O Brasil de Fato RS e a Rede Soberania convidaram os candidatos da cidade de Santa Cruz do Sul, Frederico (PT) e Manu (PCdoB), para fazer um debate sobre suas propostas para cidade. A conversa faz parte da série "A Cidade que Queremos", que vem trazendo os candidatos do campo da esquerda para apresentarem suas propostas e ideias nas eleições municipais das principais cidades do Rio Grande do Sul. Os convidados são candidatos pela coligação "Santa Cruz da Gente".
Santa Cruz do Sul
Segundo o site da prefeitura de Santa Cruz do Sul, os primeiros registros de movimentação na região datam ainda de 1840, quando ainda fazia parte da cidade de Rio Pardo. As terras ocupadas por imigrantes foram cedidas pelo Império, através de leis de incentivo à esses estrangeiros que se estabeleceram na região hoje conhecida no município pelo nome de Linha Santa Cruz. Existem registros de produção de feijão, fumo, milho, batata, cevada e linho. Porém, desde essa época o tabaco se apresentou como um produto de grande produtividade.
Hoje, grandes fumageiras internacionais e nacionais estão instalados no município, atraindo muitos agricultores para essa produção. São muitos os danos quando as empresas decidem diminuir o preço pago por este produto, pois muitas famílias abandonam a produção de alimentos para se dedicar somente ao fumo. Em dados de 2015, eram cerca de 2,6 mil proprietários e 3,4 mil famílias envolvidas com essa cultura, em propriedades de tamanho médio de 12 hectares.
Ao mesmo tempo, é muito forte a presença de pequenos agricultores e famílias que empreendem a produção de alimentos. Muitos deles têm uma matriz de produção agroecológica, em uma região de grande concentração de minifúndios.
Segundo a prefeitura, a indústria do fumo ainda é a principal fonte de empregos e renda do município. Porém, existem ainda cerca de 600 indústrias instaladas, grande parte delas operando às margens das rodovias que cortam o município, principalmente a BR 471. Santa Cruz do Sul está entre as dez maiores cidades e maiores economias do estado, contando com mais de 120 mil habitantes, de acordo com o censo de 2010. O município está localizado no Vale do Rio Pardo, na região central do Rio Grande do Sul, cerca de 150 km distante de Porto Alegre.
Frederico e Manu
Frederico de Barros tem 27 anos, é jornalista e sócio de uma pequena empresa. É filho de uma professora e de um trabalhador bancário e atualmente exerce o cargo de presidente do diretório municipal de seu partido. Sobre sua origem, ele afirma: "eu venho de uma família de militantes do Partidos dos Trabalhadores, que ajudaram a fundar seus respectivos sindicatos e sempre atuaram no PT".
Frederico lembra que esta candidatura é a única de esquerda no município, sendo também a única a não ter alinhamento com os governos federal de Bolsonaro e estadual de Leite: "me consideram um jovem lutador e sonhador, que quer construir um mundo melhor a partir da nossa cidade".
Manu Mantovani se apresenta como uma mãe, jornalista e dona de casa. Ela é mestra em desenvolvimento regional e também doutoranda no mesmo tema. Considera muito importante que as mulheres ocupem seus espaços na política e que o papel que ocupa hoje, de participar de uma campanha para a prefeitura, é parte de um compromisso de abrir caminhos para as próximas gerações de mulheres na política.
Ela tem 41 anos, fazendo sua militância política desde os 16 anos, e diz que, "apesar de todas as propostas que temos para a cidade e todos os debates que temos feito, muito tem se falado na cidade sobre a nossa candidatura ser muito jovem. Porém, nós temos muita experiência, eu tenho a minha militância política já faz 25 anos".
De fato, ao olhar as estatísticas das eleições municipais de 2020 no Rio Grande do Sul, onde mais de 60% dos candidatos à prefeito têm entre de 45 e 64 anos, percebe-se que a candidatura de Frederico e Manu destoa desta estatística. Apenas 18 candidatos em todo o estado têm até 29 anos. Além disso, menos de 15% dos candidatos a vice-prefeito têm entre 40 e 44 anos.
Manu ainda fala sobre a indignação com o atual estado de coisas que movimenta a campanha na cidade: "Temos que ter coragem de fazer a diferença em tempos de um governo autoritário e desastroso. Temos um projeto de perseguição à esquerda, o momento requer coragem pra enfrentar essas batalhas que começam nos municípios e se estendem no caminho de derrotar este projeto que se instalou no Brasil".
