Rio Grande do Sul

Coluna

Política e ternura

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“Deixe-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor.” Che Guevara - Divulgação
“Tire sua raiva do meu caminho, que eu quero passar com meu amor”

A frase do Papa Francisco, no Capítulo V – A POLÍTICA MELHOR, da Encíclica ‘FRATELLI TUTTI – Somos todos Irmãos e Irmãs!’ é marcante, senão histórica: “194. Na política, há também lugar para amar com ternura. Em que consiste a ternura? No amor, que se torna próximo e concreto. É um movimento que brota do coração e chega aos olhos, aos ouvidos e às mãos. (...) A ternura é o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosos e fortes.”

Diz mais o Papa Francisco: “154. Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum. Mas hoje, infelizmente, muitas vezes a política assume formas que dificultam o caminho para um mundo diferente.” E no número 180: “Política e caridade. Trata-se de avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade social. Convido mais uma vez a revalorizar a política, que ‘é uma sublime vocação’, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum’.”

A menos de duas semanas da eleição municipal de 2020, falar de política e ternura, quando os ânimos estão mais que acirrados, onde, muitas vezes, se contam mentiras, se jogam calúnias e injúrias sobre determinadas candidaturas, parece completamente fora de hora e sem sentido.

Mas não é qualquer um falando. É o Papa Francisco. Em tempos de ódio, intolerância e preconceitos, faz-se necessária, urgente, uma espiritualidade libertadora a serviço da vida e uma política transformadora: “(186) É caridade acompanhar uma pessoa que sofre, mas é caridade também tudo o que se realiza – mesmo sem ter contato direto com essas pessoa – para modificar as condições sociais que provocam o seu sofrimento. Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece sua ação política.”

A ternura, contudo e no entanto, não significa não indignar-se e deixar de anunciar a verdade profética. Jesus chegou no templo em Jerusalém e expulsou os vendilhões, dizendo: “A minha casa será chamada casa de oração, e vós fizestes dela um covil de ladrões” (Mt, 21,12) E então, conta Mateus, ‘aproximaram-se dele no templo cegos e coxos, e Jesus os curou’. Primeiro, o gesto profético necessário, a denúncia. Depois, a solidariedade e a ação concreta. A Pedagogia da Indignação e a Pedagogia da Esperança de Paulo Freire.

O Papa Francisco lembra, inclusive, Vinícius de Moraes e seu Samba da Bênção na Encíclica: ‘A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida.’

Diz o Papa Francisco no último parágrafo do Capítulo V: “197. Vista desta maneira, a política é mais nobre do que a aparência, o marketing, as diferentes de maquiagem midiática. Tudo isto semeia apenas divisão, inimizade e um ceticismo desolador incapaz de apelar para um projeto comum. Ao pensar no futuro, algum dia as perguntas devem ser: ‘Para quê? Para onde estou realmente apontando? ’Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: ‘Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim?’ As perguntas, talvez dolorosas, serão: ‘Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?’ 

Termino com duas frases. Do argentino Che, como o argentino Papa Francisco: “Deixe-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor.” E a frase na camiseta usada por Manuela D’Ávila na campanha eleitoral em Porto Alegre: “Tire sua raiva do meu caminho, que eu quero passar com meu amor.”

São tempos de política. Podem/devem ser tempos de ternura e caridade social. De esperançar. De sonhar e construir um novo tempo e uma nova sociedade, da fraternidade, da paz, da igualdade, da justiça. Irmãs e irmãos de luta. Companheiras e companheiros de utopia.

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Edição: Katia Marko