O governo Eduardo Leite (PSDB) implementou um aumento na tarifa da conta de luz dos clientes da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) em cerca de 6% para consumidores residenciais e de 10% para consumidores industriais. O aumento foi autorizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) na semana passada e está vigorando desde domingo (22), impactando diretamente cerca de 1 milhão e 700 mil unidades consumidoras, espalhadas por 72 municípios, incluída a Capital.
Em paralelo, o governo dá continuidade ao cronograma de venda da área de distribuição da CEEE (CEEE-D), em leilão programado para fevereiro de 2021. Entidades contrárias à venda da estatal já haviam feito o alerta de que o processo de privatização levaria ao aumento da conta de energia, avisando que a energia produzida pelas usinas da CEEE é vendida pelo preço aproximado de R$60 por mil quilowatt/hora (kW/h), enquanto o preço de mercado gira em torno de um valor cinco vezes maior (R$300 por kW/h). Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens, que defende a soberania energética do país, permitir o aumento do preço de energia visa tornar a CEEE-D mais atrativa para possíveis compradores, além de tentar desmoralizar a imagem da empresa junto à população.
Além da crítica referente à gestão do preço da energia, o governo ainda abriu mão de bilhões de reais para facilitar a venda da CEEE-D, em valores referentes ao déficit de ICMS (grande parte dele promovido pelo próprio governo Leite). A solução trata-se, na verdade, de uma manobra nas contas públicas, o que foi admitido pelo próprio secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos, em transmissão no Youtube, ao afirmar que o governo vai abrir mão desses recursos para viabilizar a privatização.
Ao fazer a manobra contábil (perdoar uma "dívida" de uma empresa do estado para com o próprio estado) a gestão Eduardo Leite torna possível encaminhar o leilão da empresa. Caso contrário, não seria possível fazer a venda e a solução para os problemas da CEEE-D precisaria ser encontrada dentro da própria empresa. Essa alternativa, inclusive, é defendida por funcionários do Grupo CEEE, que entendem haver muitas alternativas para o saneamento de passivos e aumento de investimentos que não passam pela venda de ativos importantes do estado.
Privatização é contestada por diversos aspectos
Funcionários do grupo CEEE consultados sob a condição de anonimato pela reportagem do Brasil de Fato RS afirmam não haverem motivos práticos para a venda de ativos da empresa, sendo esse processo de privatização parte de uma visão ideológica do atual governo. Segundo eles, a CEEE é eficiente e lucrativa, além de ter capacidade de realizar investimentos no sistema e em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia.
Muito importante lembrar sempre que,o Grupo CEEE é divido em três empresas: CEEE Participações (CEEE-Par), CEEE Distribuição (CEEE-D) e CEEE Geração e Transmissão (CEEE-GT). Dessas três, apenas a CEEE-D apresenta déficits de contas, além de ser a que mais apresenta problemas, pois é ela que está relacionada com as falhas na rede de distribuição, com quedas de fios e postes, por exemplo. Também é a área de Distribuição que acumula cerca de R$ 7 bilhões em dívidas, sendo metade desta dívida referente à valores de ICMS propositalmente não repassados ao caixa do estado durante os governos Sartori e Leite.
"Podemos olhar a Distribuição como deficitária, mas só depois de mostrar que os outros dois segmentos da companhia são lucrativos. Inclusive, as soluções para a distribuição podem estar dentro do próprio grupo CEEE, sem utilizar recursos do estado", argumenta um dos integrantes do Grupo de Apoio aos Funcionários da CEEE.
É possível definir que o Grupo CEEE, da forma como está organizado nas três empresas, participa de praticamente todo o processo que envolve a própria geração de energia até o seu consumo na ponta final. A CEEE-Par se encarrega da gestão e aplicação de recursos financeiros, tendo participações em outras empresas. Já a CEEE-GT, como o próprio nome indica, se encarrega da geração e transmissão da energia, sendo essas duas funções dividas em dois ramos de atuação distintos, dentro da CEEE-GT: Geração e Transmissão. Há, inclusive, um processo de desmembramento da GT em duas empresas diferentes, previsto para ser concluído em 2021, visando aumentar valores de venda em leilões futuros, tendo em vista que poucas empresas atuam nos dois ramos do negócio.
Em relação à Geração, a CEEE dispõe de um bloco de Usinas Hidrelétricas, muitas delas com concessão renovada até 2042. Um conjunto de 13 destas hidrelétricas já esteve na mira de privatização do governo, através da Consulta Pública Nº 039/2020 da ANEEL, publicada dia 18 de junho. Somente estas 13 usinas, juntas, correspondem à cerca de 15% do total instalado do Rio Grande do Sul.
