O governo Eduardo Leite (PSDB) está encaminhando a venda da área de distribuição da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE-D), e, para facilitar o processo, vai abrir mão de R$ 2,8 bilhões em valores não pagos de ICMS. O anúncio foi detalhado em audiência pública transmitida pelo YouTube, e contou com a participação do secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos, além do secretário da Fazenda, Marco Aurélio Cardoso.
ICMS é a sigla para Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, que foi instituído pela Constituição de 88 prevendo que os estados façam a regularização da cobrança desse imposto. Essa cobrança incide sobre produtos da indústria, combustíveis, alimentos e bebidas, por exemplo. No caso da CEEE, o ICMS é cobrado dos consumidores na conta de luz, que deveria repassar esse valor cobrado pela empresa de energia para o Tesouro do Estado. Esse procedimento deveria ser feito pela administração da CEEE, que é escolhida pelo governo, o que não tem acontecido. O resultado desse processo foi a explosão da dívida nos últimos anos, conforme demonstrado pelo governo na audiência:
Dívida duplicou em menos de 2 anos
No período entre dezembro de 2018 e junho de 2020, a dívida de ICMS mais que dobrou. A questão que têm gerado revolta entre trabalhadores consultados pela reportagem do Brasil de Fato RS. Servidores da CEEE entendem que esse valor não deveria ser referido como "dívida", pois o ICMS tem sido recolhido nas contas de luz da população. Na verdade, é uma escolha política não fazer esses valores chegarem até o caixa do estado.
"Isso é um absurdo. Com exceção do ICMS, as outras dívidas são de longo prazo, como as dívidas previdenciárias e a dívida financeira, que têm juros baixos. Já o ICMS foi uma dívida construída propositalmente, a empresa que é administrada pelo estado parou de pagar ICMS para o próprio estado. Fez isso como se fosse uma coisa comum e agora anuncia o resultado, é uma péssima gestão. O governo vai pagar para vender", afirma um servidor da empresa.
A declaração foi dada na condição de anonimato à reportagem do Brasil de Fato RS. Há medo entre os funcionários que se opõem ao processo de privatização da empresa, com receio de represálias para aqueles que fazem críticas abertamente.
"Pagar para vender"
O próprio governo admite que o procedimento é na verdade uma manobra contábil. Será uma "dação de pagamento", termo jurídico utilizado para quando um credor aceita como pagamento algo que não estava previamente acordado. Ou seja, o governo não só abrirá mão desse valor, mas fará uma injeção de R$ 2,8 bilhões no caixa da CEEE-D para garantir sua venda, visto que, com a dívida total de R$ 4,4 bilhões de ICMS, o controle acionário da empresa não poderia ir a leilão.
Tendo este total negativo de ICMS não repassado e somado os R$ 2,8 bilhões injetados, o comprador da CEEE-D assumirá o restante da dívida, cerca de R$ 1,6 bilhão que deverão ser pagos de forma parcelada ao governo do estado. Sob esse ponto de vista, procede a afirmação do trabalhador da CEEE, que afirmou que o governo vai "pagar para vender".
Essa forma de negócio está sendo coordenada pelo BNDES que, sob a gestão Guedes e Bolsonaro, tem interesse em ajudar processos de privatizações por todo o país, especialmente no setor elétrico. O interesse no setor de energia é grande devido ao fato de ser uma área estratégica, toda a vida da população depende da energia elétrica. Quem está ajudando no processo é o Consórcio Minuano, composto por escritórios de advocacia e pelo Banco Plural.
O argumento do governo é de total falta de alternativas para a companhia, que precisa ser privatizada por ser deficitária e ineficiente: "Ao abrir mão de R$ 2,8 bilhões, o governo do estado assegura o recebimento de R$ 1,6 bilhão. Se não privatizasse, teria de liquidar a empresa, porque não conseguiria manter a concessão", disse o secretário Lemos. Ele sustentou ainda que essa manobra não precisa de aprovação da Assembleia Legislativa do RS, informando que o governo tomará esta medida por dois decretos: um que regulamenta a "quitação" de parte da dívida do ICMS e outro que irá transferir para o Tesouro do Estado a obrigação de pagar as dívidas com a previdência dos funcionários mais antigos.
Na verdade a CEEE da lucro
Os funcionários do grupo CEEE discordam desta visão e acreditam que, na verdade, a companhia como um todo é muito eficiente e produz lucros para o estado: "Podemos olhar a Distribuição como deficitária, mas só depois de mostrar que os outros dois segmentos da companhia são lucrativos. Inclusive, as soluções para a distribuição podem estar dentro do próprio grupo CEEE, sem utilizar recursos do estado. Ao contrário, privatizar a CEEE vai simplesmente passar dívidas para o próprio estado", argumenta um dos integrantes do Grupo de Apoio aos Funcionários da CEEE.
A Companhia Estadual de Energia Elétrica (Grupo CEEE) é dividida em três empresas: Companhia Estadual de Energia Elétrica - Participações (CEEE-Par), Companhia Estadual de Energia Elétrica - Distribuição (CEEE-D) e Companhia Estadual de Energia Elétrica - Geração e Transmissão (CEEE-GT). Como foi exposto na matéria, a CEEE-D possui dívidas e é a que mais apresenta problemas ao consumidor, porém, a CEEE-GT e CEEE-Par, além de superavitárias, apresentam altos índices de eficiência.
Em 2020, a CEEE-GT investiu cerca de R$ 83 milhões, além dos cerca de R$ 170 milhões em 2019, o que demonstra que a empresa tem alto poder de investimento em melhorias do sistema. O lucro líquido da CEEE-GT, em 2019, foi de R$391 milhões, além de existirem participações da CEEE-GT em outras empresas, que, sozinhos, podem valer cerca de R$1,5 bilhão.
O argumentos de eficiência e lucratividade da Companhia, portanto, contrários à sua privatização, serão melhor observados em próxima matéria.
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Edição: Marcelo Ferreira