Rio Grande do Sul

PANDEMIA

Sem superar primeira onda de covid-19, RS se encaminha para novo surto

Projeção desenvolvida na Ufrgs estima um total de 1.436 mortes por coronavírus em Porto Alegre até o final de novembro

No final de outubro, os números da doença dispararam em Porto Alegre - Clóvis Prates/ Divulgação

UTIs lotadas, emergências fechadas por 24 horas, curva de novos contágios estável num patamar alto, mortes por covid-19 em alta. O cenário descrito podia bem ilustrar qualquer país da Europa afetado pela segunda onda do coronavírus, mas se trata de Porto Alegre: no final de outubro, os números da doença dispararam e o patamar de novos casos e de óbitos se aproximou dos índices de setembro – considerado o pico da pandemia.

Os dados da Prefeitura de Porto Alegre mostram que a curva de novas contaminações nunca diminuiu desde julho, quando a pandemia se acentuou. Pelo contrário: nas duas últimas semanas de outubro, entre os dias 15 e 27, foram 2.943 novos casos da doença, com pico de 408 casos no dia 19. O gráfico de mortes também não arrefeceu: foram 114 vidas perdidas em Porto Alegre no mesmo período de 15 a 27 de outubro, com ápice de 18 óbitos no dia 17.

No estado, o clima não é mais ameno. No final de outubro, o ritmo de novas contaminações estava em torno de 2,8 mil casos por dia – o recorde de registros diários foi em 19 de julho, com 3.078 casos. As mortes, embora tenham permanecido relativamente estáveis, estão num patamar alto, nos níveis de meados de setembro.

De acordo com o secretário-adjunto de Saúde de Porto Alegre, Nahan Katz, a estabilidade em patamar alto é um alerta. “Não é nada que não fosse possível de acontecer, tivemos uma curva de distribuição da doença diferente de outros lugares do mundo, então nada do que está acontecendo nos causa estranheza, mas realmente temos que ficar em alerta para ver se não vai acelerar muito de novo”, enfatizou.

Projeção da ferramenta Covid Analysis Tools, desenvolvida pelo Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), estima um total de 1.436 mortes por coronavírus em Porto Alegre até o final de novembro — no fechamento desta edição impressa do EC, em 30 de outubro, eram 1.262 mortes, de acordo com os dados oficiais da Prefeitura. Isso significaria, se confirmada a estatística, cerca de 185 óbitos a mais em 30 dias.

Hospital restringiu atendimentos de covid

No dia 27 de outubro, em meio ao avanço no número de casos, a UTI do Hospital Moinhos de Vento (HMV) fechou para novos pacientes durante 48 horas devido à superlotação – todos os 31 leitos destinados a pacientes com covid-19 estavam ocupados. O Hospital fechou outubro com mais atendimentos a casos suspeitos ou confirmados do que em setembro: foram 2.548 pacientes atendidos em setembro contra 2.714 de outubro.


Restrições nas UTIs para manter a qualidade e segurança / Clóvis Prates/ Divulgação

O HMV justificou a restrição na UTI para manter a qualidade, a segurança e os atendimentos na unidade para pacientes com outras enfermidades. A decisão, tomada pelo Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus, abrangeu também outras áreas de atenção ao coronavírus, como a unidade de internação e a emergência.

Os hospitais Cristo Redentor e Independência também apresentaram 100% de lotação em Porto Alegre na última semana do mês. O neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador do Comitê Científico Consórcio do Nordeste, alertou que a segunda onda no país “é iminente”. Segundo ele, não é possível dizer que o Brasil superou a primeira onda. “Mesmo assim, nada impede um segundo influxo de casos vindo de fora do país que projetar para um outro patamar, ainda mais alto”, advertiu.

O professor de Infectologia da Ufrgs, Alexandre Zavascki, diz que o ritmo das infecções não caiu em Porto Alegre, apesar das ocupações de UTIs terem apresentado redução. “A média de novos casos por dia da última semana de outubro foi próxima à do mesmo período de setembro”, informou.

