Precisamos reconstruir a soberania e a solidariedade, entre nossos povos e em seus territórios
Semana cheia. Lula, nosso cidadão com mais realizações no currículo e mais admirado internacionalmente, fez 75 anos com seus direitos políticos cassados. E permanece sob ameaça de voltar à prisão, sem culpa e sem provas. E ainda assim, golpistas e omissos de toda ordem o temem, e sofrem com isso. Queriam ele morto. Mas ele não morre. Ele cresce, personificando a ideia de que cada um e todos podemos fazer a diferença.
A ideia poderosa de que basta resistir, na verdade, para vencer, deve ser mesmo insuportável para os oportunistas e mentirosos. Imagino o quanto sofrem com isso sociólogos ilustres, desembargadores cabisbaixos, ex-juízes golpistas e puxa sacos de todo quilate. Imagino como sofrem as famiglias que representam o império, em particular aquelas que não conseguem mais curtir em paz suas rachadinhas, totozinhos, fabulosas lojas de chocolates e as gordas chuvas de emendas parlamentares.
Entende-se, no aniversário de Lula, que o ministro astronauta do governo terraplanista, assim como a mulher da goiabeira, os generais sanitaristas e “ambientalistas”, e até o menino da porteira, que passava boiadas, esmaeçam tristes e sumam dos noticiários, em sua inutilidade, como a cloroquina.
Que semana.
E o presidente Bolsonaro, inquieto, decidiu acabar com o SUS. Como é de sua índole, se posicionou com aquela firmeza definitiva no que tange a qualquer questão. E, como sempre, logo mudou radicalmente de opinião. Felizmente. Sem o SUS, para ficar num exemplo simples, esquecendo os milhares de contaminados pela covid-19, o serviço de ambulâncias iria sumir e por baixo, digamos nas próximas facadas, fakes ou não, eleitores morreriam esperando pela assistência privada. Por isso, desperto, o presidente seguindo seu estilo guerreiro, deu meia volta e avançou. Sim, porque o mito não se engana, não titubeia, não recua, só avança. Como as avestruzes do Palácio, na mesma semana, lá estava ele na rua, sem máscara, sugerindo ao povo que compre arroz na Venezuela, e que vá tomar vacina em Cuba, porque aqui é ele quem manda e é assim que é isso daí, aqui, pô.
Para fechar a semana, entre tantos assuntos, optei por tratar das queimadas nunca vistas na história deste país. Só no Pantanal que, segundo a ministra da Agricultura é protegido pelas vacas, e que segundo outros, sendo área úmida, não queima, o fogo destruiu 290 mil km2. O que houve ali? E porque aconteceu o mesmo, em diferentes proporções, na Argentina, na Bolívia, no Paraguai, no Uruguai e afinal, em toda pátria sojeira?
Em reunião promovida por algumas organizações ambientalistas da América Latina, dia 29/10, pesquisadores trouxeram a hipótese de que, por sua simultaneidade, coerência e implicações, os incêndios no Brasil, na Bolívia, no Paraguai e na Argentina responderiam a uma mesma objetividade. Impulsionando aqueles ecocídios, agentes locais cooptados por interesses internacionais fragilizariam legislações, suspenderiam esquemas protetivos ao ambiente natural e facilitariam o avanço do fogo, de maneira a agilizar processos de dominação territorial.
Em outras palavras, os incêndios seriam úteis para grupos que estariam promovendo o que ocorre, em todos estes países. O fogo atuaria como ferramenta destinada a abrir espaços para expansão acelerada do agronegócio predador, do mercado de imóveis rurais e da mineração, sobre terras novas. A destruição de áreas de preservação ambiental, de reservas indígenas e de territórios com restrições para avanço das monoculturas de exportação, em todos os países, ilustraria um fato simples: para o capital internacional as fronteiras deixaram de existir, os direitos humanos perderam o sentido e a ideia de soberania das nações e seus povos, viraram fumaça. As elites locais, felizes no papel de capitães de mato, de zeladores de interesses alheios, lamberiam botas para garantir um lugar nas cinzas.
