As eleições de 2020 serão as primeiras após a vitória eleitoral de Bolsonaro, e o contexto envolvido não é pouca coisa. Primeiro, a vitória do atual governo federal representou um passo adiante nas políticas anti povo: Bolsonaro se elegeu como candidato alinhado à dominação imperialista e às pautas dos empresários mais ricos do pais. Seu apoio à reforma da Previdência e trabalhista deixam isso claro, da mesma forma que o compromisso firmado com Emenda Constitucional 95, que limita os gastos do governo com a população. Segundo, as eleições municipais deste ano serão uma oportunidade de testar a capacidade de influência do campo formado principalmente pelos militares com a burguesia, em disputa com as representações tradicionais da burguesia e demais partidos de negócios.
Candidatos evitarão nacionalizar o debate
No cenário de Porto Alegre, entre os candidatos que aparecem com pelo menos 1% das intenções voto nas pesquisas, dois deles aparecem flagrantemente alinhados ao discurso e propostas do presidente.
Gustavo Paim é o candidato que mais fala abertamente sobre esse alinhamento, chegando ao ponto de citar seu apoio ao presidente em sua campanha na televisão. Se considera um candidato de "centro-direita", e se posiciona como "anti-esquerda", propondo políticas alinhadas ao governo federal, como a construção de pelo menos três escolas militares como solução para a educação da cidade, por exemplo.
Por outro lado, Valter Nagelstein também aparece como um propagador das ideias do presidente. Apesar de não citar o nome de Bolsonaro diretamente, o candidato defende pautas como o armamento da população civil e foi contra o isolamento social devido à emergência sanitária da pandemia.
Como pode-se perceber, em Porto Alegre, poucos candidatos de direita apostam na estratégia de alinhar-se em algum lado da disputa de projetos a nível nacional. A maioria das candidaturas prefere se focar em problemas locais e regionais. Para Marcus Rocha, mestre em ciência política pela UFRGS, o cenário das eleições municipais de 2020 é desafiador, não sendo favorável a discursos radicais muito definidos.
Segundo analisa, há cerca de um ano o governo Marchezan estava muito mal avaliado, havendo a percepção, em pesquisas, de uma certa melhora no começo da disseminação do coronavírus na capital. Marcus indica que, já durante a pandemia e chegando perto da campanha, as pesquisas indicavam um cenário pouco polarizado. De fato, apesar de apresentar uma candidata de esquerda na liderança, as pesquisas indicavam que logo atrás dela vinham candidatos não declaradamente de direita: "Marchezan tinha apoio, mas não muito. Manuela tinha resistência, mas não muita".
Ele lembra ainda que Bolsonaro não tem o aproveitamento de Lula em seu auge de popularidade, nem muito pouco como Dilma, no auge da campanha de ataque ao seu governo. Este cenário diminui as chances de algum candidato se aproveitar de alguma onda eleitoral: "Acredito que os principais candidatos em Porto Alegre, os que realmente querem ir para o segundo turno, não veem vantagem em nacionalizar a campanha".
Da forma como analisa, o bolsonarismo ou perdeu força muito rápido, ou se estabilizou em seu crescimento: "Os candidatos ficam com dificuldade de acertar o tom. Se forem abertamente a favor do presidente, enfrentam os limites da aprovação do Bolsonaro, que aumentou, mas não muito".
Além de Manuela, que se apresenta como uma candidata de esquerda e está liderando as pesquisas, este cenário parece favorecer candidatos que se apresentam como neutros. É o caso de Melo e Fortunati, que aparecem nas pesquisas com possibilidades de irem para o segundo turno.
Nesse cenário, Marchezan é o que caminha mais pressionado: por ser prefeito e tentar a reeleição, evita pisar neste terreno de disputa ideológica. Sua estratégia é tentar demonstrar os feitos de sua gestão, marcada não somente pela pandemia como também por muitos conflitos políticos com a oposição e a própria base, que se fragmentou.
Mesmo assim, para Marcus, esses candidatos tendem a se aproximar da pauta do governo Bolsonaro: "Sobretudo do ponto de vista econômico, candidatos como Paim, Marchezan, Nagelstein, Melo e Fortunati, por exemplo, tendem a se alinhar ao governo federal numa agenda liberalizante, com diferenças pontuais entre eles".
Porém, analisando mais atentamente, as pautas morais defendidas pelo bolsonarismo estão em segundo plano no debate, em detrimento das questões locais do município. Marcus cita como exemplo deste argumento a pauta da educação: as discussões estão mais restritas ao retorno das aulas presenciais e as condições do ensino remoto do que em torno da suposta doutrinação nas escolas, tão presente nas eleições de 2018.
Eleições fora do esperado e início de um novo ciclo
A pandemia do coronavírus não é o único fator de surpresa nessas eleições. Para Marcus, é inesperada também a dificuldade para quem polarizar o debate. Segundo ele, com a força que ganhou o bolsonarismo no Sul do país em 2018, seria difícil imaginar que em 2020 acontecesse uma eleição sem uma acentuação da polarização das posições. Lembra ainda que a campanha segue com muitos ataques, mas não como o esperado, situação refletida nos índices pouco demarcados de avaliação do prefeito, governador e presidente. A candidata que aparece na liderança das pesquisas tem a virtude de conseguir falar com um público amplo, tendo números consistentes em todas faixas de renda, cita o cientista.
Sobre o clima geral das eleições, considera que "depois de 2013 há um processo de acomodação da política brasileira, com o realinhamento da opinião pública. Essa incorporação ocorre em ondas, dentro do calendário eleitoral, além do impeachment". O raciocínio do cientista é de que este cenário reflete a conclusão de um ciclo de avanço da direita e o início de um outro. Em 2014 Dilma vence, por uma margem apertada e com um congresso mais hostil. Em 2016 esse realinhamento chega aos municípios e, em 2018, esse ciclo se completa com a eleição presidencial.
Desta forma, neste novo momento, tanta agressividade talvez não seja mais tão indicada: "Então considero que esse realinhamento das elites políticas já ocorreu e por isso estamos finalmente vendo eleições razoavelmente normais, sem retórica revolucionária de direita". Afinal, se estes agentes políticos já eram presentes nas instituições do estado, esta presença foi acentuada por este ciclo de avanço.
Neste novo cenário, conforme Marcus, as candidaturas da direita irão evitar se apoiar na imagem do agora presidente Bolsonaro, mesmo este mantendo uma quantidade estável de apoiadores. Enquanto candidato, era possível avançar sobre a população com promessas de mudanças, agora, uma vez eleito, os feitos concretos do presidente se conformam numa barreira a qual os candidatos de direita são obrigados a encarar, caso queiram tentar aproveitar de sua imagem.
Edição: Marcelo Ferreira