O vereador e candidato a reeleição Wambert Gomes Di Lorenzo (PTB) apresentou um projeto de lei (PLCL 16/20) na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, no dia 27 de outubro, que visa legitimar a urbanização da Fazenda Arado Velho, no Extremo Sul da Capital. Com 426 hectares, no Bairro Belém Novo, a área é de proteção permanente, contendo banhados, fauna e flora protegidos. Campo de várzea, é local de alagamento em período de cheia do Guaíba. Também é sítio arqueológico e abriga famílias mbyá guarani, que reivindicam a demarcação da área como terra indígena.
Alvo da especulação imobiliária, o destino da região está sob judice. Sob a gestão do então prefeito José Fortunati, em 2015, foi aprovada a Lei Complementar 780, conhecida como “Lei do Arado”, que alterou o Plano Diretor do município, permitindo a construção de um grande condomínio no local pela empresa Arado Empreendimentos Imobiliários. Após mobilização de grupos ambientalistas e moradores do Extremo Sul, o Ministério Público (MP) promoveu ação pública contra o município e a empresa, declarando a ilegalidade da lei e de todo o processo que levou à sua edição.
A sentença foi concedida pela Justiça em 19 de dezembro de 2019, suspendendo a mudança no Plano Diretor. A Lei do Arado foi aprovada sem conhecimento a participação da população, argumentou o MP. Além disso, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) apresentado pelo empreendedor traz inconsistências técnicas que são alvo de investigações cíveis e criminais em andamento junto ao MP e a Delegacia do Meio Ambiente (DECA).
A campanha Preserva Arado Agora, composta pelo Movimento Preserva Belém Novo, pelo Coletivo Ambiente Crítico, pelo Instituto Econsciência e com apoio de diversas entidades ambientalistas da Capital, manifestou repúdio ao novo projeto que coloca em pauta novamente a mudança do regime urbanístico. “Alertamos quanto a manobra imoral e legalmente questionável do vereador Wambert Gomes Di Lorenzo (PTB) que pretende ‘passar a boiada’ para legitimar a urbanização no Extremo Sul da Capital através do PLCL 16/20. Entendemos que esse projeto de lei objetiva solapar a importância da preservação da Fazenda Arado Velho, bem como evitar o amplo diálogo do tema pela sociedade”, afirmam.
“Perto da eleição e do Natal e Ano Novo é que vem esses projetos”, critica o ambientalista Felipe Viana, do Instituto Econsciência. Ele destaca os indícios de fraude nos laudos apresentados pela Arado Empreendimentos Imobiliários, que comprou a fazenda em 2010 e desde então busca formas de tocar o mega empreendimento. “O Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) deles subestimou a biodiversidade e omitiu algumas informações que ambientalmente seriam mais limitantes à urbanização da fazenda”, afirma.
O contra laudo que contesta o EIA-RIMA da Arado Empreendimentos Imobiliários foi feito por Rualdo Menegat, autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre. “A parte geológica é o principal erro que tem no estudo deles, que beneficia a eles”, aponta Felipe.
Além disso, há o novo componente da retomada guarani da área. Diversos conflitos já foram registrados, com ameaças, tiros e cercamento do local onde vivem as famílias indígenas, impedindo-os de terem acesso a água potável. Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) garantiu a permanência do grupo no local e determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) inicie o processo de identificação a fim de avaliar se a terra pertence ou não aos indígenas.
O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI Sul), Roberto Liebgott, conta que a comunidade ocupou o local conhecido como Ponta do Arado em 2018, lá se instalou e requereu junto aos órgãos públicos a demarcação da terra. “Concomitante a isso houve ações judiciais contra os indígenas, e essas ações estão suspensas até que a FUNAI proceda com os estudos de identificação e demarcação da área”, explica.
Ele destaca ainda os direitos constitucionais dos povos indígenas. “Nesse contexto de disputa de posse e propriedade, pela Constituição Federal no artigo 231, as terras quando são caracterizados como de ocupação indígena, elas são de usufruto exclusivo dos povos indígenas”, afirma. Ressalta que o direito originário é inalienável, não pode ser substituído ou trocado, é indisponível, ou seja, só o povo indígena pode dispor desse direito, e que qualquer título de posse ou propriedade do território é declarado nulo pela Constituição.
