semana. No domingo (29), o número de pessoas internadas em estado grave por conta do novo coronavírus em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) chegou a 782, enquanto em leitos clínicos, chegou a 1.208.
No início da tarde desta segunda, a Secretaria Estadual da Saúde chegou a confirmar 794 pacientes em UTIs e 1.226 em leitos clínicos. Além disso, estavam internados 153 pacientes com suspeita de covid-19 ou outra SRAG em UTIs, e 629 em leitos clínicos. Somados com 11 crianças em UTIs pediátricas e 33 em leitos clínicos, o número de pessoas internadas em todo o estado chegava a 2.846. Na última semana, a taxa de ocupação geral do estado ultrapassou a marca de 80%. Nesta segunda, a taxa chegou a 79,4%.
“Hoje, infelizmente, temos uma situação mais grave da que estávamos no inverno, seja pelo volume de pessoas nos hospitais, seja por conta do coronavírus, seja pelo número de pessoas nos hospitais com outras doenças que ficaram represadas do período da pandemia”, afirma o infectologista.
Comenta ainda sobre a perspectiva da chegada da imunização, ressaltando que em um primeiro momento “não vai ter vacina para todos”. Frente a isso, sugere: “Temos agora que preservar as pessoas para que elas possam chegar a usufruir desse benefício da vacina lá adiante. A nossa missão agora é focar nisso”.
A seguir, a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato RS - O senhor, em sua conta no Twitter, escreveu que no RS estamos no pico de média de casos novos por dia, atingimos o maior número de doentes covid em enfermaria e UTI de toda a pandemia, e estamos com a quinta maior taxa de óbitos no Brasil. Ao que o senhor atribui esse crescimento, após uma aparente estabilização?
Alexandre Zavascki - Em relação a esse recrudescimento da pandemia é importante que se diga que a taxa de transmissão do vírus no Brasil como um todo, particularmente no estado do Rio Grande do Sul, ela nunca diminuiu, vamos dizer assim, a níveis “seguros” porque nós sempre mantivemos uma taxa de transmissão muito alta. Então em algum determinado momento houve uma queda sim de hospitalizações, inclusive de óbitos, inclusive da própria transmissão. Mas nós saímos de níveis muito altos para níveis altos e começamos a fazer as aberturas com níveis altos de transmissão. Níveis altos considerando parâmetros mundiais dessa epidemia.
Então isso era um efeito esperado, e começou a se fazer as reaberturas sem uma preparação adequada de toda a rede para detectar novamente um recrudescimento de casos mais precoces, de rastreamento, de conseguir deixar as pessoas em quarentena, os contatantes em quarentena, todas as medidas preventivas para se evitar um recrudescimento. O que a gente viu foi isso aí. A própria reabertura sem a passagem da mensagem que estávamos em uma condição segura, isso desmobilizou totalmente a população.
Essa epidemia, esse vírus, não dá esse resultado imediato. Então você faz uma ação hoje e ela vai ter reflexo daqui a quatro semanas, e às vezes é mais prolongado ainda. Essa reabertura foi gradualmente diminuindo a velocidade de queda até o ponto de reestabilizar e voltar a crescer. Infelizmente nas duas últimas semanas o crescimento tem sido muito acentuado.
BdFRS - Frente a esse cenário, podemos dizer que a pandemia está tão grave quanto no inverno ou pior? É segunda onda ou nem saímos da primeira? Faça uma breve análise do atual momento de internações, infecções e óbitos no estado.
Alexandre - Hoje temos um recorde de pacientes do índice em hospitais por causa da covid. Temos mais de 1.100 pacientes em leitos de enfermaria, 770 pacientes só no índice de pacientes confirmados em leitos de UTI, mais os suspeitos. Então isso é uma quantidade enorme de pessoas. E é importante lembrar, não é só o coronavírus. Importante lembrar que durante todo o inverno se segurou, se retraiu diversas ações de saúde em outras doenças. Cirurgias foram adiadas, tratamentos necessários foram adiados, e agora essas pessoas estão chegando doentes. Então nós temos que atender essas pessoas, não é só o coronavírus. Isso que é importante que a população entenda. Uma demanda de saúde que não para, que inclusive ficou represada de todo o período do inverno.
Hoje, infelizmente, temos uma situação mais grave da que estávamos no inverno, seja pelo volume de pessoas nos hospitais, seja por conta do coronavírus, seja pelo número de pessoas nos hospitais com outras doenças que ficaram represadas do período da pandemia. E terceiro motivo de termos o pior momento a taxa de transmissão na comunidade por 100 mil habitantes que também está no auge, no momento de mais transmissão que nós temos a cada dia do coronavírus.
