O prefeito Nelson Marchezan manipulou os dados contábeis do município de Porto Alegre para demonstrar uma situação financeira pior do que ela realmente é. O levantamento feito pelo jornal Matinal demonstra como o prefeito se utilizou dessa narrativa inventada para criar um ambiente de caos, que justificasse suas medidas como a privatização de postos de saúde, terceirizações e parcelamento de salários de servidores.
Durante sua gestão, Marchtem reiterado o fato de que teria assumido a prefeitura com as contas negativas e que seu trabalho teria sido bem sucedido em organizar essas finanças. Porém, a análise feita pelo Matinal demonstrou outra realidade. Segundo o jornal, o prefeito fez uma manobra com as contas: apresentou somente os chamados “recursos livres” do Tesouro, aqueles que não estão vinculados com despesas obrigatórias. Estas despesas que já têm destinação certa representam mais da metade das contas da cidade e não entraram na conta realizada pelo prefeito.
Segundo o Matinal, ao focar apenas nesses recursos livres, Marchezan pode demonstrar uma outra situação. Este recorte deliberado evidenciou um quadro de falta de recursos:
"Quem olha apenas para o caixa do Tesouro nos últimos 20 anos, como faz Marchezan para justificar o 'absoluto caos' nas finanças, chega à conclusão que Porto Alegre teve superávit em apenas dois anos: em 2008, durante a gestão de José Fogaça (MDB, 2005-2010); e, em 2011, na gestão Fortunati (PDT, 2010-2016)".
Porém, quando se observa o quadro total, somando-se todas as receitas e despesas da prefeitura (recursos livres do Tesouro + recursos com destinação obrigatória) a situação se inverte: a Capital fechou as contas no negativo em apenas três anos: 2004, 2012 e 2013.
Ainda segundo o jornal, a utilização deste tipo de manobra contábil, em Porto Alegre, foi uma invenção do governo Marchezan. Além de inédita, foi praticamente unânime em críticas: diversos ex-prefeitos a questionaram, bem como pelo Ministério Público de Contas e pela Justiça. Além disso, duas ações foram movidas pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), uma delas resultando em condenação de Marchezan, devido ao parcelamento de salários feitos durante os dois primeiros anos de mandato. O próprio vice prefeito de Marchezan, Gustavo Paim (PP), que atualmente concorre à prefeitura, utilizou a expressão “matemágica” para definir esta manipulação de informações.
Escolha política
A decisão do prefeito de fazer este tipo de conta Marchezan é uma escolha política. Com este discurso, o prefeito pôde encaminhar diversas ações com a justificativa de caos econômico. Porém, é um método questionável, segundo o estudo “A verdade das finanças da prefeitura de Porto Alegre”, elaborado pelo servidor público Jeferson Miola. Ele afirma que “O discurso da crise e do caos é injustificável e insustentável”.
Miola afirma que Marchezan usou uma "tecnicalidade" para defender suas políticas de desmonte das estruturas do munícipio, de parcelamento salarial dos servidores e de sucateamento das empresas públicas: "O parcelamento dos servidores no início do mandato foi uma decisão política, não técnica.” Com base em dados públicos, Miola mostra como os principais indicadores usados por Marchezan para justificar o discurso de crise das contas (endividamento alto, número elevado de funcionários públicos, despesas maiores que a receita, entre outros) não encontram respaldo nos números.
Consequências do discurso
A narrativa criada e as escolhas políticas que derivam dai trarão consequências para o município, é o que aponta o estudo feito por Miola. A questão do funcionalismo público aponta como uma das consequências mais imediatas. Marchezan têm insistido que Porto Alegre tem um problema com as contas e um dos principais responsáveis é a máquina pública. Segundo o que apurou o Matinal, isto não é verdade: o percentual de comprometimento do orçamento com o funcionalismo fica abaixo do determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que estipula um limite de gastos em até 54% da receita corrente líquida. Hoje, Porto Alegre gasta 46% da receita com o funcionalismo.
Além disso, a prefeitura contraiu empréstimos junto ao Banrisul para pagar salários dos servidores, ação desnecessária na opinião de Miola. Na sua opinião, o município tem uma boa saúde financeira e baixo grau de endividamento, devendo utilizar empréstimos para investimentos: “É um simulacro de crise”, enfatiza Miola.
Além disso, a decisão de parcelar os salários dos servidores pode custar caro à prefeitura. O jornal apurou que o Simpa acaba de vencer, em segunda instância, uma ação que cobra juros e correção monetária do período dos salários parcelados. No desenrolar da ação, o mesmo discurso contábil utilizado para justificar a falta de caixa para pagar os salários, não conseguiu convencer a justiça.
“Das duas uma: ou a prefeitura é muito desorganizada, ou tem recursos suficientes e não quer admitir”, avalia o advogado Eduardo Pimentel, da assessoria jurídica do Simpa. Em outra ação movida pelo Simpa, ainda em curso, o sindicato solicita acesso a todas as contas da prefeitura. “A falta de transparência da prefeitura nas finanças é um problema sério”, observa Pimentel.
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Edição: Matinal News