Já a parte de Transmissão refere-se aos processos de construção, operação e manutenção de instalações de transmissão de energia elétrica, ramo que a CEEE desempenha com excelência, de acordo com índices da ANEEL. No âmbito da operação e manutenção, a CEEE-GT atende 81 subestações de energia elétrica, sendo 73 operadas totalmente pela empresa, 50 delas operadas remotamente mesmo antes da pandemia. Também gerencia mais de 6 mil km de linhas de transmissão (contando com sistema de atendimento de emergências), mais de 1.700 km de fibras ópticas.
Os relatórios de sustentabilidade da Companhia mostram que, em 2020, a CEEE-GT investiu cerca de R$ 83 milhões, além dos cerca de R$ 170 milhões em 2019, o que demonstra que a empresa tem alto poder de investimento em melhorias do sistema. O lucro líquido da CEEE-GT, em 2019, foi de R$391 milhões, além de existirem participações da CEEE-GT em outras empresas que, sozinhas, podem valer cerca de R$1,5 bilhão. Ou seja, procede a afirmação de que existem alternativas para a CEEE-D dentro do próprio Grupo CEEE, sem que seja necessária a venda dos ativos.
Caos do Amapá deve alertar os gaúchos
Segundo argumentam os trabalhadores da CEEE contrários à privatização, apesar de não haver a reposição de funcionários necessária, o atual corpo disponível dá conta das atividades de operação e manutenção do sistema. A qualidade técnica e o preço justo destas atividades são atestados pelo fato de que empresas privadas contratam a Transmissão da CEEE-GT para prestação de serviços em seus equipamentos e instalações elétricas. Isso com um orçamento anual de custeio menor do que 6% da receita de toda a CEEE-GT: " Estes resultados técnicos são obtidos juntamente com um equilíbrio financeiro, o que resulta em lucros conferidos nos últimos anos e um caixa da Companhia positivo e robusto", afirma um dos funcionários, que não quis se identificar por medo de represálias.
Além da questão técnica, a CEEE-GT conta na sua estrutura operacional com cerca de 180 transformadores de alta tensão, incluindo unidades reservas e unidades móveis, e gerencia um Centro de Operação principal e um Centro de Operação reserva, para casos de emergências.
Esta configuração e estrutura disponível faz com que, atualmente, seja praticamente impossível que o RS viva um caos energético como viveu o Amapá, estado cuja energia elétrica está nas mãos de uma empresa privada. Segundo Sandro Peres, do Grupo de Apoio aos Funcionários da CEEE, isso se dá porque as empresas públicas de energia são movidas por lógicas distintas das privadas: "Nas empresas públicas há uma constante preocupação e preparação para cenários de contingência, nas empresas privadas o foco é sempre voltado para o atendimento imediato", argumenta.
Ainda sobre o caos no abastecimento de energia elétrica do Amapá, os funcionários alertam para a responsabilidade de todos os agentes envolvidos. No Brasil, a operação e manutenção dos equipamentos energizados é responsabilidade da concessionária de transmissão (no caso do Amapá, a empresa privada Gemini), com participação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e com fiscalização da Aneel.
No âmbito das linhas de transmissão, nas quais passam grandes quantidades de energia, é obrigação haver outros equipamentos em operação que possam substituir linhas que tenham problemas: "No caso de uma linha de transmissão ou de um transformador de alta tensão falhar, devem existir outros já em operação para fazer o contorno do problema. Não estamos falando aqui dos equipamentos reservas, que também são exigidos, mas de equipamentos ativos em operação: na ausência de um caminho, a energia deve poder fluir por outro", comenta a fonte consultada.
A fonte afirma ainda que, uma vez entre em operação, este plano de contingência é responsabilidade da empresa transmissora: "Ainda tendo como exemplo o caso do Amapá, se determinado local precisa de dois transformadores, devem existir três deles em operação. No caso de falha de um, os outros dois dão conta. Em termos de instalação desse sistema, isso deve ser garantido pelo planejamento e pela empresa transmissora, ONS e Aneel. Porém, depois da entrada em operação, a responsabilidade é da transmissora que deve fazer as ações para evitar as falhas e executar ações de reparo com eficiência".
Segundo afirma ainda, este tipo de planejamento se chama "planejamento setorial", e é isso que as empresas privadas normalmente deixam de lado, enquanto a CEEE-GT, por exemplo, apresenta muitas opções de contingência.
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Edição: Marcelo Ferreira