Confira a live completa e um resumo com os principais pontos debatidos:
Educação
Frederico - A gente considera fundamental, neste momento, construir um projeto pedagógico de recuperação das aulas, com segurança. Não podemos ter um retorno apressado, nossas escolas estaduais sofrem com a falta de infraestrutura, não temos como garantir um retorno seguro se em alguns locais faltam sabonete, não podemos permitir o estabelecimento de uma segunda onda de contaminações de pais, maẽs, alunos, educadores e educadoras.
Além disso, eu penso que é fundamental democratizar e qualificar a gestão, através de uma escuta permanente, trazendo a comunidade escolar. Temos um grande problema hoje de evasão escolar, precisamos ajudar esses jovens a construir um caminho de futuro, o poder público precisa escutar as necessidades destes jovens. Precisamos garantir também políticas de auxílio, como é a alimentação escolar com alimentos adquiridos através da agricultura familiar. Precisamos também garantir o piso dos professores.
Manu - Um ponto principal na construção do nosso plano de governo foi o objetivo de construir uma educação democrática e popular em Santa Cruz. A partir disso, temos pensado em diferentes perspectivas: a valorização dos profissionais da educação é uma, a infraestrutura, outra.
Sabemos que o investimento em educação que dá mais retorno é o que se faz no profissional. A infraestrutura é fundamental, precisamos de condições nas nossas escolas, bem como o acesso a tecnologias, o que ficou demonstrado agora na pandemia. Mas o investimento no profissional ainda é o que mais dá retorno. Recentemente, conversei com uma professora do município sobre a defasagem do salário, é um problema muito presente aqui.
Além disso, existem outras questões também, como a educação infantil. Existe a ideia de que a vaga na creche é um direito dos pais que trabalham, mas a vaga na creche é um direito da criança, independente dos pais trabalharem, e tem que ser garantido. Temos hoje na cidade 100 crianças esperando uma vaga em creche, isso das famílias que se inscreveram, pois há muitas famílias que nem se inscrevem. Queremos garantir isso para dar autonomia para estas famílias ao mesmo tempo que garantimos a segurança alimentar dessas crianças.
Saúde
Frederico - Primeiro, eu queria deixar registrada a tentativa do governo Bolsonaro tentar destruir um patrimônio do povo brasileiro que é o Sistema Único de Saúde. Isso mostra um descomprometimento do governo federal com a saúde das pessoas, ainda mais em uma pandemia.
Hoje nós temos propostas concretas para a saúde, temos andado pelas ruas e as pessoas têm nos reclamado muito. A cidade é tida como um polo regional de saúde, mas nós achamos que isso não é total verdade, há muito o que ser feito. Nós temos um plantão de atendimento 24 horas na região da sul da cidade que foi fechado por interesses políticos do prefeito. Isso penalizou todo mundo que mora naquela região, queremos retomar o atendimento neste hospital. Queremos valorizar os agentes comunitários de saúde e estabelecer programas de saúde preventiva com associações empresariais, sociais e sindicatos, bem como descentralizar o funcionamento da farmácia municipal.
Manu - Queria deixar registrado que eu ouço seguidamente dos profissionais da saúde com quem converso que o melhor plano de saúde que existe é o SUS, ele é gratuito e universal. Infelizmente, ele não chega para todas as pessoas em todos os municípios. Em Santa Cruz, mesmo sendo uma das 100 cidades mais ricas dos Brasil, muitas vezes faltam pediatras ou ginecologistas, por exemplo.
No Brasil, a gente investe muito em resolver doenças. Mas nós temos um plano de investir em saúde, isso significa ter os agentes comunitários e de saúde da família, alimentação de qualidade e saudável, assistência social, saneamento básico. É toda uma rede que temos que fortalecer para prevenir o adoecimento.
Outro ponto que queremos tocar é dos conselhos municipais de saúde. Os conselhos são hoje um espaço representativo e participativo muito importantes. O Conselho de Saúde precisa ser valorizado, queremos trabalhar em parceria e não tratá-lo como inimigo ou oposição.