BdFRS – No início da pandemia o governo estadual determinou medidas de isolamento, fechou escolas e serviços não essenciais. Aos poucos, o modelo foi cedendo a setores econômicos. Hoje temos bares e restaurantes abertos, uma quase normalidade comercial, escolas abertas em bandeira vermelha. Como você avalia as medidas adotadas no estado e, na sua opinião, que medidas deveriam ser tomadas para evitar colapso do atendimento e ainda mais mortes?
Alexandre - É uma dificuldade, agora, para se reverter e mobilizar a população de que algumas atividades realmente não podem ocorrer porque elas favorecem muito a transmissão do coronavírus. Qualquer atividade que promova aglomeração não pode ocorrer nesse momento. Mas foi passada uma ideia de normalidade para as pessoas, e reverter isso é um projeto difícil para os governantes. Então eles precisam encontrar uma solução para isso. E acho que a primeira forma é reconhecendo que é o problema. Observei que houve um pronunciamento, não consegui acompanhar, do governador do estado, isso deve ser muito enfatizado, não pode ser uma mensagem única, porque a mobilização das pessoas não vai se fazer tão facilmente. É preciso resistir.
E realmente é preciso mobilizar e explicar para comerciantes e empresários que algumas atividades, mesmo que a curto prazo você pareça ter alguma vantagem, aquilo vai acabar revertendo, não é possível manter algumas coisas porque vai acabar causando dano às pessoas e aos próprios negócios num prazo um pouco mais longo.
BdFRS - Há um discurso por parte da sociedade que entende que a pandemia não é algo grave. Outra parte entende a gravidade, mas se diz cansada da pandemia. Com isso, os cuidados acabam diminuindo. Agora temos o final de ano e férias, onde será inevitável a circulação de pessoas pelo estado, visitando parentes ou turistando. Que riscos esse cenário traz para o agravamento da pandemia e como se proteger, caso a pessoa resolva viajar?
Alexandre - Em relação as festas de finais de ano, sim é um período crítico porque as pessoas passaram um ano já totalmente atípico, muitos longe de seus parentes, então todo mundo mata essa vontade em um período do ano em que, normalmente, as pessoas se agrupam, fazem festas, enfim.
Infelizmente não vamos poder fazer isso nesse ano, isso precisa ser dito: se você quer proteger a sua família, em primeiro plano você não pode fazer aglomeração. E se você quer sair o quanto antes possível, você tem que colaborar com tudo. Essa é uma doença que está afetando a sociedade, ela não é um problema dos hospitais, o hospital é o final da linha de uma cadeia de eventos que começa justamente no dia a dia das pessoas. A doença está lá, é lá que começa. A gente chega no efeito deletério, acaba aparecendo nos hospitais e nos cemitérios, mas a doença está no dia a dia das pessoas, isso que é preciso compreensão.
BdFRS – Há uma polêmica sobre a vacina, qual seria a melhor, se deve ou não ser obrigatória. Enquanto isso, a população espera que no ano que vem, com a chegada da vacina, logo tudo esteja normalizado como antes da pandemia. Que dificuldades podemos ter até chegarmos em uma imunização total?
Alexandre - Acho que nem devamos entrar na questão da vacinação obrigatória nesse primeiro momento porque é uma discussão que me parece agora infrutífera no sentido de que não vai haver vacina para todos. Então vamos ter uma vacinação em várias etapas, não existe uma vacinação que vai ser feita em toda a população em um primeiro momento. E obviamente ai vai ter um escalonamento, grupos de risco, grupos estratégicos no sentido de combate a pandemia. Precisa toda uma elaboração, um plano.
Então não vai ter vacina para todos. A gente não precisa se preocupar com isso nesse momento, é para um segundo momento. Eu acho que a maioria da população vai querer se vacinar. E aí, em um segundo momento, com uma boa parcela da população vacinada, se chegarem outras vacinas e essa vacinação não for suficiente para controlar, acho que daí sim a gente começa a falar nessa discussão, que parece muito mais desvirtuar as pessoas do que é preciso fazer agora. A vacina é o futuro. Mas há solução para a gente sair disso.
Temos agora que preservar as pessoas para que elas possam chegar a usufruir desse benefício da vacina lá adiante. A nossa missão agora é focar nisso. Não acho que seja uma discussão que a gente deva alimentar nesse sentido porque não vai ter vacina para todos.
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Edição: Katia Marko