Elas e seus fantoches, aqueles com complexo de vira-latas, seriam a base de sustentação de governos que destroem os recursos naturais, os patrimônios públicos e as instituições nacionais. Indivíduos a serviço da neocolonização da América do Sul ocupariam espaços em todas as faixas de renda e poder. Atuando como pessoas incapazes de se adaptar ao mundo, tratariam de modificá-lo, para melhor servir aos interesses dos grandes senhores que comandam tudo de fora. Estes grupos, milícias subalternas, estariam em ascensão em várias partes do mundo e contra eles se ergueriam populações conscientes, como verificado em movimentos deste mês, na Bolívia, no Chile, na Argentina e até na Colômbia. Estaria em andamento verdadeiro choque entre a vida e a morte, a luz e a escuridão, entre nacionalistas e entreguistas.
Para os oportunistas com problemas de caráter, a morte dos idosos por bloqueio a uma “vacina chinesa”, o condenado culpado sem provas, os processos engavetados, a grana na cueca e o fogo no Cerrado, na Amazônia e no Pantanal são “coisas da vida”, elementos válidos que sustentam a lógica criminosa de sua meritocracia enviesada, onde levar vantagem é o que interessa. Para eles isto justifica avançar aos trambolhões, sem qualquer observação aos limites biológicos, ecológicos, éticos, morais, espalhando destruição sobre todas as dimensões da vida. Como esperar qualquer respeito deste tipo de gente, e de governo por eles capturado, aos direitos humanos, ao ciclo das águas, aos limites de resiliência dos ecossistemas, se não respeitam a si mesmos?
No evento acima referido os expositores concluíram que não há o que esperar. Há que se assumir como humano, e agir. Neste sentido, como alertou o poeta paranaense Leminski, só há uma verdade, só há um segredo, está tudo na cara. Seguindo neste rumo, com a escuridão avançando sobre todos os países do Cone Sul, resta claro que algo deve ser feito, a partir de já. A hora é agora e todo lugar é espaço para trabalhos urgentes. Em cada movimento há que agir pela recuperação da consciência e do protagonismo, em cada família e cada bairro. Reconstruir a soberania e a solidariedade, entre nossos povos e em seus territórios, refazendo na América a utopia da pátria grande, com necessidades e interesses comuns que se sobrepõem às vontades do império e seus capatazes.
Como? Reaprendendo a ler e a conversar. Tratando de contribuir para a desalienação de cada amigo, cada parente e cada vizinho, a partir do básico. Com paciência. Lembrando da nossa vida, há tão poucos anos, quando havia políticas públicas que não respondiam apenas a interesses privados. Quando não havia dúvidas de que a terra é redonda, gira em torno do sol, e desenvolve vidas que dependem de água limpa, ambiente sadio e relações de solidariedade e reciprocidade. Aqueles bons tempos, quando a universidade não era um sonho impossível e o povo brigava por vinte centavos na passagem de ônibus que até ar condicionado ofereciam.
E na prática, ajudar a eleger, este mês, vereadores/as e prefeitos/as antifascistas, comprometidas/os com saúde, com a qualidade de vida, com a proteção ambiental e com os direitos humanos. Representantes públicos decididos a retomar e ir além do que tínhamos nos governos Lula e Dilma. E depois, vamos eleger deputadas/os, senadoras/es, governadoras/es que estabeleçam bases para que a partir de 2022 governe o Brasil alguém que mereça o respeito e admiração de todos os indivíduos, grupos e povos, que engrandecem, com suas, singularidades e cultura, a história deste grande e amoroso pais.
Por necessidade e denuncia, vale lembrar que em Porto Alegre, esta semana, um senhor que reclamou das queimadas na Amazônia e no Pantanal, foi surrado na rua por apoiadores do presidente da República. Na mesma semana, ambientalista, militante do MST, que defendia as mesmas causas, foi sequestrado e morto a tiros, no Paraná. Supondo que o gaúcho sobrevive porque haviam pessoas em volta, e que o paranaense morreu porque não estava acompanhado, resta recomendar: enquanto o fascismo crescer, não permita que seus filhos e filhas andem sozinhos pelas ruas do Brasil. Precisamos resistir, unidos, para existir.
Edição: Katia Marko