Mobilidade Urbana
Manu - Esta questão está complexa em todos os municípios, e foi muito piorada pela pandemia. Era um problema que já existia e que foi agravado, o preço aqui na cidade praticamente dobrou nos últimos anos, está em R$ 4,00, um valor próximo de Porto Alegre, uma capital, com um dos transportes mais caros do Brasil. Em Santa Cruz há muita dificuldade, várias regiões não são atendidas e com a pandemia, ainda, algumas linhas foram suspensas. Então temos esse desafio de qualificar o transporte coletivo da cidade. Aqui ele é privado, não é público, mas tem que haver uma contrapartida do município para garantir a gratuidade dos idosos, a meia passagem do município e garantir que não seja esse preço absurdo atual.
Além disso, Santa Cruz tem uma frota imensa de carros, cerca de 80 mil veículos. Precisamos incentivar o uso de transportes alternativos, seja por aplicativo, transporte coletivo ou mesmo a bicicleta. Santa Cruz é uma cidade com uma área não muito grande, o deslocamento entre diversos bairros é possível de ser feito de bicicleta, havendo vias de qualidade e seguras para isso. O trânsito na cidade é muito complicado em função do excesso de veículos, precisamos enfrentar este tema com este meio menos poluente.
Frederico - O problema da passagem quase chegou a inviabilizar que os trabalhadores da cidade utilizem os ônibus. Em 2013, o preço da passagem era de R$ 2,25, hoje é R$ 4,45. Com mais 5 centavos, nós teríamos um aumento de 100% em 7 anos. Hoje, com as outras possibilidades que temos, como os aplicativos de carros, acaba sendo impensável esperar os ônibus, que muitas vezes vêm cheios ou não param. Vamos implantar uma política de valorizar o transporte público, a começar pelo enfrentamento do preço abusivo.
Na cidade nós também temos um fenômeno que é o das "super paradas". São pontos de ônibus colocados em regiões onde transitam os turistas. São muito bonitas, e necessária também. Só que nós não vemos esse mesmo cuidado na cidade como um todo. Quando falamos em desigualdade social, ela se expressa em vários detalhes do município. Eu moro no centro, eu vejo as super paradas, mas quando vou em algum bairro às vezes encontro pontos de ônibus que são um pedaço de alumínio com um banquinho, quando tem. No interior o acesso é ainda mais difícil. Nosso desafio é esse, um transporte mais barato e acessível, privilegiando aqueles que mais precisam.
Geração de emprego e renda
Manu - Santa Cruz ainda tem muitas indústrias, e nós sabemos que a indústria ainda é o setor que oferece os melhores empregos, com proteção e direitos trabalhistas. Infelizmente, a quantidade de empregos na indústria tem se reduzido, principalmente com a substituição da força de trabalho pelas máquinas. A pandemia ainda veio agravar uma situação que já era ruim. E daí nós vemos difundida a ideia de que a saída para o desemprego é o empreendedorismo, é tu seres dono do teu negócio. Nós entendemos que não é bem assim.
É muito bom que as pessoas queiram ter sua própria empresa e abrir seu negócio, mas nós sabemos que muitas pessoas na verdade são empurradas para isso por causa do desemprego. Temos o caso dos microempreendedores individuais, em que se dá um CNPJ pra pessoa e ela tem que se virar sozinha. Então temos pensado no fortalecimento desses pequenos negócios. Uma das propostas do nosso plano de governo que eu mais gosto é a criação de uma incubadora social, que dê suporte e apoio a pequenos negócios que tenham impacto social e ambiental, como as associações de artesãos, de catadores, cooperativas de mulheres, de economia solidária, etc. Seria uma forma de ajudar esses negócios a se desenvolverem para gerar emprego e renda para essas pessoas.
Nós temos também um grande problema no que se refere a burocracia para a produção de alimentos, aquelas pessoas que começam a fazer bolos para vender, outros que trabalham com massa artesanais, por exemplo. É muito difícil para eles conseguirem os alvarás, existem muitas exigências que impedem que essas pessoas vendam seu produtos. Para isso, nós temos como proposta ou a criação de um berçário industrial voltado para estes pequenos negócios que trabalham com produção de alimentos, onde eles possam ter cozinhas montadas e adequadas, ou até mesmo a utilização de cozinhas comunitárias. Queremos a instalação destas estruturas nos bairros, para serem usadas em revezamento.
Queremos fortalecer o Banco do Povo, que pode captar recursos do BNDES. Apesar de ser empréstimos, e os juros hoje não estarem muito atrativos, podemos criar um fundo garantidor destes empréstimos para proporcionar esses recursos. Isso é papel do município, proporcionar este começo, ainda mais que o desemprego deve se agravar, precisamos fortalecer essas alternativas.
