Sebastião Melo é natural do estado de Goiás, da pequena cidade de Piracanjuba. Mudou para Porto Alegre ainda nos anos 1970, cidade onde constituiu carreira e família. Trabalhou em diversos empregos até iniciar os estudos em Direito na Unisinos. Filiou-se ao PMDB em 1981, partido que atua até hoje, e pelo qual tentou eleger-se quatro vezes para a Câmara de Vereadores, conseguindo em 2000, sendo reeleito duas vezes (em 2004 e 2008). Neste período foi presidente da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Nas eleições municipais de 2012, foi escolhido pelo seu partido para concorrer como vice-prefeito na chapa que sairia vencedora do pleito, junto com José Fortunati, nesta época no PDT.
Nas eleições municipais seguintes, em 2016, Melo tentou eleger-se prefeito, e obteve apoio de figuras como Pedro Simon e Marina Silva. Nas eleições deste ano, onde Melo disputará o segundo turno, Marina Silva apoiará Manuela D’Ávila.
Anos antes do PMDB voltar a ser MDB, Melo já utilizava a denominação original, afirmando em entrevistas durante as eleições de 2016 que seu partido apresentava um movimento “pendular”. O tempo mostrou que ele estava certo. Nas eleições municipais de 2020, sua campanha dialogou com setores ligados ao empresariado gaúcho e com forças muito próximas ao presidente Bolsonaro. Seu vice, Ricardo Gomes, denominou a chapa como sendo de “centro-direita”. Acontece que esse “centro”, nunca esteve tão à direita.
A escolha do vice
O vice na chapa de Melo é Ricardo Gomes, do DEM. Em vídeo publicado no seu perfil do Instagram, Gomes afirmou que a sua junção com Melo partiu do entendimento de que Manuela D’Ávila venceria com facilidade Marchezan em um eventual segundo turno, necessitando formar uma chapa forte para disputar com a candidata de esquerda.
Antes de seu atual partido, Gomes foi eleito vereador em Porto Alegre pelo PP. Sua trajetória nesses dois partidos herdeiros do poder político constituído durante a ditadura militar se deu em paralelo com forte atuação política, junto a organismos e sociedades empresariais. Presidiu o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), associação que reúne empresários, forma lideranças políticas e realiza eventos como o Fórum da Liberdade.
No site do IEE está dito que o instituto é “[…] uma associação civil sem fins lucrativos ou compromissos político-partidários”, afirmação que se choca com a realidade, ao analisar a forte atuação política de seus membros. O IEE, que só aceita a associação de pessoas que estejam “à frente ou na linha de sucessão de empresa de qualquer ramo de atividade”, é patrocinado e apoiado por diversas empresas e forma lideranças para atuação na sociedade. O IEE também já foi reconhecido e premiado pela Atlas Network, uma rede que financia e organiza movimentos contra a esquerda por todo o mundo, especialmente na América Latina. Ricardo Gomes ainda foi um dos fundadores e organizadores do Movimento Brasil Livre, se elegendo vereador com o apoio deste grupo.
Além disso, segundo foi divulgado pelo próprio gabinete de Gomes, ele faz parte da Sociedade Mont Pélerin (Mont Pélerin Society – MPS), uma organização internacional fundada em 1947 que busca fazer o combate ideológico a favor de uma dominância liberal no mundo todo. Segundo o sociólogo italiano Luciano Gallino, professor emérito da Universidade de Turim, a MPS é responsável por empreender uma longa marcha de conquista da hegemonia da sociedade europeia para os ideais do liberalismo. Ainda segundo o professor, o filósofo italiano Antônio Gramsci, conhecido pelo desenvolvimento do conceito de hegemonia, acharia a estratégia adotada pela MPS muito interessante, devido o lento e gradual investimento na conquista do convencimento da opinião pública para suas ideias.
Gomes nunca escondeu sua atuação política e seus ideais liberais, ao contrário, sempre o fez de maneira pública. Sua forma de enxergar a função da prefeitura, norteada pelos seus princípios, pode ser bem resumida em uma frase dita em entrevista no ano de 2016: “A prefeitura deve fazer o básico".
