Nas eleições municipais de 2020, no Rio Grande do Sul, apenas 12% das candidaturas autodeclararam-se como negras, pretas ou pardas. Isso significa que, a cada oito candidatos, apenas um será negro, preto ou pardo. Levando em consideração somente os candidatos ao cargo de prefeito, o cenário é ainda mais desigual: apenas 11 registros são de autodeclarados pretos (menos de 1%) e 30 são de pardos (cerca de 2%).
Em nível nacional, a situação é um pouco diferente: em todo o Brasil foram registradas 828 candidaturas pretas ao cargo de prefeito (4,28% do total) e 6066 candidaturas autodeclaradas pardas para o mesmo cargo (31,36% do total). Somados os registros de indígenas e amarelos, as candidaturas não brancas às prefeituras serão pouco mais de 36% do total.
Faltando menos de duas semanas para o primeiro turno das eleições, a tendência é que as atenções se voltem para a contagem de votos e os nomes eleitos ou que irão para o segundo turno. Porém, é necessário também prestar atenção aos dados das candidaturas e tentar compreender o que significam.
Questão da autodeclaração
Além de se analisar os dados quantitativos, é necessário entender o que significa o termo "autodeclaração" e algumas implicações que podem causar confusões, especialmente sobre o termo "pardo". A utilização desta nomenclatura segue um padrão aplicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que classifica a população no censo como pretos, pardos, brancos, amarelos e indígenas.
Entrevistado pelo Portal Geledés, o pesquisador José Luiz Petruccelli afirma que o tema é muito polêmico, pois envolve visões divergentes. Afirma que a atual classificação usada pelo IBGE segue uma série histórica (o primeiro censo, realizado há mais de 100 anos, trazia as classificações preto, pardo, caboclo e branco) e que mudanças poderiam prejudicar comparação dos dados em série histórica. Lembra também que existem críticas à utilização destes termos, levantando a necessidade de utilização do termo negro. Ele defende que a identidade do negro leva em conta uma identidade social, com um povo e uma visão política, muito mais do que uma questão de cor da pele. Segundo sua opinião, não é correto reunir pretos e pardos em um único grupo representando os negros: “Existe diferença no comportamento social entre pretos e pardos: quanto mais escuro, mais discriminado”, afirma.
Ainda segundo Petruccelli, quando o IBGE faz o censo, e questiona as pessoas sobre sua autodeclaração, significa que há a liberdade para dizer a sua classificação. Ele explica, normalmente, aqueles que se classificam como pretos são as pessoas com a cor da pele mais escura. Mas, em relação aos que se definem como pardos, não há consenso, ficando essa classificação com as pessoas que não são consideradas tão escuras. Muitas vezes, são essas pessoas que irão se afirmar como "morenas" ou "mulatas", havendo muitas variações regionais.
Para a cientista social Edna da Rocha, mestranda em ciência política pela Universidade Federal de Pelotas e ativista pelos direitos das mulheres negras, no Brasil, o racismo se dá pela cor da pele. Ou seja, existe a tendência de, quanto mais escura for a cor da pele, maiores as possibilidades dessa pessoa sofrer os efeitos do racismo e da discriminação racial. Edna afirma: "Historicamente, a população negra sofre a discriminação racial na sua pele, inclusive no Rio Grande do Sul que ainda exalta as culturas de ascendência europeia". A partir da fala dos dois especialistas, é possível levantar o questionamento de que, o fato de haver mais de uma forma de se referir às populações afrodescendentes, tal qual o termo "pardo", pode ser um jeito que essas pessoas encontraram de se proteger das manifestações do racismo.
Edna lembra também que, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral, aumentou a autodeclaração racial. Segundo ela, esse fato pode estar relacionado com a garantia do financiamento de candidaturas negras, recentemente aprovada pelo Superior Tribunal Federal já para as eleições de 2020.
"Se fizermos uma pesquisa atenta, verificaremos que muitos candidatos mudaram o seu pertencimento racial (candidatos que se autodeclaravam brancos mudaram para negros nesse pleito). Os privilégios de quem é lido como branco nessa sociedade é que têm permitido a existência desse tipo de fraude - o mesmo ocorre com as cotas raciais no ingresso ao serviço público e na universidades."
A cientista afirma que, para haver mudanças nesse cenário, é fundamental que candidaturas negras tenham a possibilidade de disputar as eleições e de serem eleitas. Afirma também ser necessário que essas candidaturas não somente sejam ocupadas por pessoas negras, mas estas também sejam comprometidas com a transformação da realidade.
Desigualdade refletida nas estatísticas eleitorais
Edna lembra que a desigualdade da quantidade de candidaturas negras reflete a desigualdade racial existente no país e no estado do Rio Grande do Sul. Ela lembra que esta região do país teve uma contribuição fundamental do povo negro em sua formação social, ao mesmo tempo em que manteve a representação desse grupo social invisibilizada, enquanto privilegiou em sua narrativa os feitos da população de ascendência europeia.
"O racismo vigente no estado ocultou as contribuições da população negra, de forma que isso se expressa na baixa representação política desse segmento social. São os mesmos rostos dos mesmos grupos políticos que dominam os espaços de poder", afirma. Segundo os últimos dados levantados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), a população negra do Rio Grande do Sul é cerca de 18%, enquanto as candidaturas negras serão em torno de 12% do total. Esta informação leva em conta a quantidade de candidaturas de vereadores, pois, ao analisar os dados dos prefeitos autodeclarados negros, o número cai para menos de 1%.
Edna ainda traz a reflexão sobre como se dá o recrutamento dos candidatos dentro dos partidos, além de questionar sobre a distribuição do fundo partidário no interior dos partidos. "Os poucos estudos sobre a questão apontam que em geral os partidos dão maior aporte financeiro aos perfis tidos como padrão na sociedade brasileira", afirma.
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Edição: Katia Marko