O debate final do 2º turno entre Manuela D´Ávila (PCdoB) e Sebastião Melo (MDB) na noite de sexta-feira (27) foi de uma desigualdade absurda. Algo tão distante dos últimos confrontos eleitorais municipais, estaduais ou nacionais que levou até o jornal Zero Hora, de perfil notoriamente conservador, a acolher um artigo intitulado “Foi um massacre o que se viu no último debate da RBS”. Ardilosamente, o autor omitiu o nome do vencedor e do perdedor, a quem chamou indistintamente “candidatos”.
No texto, afirma-se que “um candidato foi melhor que o outro, essa é a verdade. E foi muito, mas muito melhor”. E logo: “somente um dos candidatos argumentou, explicou, esclareceu, esmiuçou, desenvolveu, aprofundou”. É o talhe de Manuela: rápida, objetiva, articulada, cirúrgica.
Enquanto isso, o termo que talhou para o derrotado denunciam um modelito à medida para Melo. “O outro se apequenou. Apelou para frases de efeito. Para generalidades. Não conseguiu transmitir conteúdo, consistência, nada – parecia até torcer para o reloginho passar depressa”.
Adiante, o articulista, Paulo Germano, observou que “reconhecer quem foi melhor é apenas ser livre. É pensar por conta própria. É exercer a capacidade de refletir, de questionar, de avaliar uma situação com independência e honestidade”. E acrescentou: “Fazia anos que eu não via um debate tão desparelho (...)”
Há muitos exemplos desse abismo que até mesmo o jornal da família Sirotsky reconhece.
Quando Manuela questionou o fato de sua prefeitura (Melo era vice de José Fortunati) ter recebido R$ 1 bilhão do governo federal para realizar melhoramentos para a Copa do Mundo de 2014 e até hoje não ter concluído as obras, o candidato do MDB esquivou-se da pergunta para se refugiar na frase escapista: “Quero governar olhando para a frente”. De quebra, adiante alegou que não é pessoa de “ficar procurando culpados”.
E esta foi apenas uma das tantas escorregadas de Melo em um encontro que, depois de um primeiro bloco com alguma nesga de paridade, resvalou para uma chacina. Melo virou-se como pode, tolhido pela sua limitação frente a uma adversária que o manteve nas cordas o restante do tempo.
No primeiro round, Melo ainda abriu sua mala repleta de clichês da guerra fria – “stalinismo”, comunismo, mais Estado – de antigos provérbios – “Devagar que o santo é de barro” e um festival de lugares comuns. Daí em diante, vazio e trôpego, mais procurou ganhar tempo do que realizar um verdadeiro confronto de ideias.
Choque tão díspar remete ao célebre debate da disputa pelo senado gaúcho em 1974, colocando de um lado o tribuno Paulo Brossard, pelo velho MDB de Ulysses Guimarães, contra Nestor Yost, burocrata e homem da Arena, o partido da ditadura. Brossard nocateou Jost que, para piorar, aparentava estar chupando uma bala infinita. Brossard, como se sabe, venceu o confronto e a eleição.
Mais recentemente, em 2004, quando o PT defendia a renovação de mais um mandato na Prefeitura de Porto Alegre, houve algo semelhante. Raul Pont fez José Fogaça beijar a lona em uma sucessão de encontros no 2º turno. Mas perdeu a eleição.
No passado, debates tinham peso decisivo. Hoje, são importantes ainda, mas as redes com sua mistura de virtudes e misérias turvam o jogo político. O certo é que o confronto – este seu valor – indicou o candidato mais capaz, no caso a candidata. Resta saber se os votos reconhecerão esta verdade tão cristalina.
Edição: Katia Marko