Para advogada e integrante do coletivo Preserva Belém Novo, Michele Rihan Rodrigues, a atual proposição legislativa do vereador Wambert “é no mínimo estranha”. Ela argumenta que o vereador busca ratificar uma lei que teve todo processo legislativo declarado ilegal em primeira instância. “O processo ainda está tramitando, então só isso já causa um desconforto e desconfiança em relação a intenção do Projeto de Lei 16/2020”, avalia.
Carta aos candidatos
O Preserva Belém Novo redigiu uma carta aos candidatos e candidatas à prefeitura e Câmara de Porto Alegre, trazendo demandas que são fruto da caminhada coletiva e da observação de necessidades levantadas por moradores do bairro Belém Novo, região Extremo Sul e de toda Porto Alegre. Nela, destaca que “a Fazenda do Arado é um patrimônio especial, tendo em vista que agrega, em um mesmo local, uma diversidade de elementos naturais e culturais que lhe conferem alta significância patrimonial. Estes elementos são ainda permeados pela imaterialidade da história e das memórias, dos saberes e dos fazeres relativos aos processos de vida vinculados ao sítio”.
“A carta busca qualificar a participação da cidadania nas propostas para políticas públicas na questão ambiental e em outras diversas também. Foram pontuadas questões de segurança, saúde, educação, cultura, temas necessários para a região, para o bairro e para a cidade como um todo”, afirma Michele.
Segundo ela, existem alternativas que não são necessariamente inviáveis economicamente, mas “são possíveis desde que os tomadores de decisão olhem com outros olhos para os bairros e periferias e queiram fazer algo que realmente agregue informação qualificada, cultura e entretenimento para as pessoas, sem que elas precisem se deslocar grandes distâncias, sem que precisem gastar valores que a gente sabe que a maioria da população não tem. E a questão ambiental é caríssima no sentido que nós defendemos um ambiente equilibrado para viver e para garantir para as futuras gerações uma cidade mais humanizada e mais cidadã”.
A carta é dividida em três blocos de demandas ambientais. Para a cidade, traz propostas como valorização e investimentos na estrutura da Secretaria Municipal de Meio Ambiente; fortalecimento da fiscalização, do licenciamento ambiental e dos quadros técnicos; monitoramento, fiscalização e avaliação da qualidade do ar; plano de arborização e manejo da vegetação das áreas urbanas e rurais; retomada do Viveiro Municipal de Porto Alegre; plano de manejo da vegetação das áreas de orla e da fauna silvestre; retomada da educação ambiental; criação de conselhos locais de Meio Ambiente e de uma Unidade de Conservação de toda orla do bairro Belém Novo.
Para os bairros do Extremo Sul são demandas como melhorias e cuidados com as praças; proteção e fiscalização da orla nos bairros da região; monitoramento das águas das praias durante o ano todo; instalação de sede de fiscalização ambiental na região; melhoria da rede elétrica usando técnicas que garantam a segurança de animais silvestres; melhorias na rede de esgoto; instalação de ao menos um ponto de coleta de resíduos; plano de acessibilidade na região; ampliação da Atenção Básica de Saúde; instalação de farmácia distrital; implementação de atividades culturais regulares; ampliação do transporte público; instalação de sede da Guarda Municipal.
Traz ainda demandas da cidade e da cidadania, entre elas o fortalecimento e estruturação para funcionamento dos conselhos municipais; criação de planos regionais para a cidade vinculados ao Plano Diretor; criação de plano municipal de acessibilidade digital; incentivo e melhoria da coleta e separação de resíduos; capacitação e incentivo de cidadãos e estudantes da rede municipal para realização de compostagem e criação de hortas públicas; projetos para população de baixa renda para ampliar alternativas individuais de captação de água da chuva; valorização dos artistas locais e criação de convênios para viabilizar espaços públicos para apresentações artísticas e culturais; Identificação visível que diferencie servidor público de serviço terceirizado.
Acesse a carta com as propostas na íntegra aqui.
Edição: Katia Marko