Impossível saber qual o resultado das eleições de domingo, mas há um clima positivo no ar
Tarde de 14 de novembro de 1988. Véspera das eleições municipais, véspera de feriado. A coordenação de campanha de Olívio Dutra e Tarso Genro, do Partido dos Trabalhadores, em Porto Alegre, resolve fazer uma caminhada de reta final de campanha pela Rua da Praia, a mais conhecida rua da capital gaúcha. Todo mundo se juntou na Praça da Alfândega, no Centro. Centenas de militantes. Silenciosamente. Não era permitido qualquer tipo de som, nem mesmo megafone.
Olívio Dutra à frente, a caminhada foi engrossando. Havia muita energia no ar. Um frêmito atravessava corpos, mentes, corações. Nos últimos metros antes de chegar na Esquina Democrática, a caminhada em crescimento, o povo, que lotava a Rua da Praia, começou a parar, a olhar para todas e todos, especialmente para Olívio. E começou a fazer gestos de apoio e a aplaudir espontaneamente. Em todas e todos que estávamos na caminhada, cresceu a certeza: vamos ganhar a eleição. Era a senha da vitória.
Foi algo inacreditável. E inesquecível. Era a segunda campanha para prefeito nas capitais, com participação do PT, depois da ditadura, onde os prefeitos das capitais eram nomeados pelos generais. O gesto e a resposta espontânea do povo na rua foram confirmados no dia seguinte, 15 de novembro de 1988: vitória, vitória, vitória. Não só em Porto Alegre. Também em São Paulo, com Luiza Erundina, e em Vitória, com Vitor Buaiz.
Um novo tempo, depois das Diretas-Já e em meio à Constituinte, a democracia renascendo e sendo confirmada, com Orçamento Participativo, o retorno da participação popular. Porto Alegre foi sendo conhecida e reconhecida no mundo. Nos anos 2000, o primeiro Fórum Social Mundial (FSM) aconteceu em Porto Alegre, já no governo Olívio Dutra/Miguel Rossetto, governador e vice, ‘um outro mundo possível’.
Sábado, 7 de novembro de 2020, carreata Manuela D’Ávila/ Miguel Rossetto, candidatos a prefeita e vice pela aliança PCdoB/PT em Porto Alegre, na Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre. Registro: o PT nunca perdeu eleição desde 1988 na Lomba, nem a de 2018, com Haddad/Manu. Ganhou no primeiro e segundo turno.
Centenas de militantes, dezenas de carros serpenteando nas ruas da Vila Mapa e arredores, pelos caminhos das paradas 8 e 9, pela Vila Santa Helena, São Pedro, Bonsucesso, Panorama. Antigos militantes, como Seu Zé da Lomba, Dona América, Seu Melo, juntaram-se aos jovens, no mesmo entusiasmo da caminhada na Rua da Praia em 1988. À medida que a carreata avançava, o povo saía às ruas, acenava, pedia material de campanha, adesivos, bandeiras, gritava Manu, gritava Rossetto. O clima era o de 14 de novembro de 1988 na Rua da Praia.
De volta do confinamento por meses em casa de mamãe, Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul, por causa da pandemia, senti os pelos do corpo se arrepiarem, a alegria na cara, a energia saindo pelos poros, com o entusiasmo popular crescendo, a vitória sendo desenhada no horizonte e na vontade do povo.
Não sei o que vai acontecer domingo, mas sei que há algo no ar. O neofascismo está sendo derrotado/vai ser derrotado em muitos lugares, embora esta eleição seja muito diferente de tantas que já participei em quatro décadas. O contexto brasileiro, latino-americano e mundial tem muitas peculiaridades nunca antes vistas. A política foi sendo desacreditada, junto com as ameaças à democracia, ódio, intolerância e preconceito sem igual na história. Basta ver os acontecimentos dos EUA esta semana, um presidente não reconhecendo a derrota eleitoral. O que faz lembrar o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, quando não foi reconhecida sua legítima vitória em 2014, e tudo que se seguiu.
Impossível saber qual o resultado das eleições de domingo. Mas há, pelo menos em Porto Alegre, e por relatos, em outras grandes cidades no Rio Grande do Sul, um clima positivo no ar. A esperança parece estar voltando, assim como a percepção do eleitorado sobre o mal que está sendo feito e a desgraça que são o trumpismo e o bolsonarismo. Há visíveis sinais de desalento e desespero no campo da direita e ultra-direita, e suas derrotas na Bolívia, Chile, EUA e, quem sabe, no Brasil.
O que sei, com certeza, é que não se pode descansar até domingo. Nas poucas horas que faltam para o momento da votação, é preciso agir, agitar, tomar iniciativas. Quando, tarde da noite, depois do dia na rua, desde a madrugada, escrevo estas linhas, sinto de novo o frêmito no ar. Está viva a Porto Alegre do Orçamento Participativo, dos Conselhos Populares, dos Fóruns Sociais Mundiais, do povo soberano.
Talvez seja uma nova primavera democrática em plena primavera de luz e sol chegando. Nas horas restantes até as 17 horas de domingo, dia 15 de novembro de 2020, é obrigação política da militância do campo democrático-popular e de esquerda de todos os partidos e candidaturas ir pra rua, conversar com as pessoas, distribuir panfletos e esperança sem parar, lembrar de 1988 e dos anos seguintes, reavivar a memória da Porto Alegre capital da democracia, do sonho da utopia se realizando, do inédito viável de Paulo Freire.
Quem sabe o 15 de novembro de 2020, não só em Porto Alegre, mas em todo o Brasil, seja de um novo tempo em construção e de ESPERANÇAR.
Edição: Katia Marko