A eleição para a prefeitura de Porto Alegre marca, regionalmente, um movimento coletivo – de todo território nacional – em prol daquelas/es que Florestan Fernandes chamou de “as/os de baixo”. Neste pleito há uma guinada de representações nas câmaras de vereadoras/es de parte da população LGBTQIAP+, com uma expressão importante das mulheres travestis, e um aumento importante de candidaturas dos povos originários de diferentes etnias que se elegeram. Também, como no caso da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, um aumento de vereadoras/es negras e negros. Mesmo diante do quadro de pouca e inexpressiva eleição de representantes dos povos originários, é fundamental compreender radicalmente que há um resgate central sendo costurado, enquanto classe, enquanto coletividade, e que une interesses em comum daqueles que são donos desta terra – pois nela vivem e trabalham, criam filhos, constroem afetos.
A eleição expressiva de mulheres negras para a Câmara de Porto Alegre tece um fio de esperança que é fundamental que recobremos à luz da consciência. As mulheres negras estão sustentando a pirâmide social da desigualdade, da violência e das condições adversas à manutenção da vida. Mas não só, são as mulheres negras que acordam a cidade. E que colocam a cidade de Porto Alegre pra dormir.
Nesse sentido, sua eleição e reeleição, seguida do jovem homem negro que foi eleito na capital, representam a sustentação do necessário aquilombamento, um território de resistência e de fortalecimento de identidade, cultura, modo de vida. O racismo estrutural brasileiro, a violência e o poder racista, machista, homofóbico que se ergue junto da eleição de Jair Messias Bolsonaro em 2018, depois de um golpe vivido por Dilma em 2016 – é agudizado ainda mais diante da pandemia de covid-19 e da crise sanitária e ambiental instaurada e sustentada pelo governo Bolsonaro e seus lacaios.
O pico das mortes no Brasil na primeira onda de contágio foi em junho deste ano, quando chegamos a 1.595 mortes em um dia. No Rio Grande do Sul, como previam as/os cientistas, o pico dos óbitos se deu entre julho e agosto. E, até esse momento, não há compromisso federal de combate e muito menos políticas de prevenção. O presidente se ausenta, faz piada sobre as mortes e a vida das pessoas que perdem entes queridas/os. Além de vetar vacinas, criar climas de tensão entre o Brasil e países que poderiam ser aliados nesse momento de crise sanitária. Abre as porteiras para que passe a boiada; a bancada do boi, da bala e da bíblia.
A realidade na qual a população brasileira está inserida é dramática, desumana, desigual, excludente e violenta. As eleições para prefeitas/os e vereadoras/es ocorridas no último dia 15 de novembro parecem acenar como um protesto importante contra o projeto de morte estruturado a partir da necropolítica. Ao passo que, durante a pandemia, a fortuna dos 42 bilionários brasileiros cresceu em US$ 34 bilhões, as gentes negras/os, pobres periféricas/os, trabalhadoras/os superexploradas/os têm sua vida considerada descartável – há as/os que são matáveis no Brasil e elas eles têm cor, raça, sexo/gênero, território.
Diante deste quadro é impossível não pensar em Conceição Evaristo: “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”. É precisamente nesse fio de tessitura que o fortalecimento do projeto que representam os partidos que compõe a esquerda na Câmara de Vereadoras/es como PSOL, PT, PCdoB e a vitória para prefeitura da Capital de uma mulher mãe devem ser defendidos e sustentados até as urnas e posteriormente, no cotidiano da vida comum, de organização, luta e resistência dos povos. O aumento do número de mulheres de 5 para 11 e de pessoas negras de 1 para 5 dá o tom de representativa na Câmara, sim. Mas devemos mirar além disso. Estamos, coletivamente, vivendo uma crise sanitária e ambiental que coloca muitos questionamentos aos modos de vida erigidos sobre o individualismo que o capitalismo impõe para todas/os.
A própria existência do capitalismo, estruturada através do racismo, do patriarcado do poder colonial, está sendo colocada em questão. A pandemia abriu uma brecha no tempo espaço para a compreensão vívida e objetiva de que a vida só pode ser vivida em comunidade. O Bem Viver sustentado há milênios pelos povos originários de Abya Yala, América Latina, dá pistas belíssimas sobre a possibilidade de viver em harmonia com a natureza cuidando do planeta terra, distribuindo as riquezas, construindo uma perspectiva de educação coletivizada. Assim como os modos de cuidado e afeto que carrega a ascendência africana no Brasil e também no Rio Grande do Sul abrem trincheiras para esperançar. Para construir um futuro de justiça, de equidade, um futuro que tenha radicais transformações na forma de viver e que guarde a vida – não construa a morte – é fundamental que nos aquilombemos.
A eleição de Manuela D'Ávila para a prefeitura de Porto Alegre no próximo dia 29 de novembro representa uma semente de futuro de vida, afeto, coletividade, de força do comum. Que façamos este novo amanhecer surgir e que sustentemos o futuro, por nós em nós, para nós.
* Mariana Oliveira Decarli é graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (2013) e mestra pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2017). Desenvolveu estudos na área dos Fundamentos do Serviço Social e, recentemente no mestrado estudos sobre Patriarcado, Relações Sociais de Sexo, Gênero, Raça e Etnia e Violência Obstétrica.
Fontes:
https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais
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Edição: Marcelo Ferreira