Cultura, lazer e comunicação
Frederico - Eu acho a comunicação muito importante, tanto que escolhi esse caminho profissional. Nós vivemos em um país em que a comunicação está divida entre algumas famílias. Hoje, nós temos exemplos de esforços como o Brasil de Fato, mas nós temos forças atuando pelo golpe contra a nossa presidente e também elegendo o atual presidente. Nesse sentido, eu considero muito importante a atuação das rádios comunitárias, que fazem uma comunicação direta com as pessoas e muitas vezes não têm nenhum apoio do município. Queremos apoiar essas rádios e atuar na informatização dos processos dos municípios, para facilitar também a comunicação das pessoas com o município.
Com relação à cultura, temos uma cidade privilegiada com diversas manifestações, porém só temos espaço para a cultura alemã. Temos manifestações que vão desde a cultura do hip-hop até a tradicionalista. Acreditamos que o espaço da Oktoberfest pode servir para apresentar todas essas culturas, e eu defendi isso em frente a Associação Empresarial de Santa Cruz do Sul. Achamos que temos que ter um dia em que possamos ter entrada gratuita no evento.
Precisamos também aumentar o repasse para a secretaria de cultura e criar editais para financiar artistas e trabalhos artísticos, e também montar uma estrutura de comunicação para informar sobre esses editais. A cultura tem que ser algo mais acessível, as pessoas precisam ter acesso a livros, a um teatro, mas infelizmente isso não é uma realidade para todos.
Segurança Pública
Manu - Eu defendo muito que segurança não é somente polícia na rua. Mesmo sabendo que a maior parte da gestão da segurança seja feita pelo governo do estado e federal, nós temos a Guarda Municipal, que é um fator importante de prevenção. Mas também nós temos pensado muito na ocupação dos espaços públicos, pois o que deixa a rua insegura é a ausência das pessoas na rua. Quando as pessoas ocupam os espaços, eles se tornam mais seguros, mas para que isso aconteça nós temos que investir em infraestrutura, como em iluminação por exemplo.
Além disso, a questão da prevenção da violência está ligada ao acesso da pessoa à oportunidades, renda, saúde, educação, lazer, etc. É como eu falei antes sobre a saúde, é toda uma rede que precisa ser garantida para prevenir a violência. São pontas que precisamos amarrar, se investe muito em medidas paliativas e pouco em prevenção, e nisso o município tem papel fundamental.
Cesta básica e alimentos
Manu - Toda a nossa região do Vale do Rio Pardo tem uma agricultura muito forte, principalmente voltada à produção do tabaco, mas também com iniciativas agroecológicas de produção de alimentos que são fantásticas. Queremos valorizar essas iniciativas e realizar as compras de alimentos do município com a agricultura familiar. Não é possível que Santa Cruz vá buscar alimentos na Ceasa, tendo toda essa produção de alimentos na nossa região, essa será uma das nossas prioridades.
Os agricultores nos relatam todo tipo de dificuldades, inclusive com o descumprimento da lei de compra de alimentos e a dificuldade que eles têm em botar seus produtos no supermercado. Queremos incentivar que esse alimento de qualidade chegue na mesa das pessoas e na merenda escolar. Eu defendo a criação de um plano de desenvolvimento estratégico da agricultura da região, com objetivos e metas para daqui a 10 ou 15 anos, aprovado em lei para que não seja uma política de governo, e sim do município. Queremos envolver nisso o Movimento dos Pequenos Agricultores, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra e todos os produtores que queiram firmar esse compromisso.
Participação social
Frederico - Nós temos circulado muito pela cidade, em bairros e associações de moradores, e temos ouvido muito das pessoas que elas não se sentem ouvidas. Nós tivemos diversas obras na cidade na última gestão que acabaram gerando transtornos para a população, as pessoas dessas regiões não foram ouvidas. O que nós precisamos é de um planejamento estratégico de desenvolvimento para a cidade como um todo, para garantir a mobilidade e o transporte para todos, por exemplo. E, para garantir que tenhamos uma distribuição justa de recursos, entendemos que temos como caminho o Orçamento Participativo. Queremos que as pessoas se reuniam em associações para discutir quais prioridades de cada região.
Eu e a Manu somos lideranças que nos constituímos no diálogo, nós fizemos um esforço de construir um plano de governo que contemplasse muitas pessoas, a sua construção já foi um esforço de irmos ao encontro das necessidades das pessoas, para construirmos um governo popular, com participação cidadã.
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Edição: Marcelo Ferreira