Mudança de ideias e o programa da chapa
As ideias liberais de Gomes estão presentes no programa de governo da chapa, contraditoriamente junto com propostas de defesa e amparo “aos mais frágeis”. Da mesma forma, contradiz a opinião de Gomes que a prefeitura deve somente fazer o básico com a proposta expressa no programa de governo atual de que a cidade deva cuidar de serviços públicos, do lazer, da saúde, da família, das creches e da segurança, por exemplo.
Também contrasta a mudança de concepção sobre as empresas públicas da Capital. O programa de governo da candidatura de Melo à prefeitura em 2016 reconhecia a importância da empresa pública de processamento de dados e tecnologia da informação, a PROCEMPA. Além de levantar propostas e a definir como uma empresa moderna, o programa reconhecia a presença da PROCEMPA em diversas áreas da administração municipal, como saúde e segurança. Agora, o programa de governo do Melo apenas cita a empresa uma única vez, dizendo que seu eventual governo irá "enfrentar" o tema da PROCEMPA "no contexto da administração pública municipal". Da mesma forma, promete "enfrentar" o tema da Carris. Coincidentemente, são as duas empresas que Gomes afirmou acreditar que precisam ser privatizadas. Resta a dúvida se a proposta de "menos intervenção", expressa no programa para se referir às medidas necessárias para atrair investimentos, significa a intenção de privatizar as duas empresas públicas.
Especificamente sobre a Carris e o transporte público, Melo mudou de opinião ao longo do tempo, pois, em debate nas eleições de 2016 ele afirmou "Eu não vou privatizar a Carris". Atualmente, ele mudou de ideia, e afirma que, se houver um comprador, ele irá vender sim a Carris. Afirma que essa posição se deve ao problema de déficit que a empresa acumula, mas deixa de lado que ele próprio, enquanto vice-prefeito, permitiu que as empresas privadas que exploram o serviço obtivessem da Carris as linhas com maior lucratividade, contribuindo para o aumento do déficit. Como se não bastasse, Melo afirma que, caso não consiga vender a Carris, irá resolver o problema do transporte "junto com o sistema". Provavelmente, quando fala em "sistema", se refere ao conjunto das empresas privadas que exploram o serviço de transporte público na cidade. Neste caso, afirma que sua intenção é investir o dinheiro público nas empresas privadas, e não na Carris: "Tem que subsidiar o sistema, e não a empresa". O que mais chama atenção nessa declaração é o fato do Tribunal de Contas do Estado ter demonstrado que as empresas privadas de transporte de Porto Alegre tiveram lucros de centenas de milhões de reais enquanto ele era vice prefeito, na gestão Fortunati. Sabendo dessa informação, fica impossível entender qual o motivo de dispor público para essas empresas.
Outras alianças
Não foi só com a direita liberal que Melo estendeu alianças visando disputar a Prefeitura de Porto Alegre. Sua coligação reuniu os partidos Cidadania, DEM, Democracia Cristã, Solidariedade, PRTB e PTC. Destes, a maioria está imerso em casos de corrupção. O Esquerda Diário fez um levantamento dos casos de corrupção de alguns destes partidos, comprovando que não são somente agentes do MDB nacional que tiveram seus nomes envolvidos com desvio de dinheiro público. Durante a gestão de Fortunati e Melo, foram diversos casos envolvendo empresas e departamentos municipais. Olhando os outros partidos da coligação, os casos só se acumulam.
Além do apoio recebido pelos partidos da coligação, em debate realizado dias antes do primeiro turno, o candidato do MDB afirmou ter muito orgulho de ter sua candidatura defendida pelo deputado estadual Fábio Ostermann (Novo), outro notório defensor do interesse empresarial (também com atuação no IEE), mas também de figuras muito próximas ao presidente Bolsonaro. Seu partido, o MDB gaúcho, mantém relação com o presidente, basta lembrar da tentativa de reeleição do governador Sartori com o lema "Sartonaro". O próprio Melo afirmou estar alinhado com pautas do presidente, propondo trazer para Porto Alegre as escolas cívicas militares e reabrir todo o comércio independente do estágio da pandemia, ignorando as quase 1400 mortes e a elevação na velocidade de contágios.