O infectologista acredita que uma nova onda pode se acelerar a partir de dezembro, especialmente devido ao afrouxamento das regras de isolamento social e as movimentações tradicionais de final de ano. “O Brasil reproduz, de certa forma, o que acontece na Europa e também nos Estados Unidos, com algum atraso. Na Europa temos observado um aumento do número de notificações, embora com uma taxa de letalidade menor porque ela está ocorrendo mais entre pessoas mais jovens”, disse.

Testagem baixa e flexibilização

A aceleração coincide com o calendário de reabertura das escolas, parte do plano estadual de flexibilização do distanciamento controlado que vem sendo aplicado desde agosto. No início de outubro, as redes privada e pública foram autorizadas a abrir desde que apresentassem um Centro de Operações de Emergência para casos de contaminação. A região, além disso, deve estar em bandeira laranja há pelo menos duas semanas.

No final do mês, mais flexibilizações: eventos sociais e indústrias também estão autorizados a funcionar em regiões de bandeira amarela e laranja. Para as regiões de bandeira amarela, o público máximo permitido será de cem pessoas, entre trabalhadores e público, respeitando o teto de ocupação (8 metros quadrados por pessoa) e distanciamento estabelecido no modo de operação.

Na bandeira laranja, o público máximo permitido será de 70 pessoas (entre público e trabalhadores). Em ambos os casos (bandeiras amarela e laranja), os eventos devem ter, no máximo, 4 horas de duração. Em relação aos eventos sociais e de entretenimento em ambiente aberto, com público em pé, podem ocorrer em regiões que estiverem há 14 dias seguidos sem bandeira vermelha ou preta.

De acordo com o decreto, todos os setores da indústria poderão operar na capacidade máxima quando na bandeira laranja, desde que respeitados os protocolos obrigatórios e a portaria da Secretaria da Saúde que regulamenta a atividade desse setor durante a pandemia.

Falta de insumos nos hospitais

Em meio a esse cenário de liberação, a testagem continua não sendo prioridade em Porto Alegre. Foram realizados, até outubro, 134 mil testes RT-PCR e 47 mil testes rápidos – isso significa menos de 10% da população da capital. O coordenador do Laboratório de Biologia Molecular da Santa Casa de Porto Alegre, Alessandro Pasqualotto, diz que há várias limitações para que a testagem não seja massiva. “Mas não falta dinheiro”, assegura. No estado, o percentual é semelhante: 1,27 milhão de testes aplicados ou 10% da população do Rio Grande do Sul. Menos da metade desses testes foi RT-PCR.

“Faltam laboratórios de biologia molecular em nossos hospitais. Faltam insumos, em sua maioria importados. Falta pessoal qualificado. E falta organização, especialmente na articulação entre as ações dos setores público e privado. Gastamos muitos recursos com testes rápidos e capacitamos pouco as redes para testes de PCR, que são bem mais eficazes”, diagnosticou.

Na Europa, a segunda onda já é uma realidade. Mas com variações em relação à primeira. O Brasil, segundo os especialistas, deve se deter mais no que vem ocorrendo nos Estados Unidos do que na Europa para prever como será essa segunda onda. “O Brasil se manteve num patamar elevadíssimo desde o início da epidemia. Efetivamente, o que a gente tem é ainda uma primeira onda, onde a maioria dos estados registra um grande número de casos estáveis, mas sem redução considerável nas curvas. Em alguns estados, até com aumentos. Então, o que a gente vai chamar de segunda onda é uma consequência da primeira”, destacou Bernadete Perez, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).


Nicolelis: “os Estados Unidos tiveram um platô longo. Depois, tiveram uma segunda explosão, ainda na primeira onda, e agora estão com números muito parecidos com os do Brasil" / Reprodução/Redes Sociais

O neurocientista Miguel Nicolelis concorda: “Os Estados Unidos tiveram um platô longo. Depois, tiveram uma segunda explosão, ainda na primeira onda, e agora estão com números muito parecidos com os do Brasil. Com 44 mil, 45 mil casos por dia, variando entre 500 e em mil mortes por dia. Mas como a população lá é cerca de 50% maior, vemos claramente que a situação no Brasil é bem ruim”, destacou.

Edição: Extra Classe