Entre estes apoiadores do presidente, se destaca a figura do deputado federal Bibo Nunes, que fez campanha e agendas públicas apoiando Sebastião. Melo não poderia ter escolhido apoiador mais pendurado em casos suspeitos. Conforme apurou o jornalista João Filho, Bibo Nunes teve recomendação de recusa de suas contas pelo TRE: Ele recebeu R$ 30 mil de doação para sua campanha de um estrangeiro, o que é ilegal. Além disso, este estrangeiro se chama Juan Antonio Bruno Perroni, um empresário da indústria fumageira que foi condenado pelo crime de falsificação de mercadorias (ele e o filho foram presos em flagrante com mais de 20 mil selos falsos de controle de cigarros). Bibo afirmou que não sabia quem era essa pessoa e que não sabia como o dinheiro foi parar na sua campanha: "a minha campanha quem banca sou eu". O deputado não mentiu nesta parte, pois ele botou mais de R$ 200 mil do próprio bolso na sua campanha. Apesar de ter muito dinheiro para gastar na hora de eleger-se, o deputado utilizou dinheiro público para comer em uma pizzaria no Litoral gaúcho, durante o feriadão de carnaval de 2019. Pouco mais de um ano depois, em evento com Melo, Bibo Nunes bradou acreditar estar apoiando o melhor candidato para Porto Alegre e afirmou que nunca acreditou tanto em uma candidatura.
Apesar de afirmar que não utilizará as ideias do presidente para atrair votos de seus simpatizantes, Melo demonstrou ter ficado muito feliz quando Bibo Nunes garantiu que conseguiria o apoio aberto do presidente Bolsonaro e do vice Mourão, com gravação de vídeos e apoio financeiro (confira aqui, a partir do minuto 23). Além disso, logo após a divulgação dos resultados do primeiro turno das eleições foi publicado no seu perfil no Instagram uma foto em que um apoiador de Bolsonaro figura ao lado do candidato.
Outras ideias de Melo
Apesar de sua origem trabalhadora, Melo tem se cercado de políticos representantes da política anti povo. Seu programa deixa espaço para não mexer nos privilégios dos empresários do transporte e privatizar empresas públicas essenciais para a cidade. Também abre espaço para dar seguimento ao processo de privatização dos postos de saúde empenhado pelo atual prefeito Marchezan. Além disso, ainda sobre a saúde, considera os programas de saúde da família "centrais para as comunidades", mas simplesmente não fala do desmonte das políticas de saúde da família empreendido por Marchezan. Em um momento de pandemia, a proposta de "integração das redes pública e privada de saúde" mais parece com a atual política de entrega dos postos para a iniciativa privada.
Também estão totalmente ignoradas propostas de segurança alimentar, não há a garantia de compras públicas de alimentos nem de investimentos em restaurantes populares. Melo parece ter deixado de lado os trabalhadores de Porto Alegre que cada vez mais se vêm mais ameaçados pela fome.
Inclusive, uma ideia sua foi considerada como a "Lei da Fome". A Lei nº 10.531 (Lei das Carroças ou Lei Melo) institui a gradual proibição do uso de carroças, tanto puxada por animais quanto pelas próprias pessoas. A ameaça da total proibição, que já foi adiada mais de uma vez devido à mobilização dos trabalhadores, têm sido mais um elemento de violência psicológica contra os catadores e catadoras. Conforme apurou a repórter Annie Castro, as pessoas que trabalham catando materiais recicláveis descartados convivem há anos com a incerteza da perda de seu sustento e consequente fome de suas famílias: "Essa lei é a lei da fome", afirmou José Pedro Soares, que trabalha há mais de 25 anos como catador.
Sobre a proibição do trabalho dos catadores, confira o depoimento de Alex Cardoso, do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR):
O candidato que se considera de centro, está mais para a direita, se afastando cada vez de sua origem, provavelmente pelo desejo de ser prefeito, se cercando de apoiadores de extrema-direita e investindo em uma campanha cheia preconceitos contra a esquerda. Apesar disso, pouco mais de dez anos atrás, Melo reconhecia a existência do imperialismo dos Estados Unidos e a importância de Che Guevara para a história da humanidade, em solenidade de homenagem ao herói da revolução cubana:
“Pra nós, homenagear Che Guevara é homenagear a vida e a luta dos oprimidos. Foi um homem que lutou contra a espoliação deste império americano que comanda o mundo”.
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Edição: Katia Marko