Em 1936, com sua Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda, John Maynard Keynes revolucionava o pensamento econômico, oferecendo um ponto-de-vista radicalmente diferente do que então predominava. A teoria contra a qual se opunha Keynes afirmava que o objetivo maior do empresário seria a obtenção do lucro máximo, que somente seria atingido quando o custo marginal se igualasse à receita marginal, isto é, quando o custo de cada unidade produzida se igualasse à receita obtida por cada unidade vendida, algo, diga-se de passagem, nunca constatado na realidade.
Tal corrente de pensamento apontava como modelo ideal de economia aquele em que os empresários tivessem iguais condições de competir e que houvesse barreiras mínimas à entrada de novas empresas no mercado. Como consequência, haveria muitas empresas em cada ramo de produção e comércio, fabricando e vendendo produtos praticamente idênticos entre si. Haveria, desse ponto de vista, eficiência produtiva e alocativa, e os preços seriam os mais baixos possíveis, beneficiando também os consumidores. O preço seria resultado da convergência entre oferta e demanda, como um ponto de equilíbrio em que os vendedores concordassem em vender e os compradores concordassem em comprar determinada mercadoria em determinado valor.
A empresa que não conseguisse se manter tendo lucros a esse preço de mercado, definido na interação entre oferta e demanda, sucumbiria por sua ineficiência. Esse modelo ideal, para funcionar perfeitamente, exigiria que não houvesse interferências externas, de modo a beneficiar ou prejudicar uma ou outra empresa. Obviamente, que o principal agente de interferência externa seria o próprio Estado, que interfere a partir de vários mecanismos, dentre eles, a política tributária, leis ambientais, de regulação, de estímulos setoriais e até mesmo através da atuação direta no mercado por meio de empresas públicas.
Desde então, o Estado passa a ser visto, por alguns, como um empecilho à obtenção desse modelo econômico ideal, como se fosse a antítese da concorrência perfeita. O ideal a ser buscado torna-se o livre mercado, ou seja, sem interferências externas, em que empresas, em teoria, concorreriam livremente entre si. Com a crise da dívida externa no final dos anos 1970 e nos 1980, a diminuição do tamanho do Estado surge como bandeira, quando a teoria é apropriada por autores e ideólogos do neoliberalismo, que ganham força por meio do Consenso de Washington.
A preocupação com a diminuição do Estado teve muito sucesso em se infiltrar nos círculos empresariais brasileiros e em sua representação política e acadêmica. O teto de gastos que vige há três anos no Brasil representa seu maior feito já conquistado, e bastou Bolsonaro sinalizar com uma tímida mudança em seu texto constitucional para que esse grupo, tendo como porta-voz Paulo Guedes, imediatamente se mobilizasse em contrário, forçando o presidente a retroceder e, novamente, voltar sua mira à redução do Estado, por meio, agora, da reforma Administrativa.
Os três anos de evidente insucesso da camisa-de-força imposta ao Estado brasileiro, já que a economia do país continuou patinando, não foram suficientes para convencer esse grupo. Pelo contrário, no RS, alguns deputados (Novo, PP, MDB, PSDB, DEM, PSL, Cidadania e Republicanos) pretendem copiar o mecanismo, como se fosse solução para a atual crise fiscal em que se encontra o Estado, o qual, diga-se de passagem, é o que mais vem cortando gastos nos últimos anos.
Essa obstinação da classe empresarial e sua representação tem por trás o temor de que a dívida volte a crescer de forma descontrolada, mas também de que os gastos venham a ser compensados, nos médio e longo prazos, com o aumento de impostos. Como consequência, a solução apontada passa a ser a redução dos gastos do Estado. Daí porque a teoria marginalista seja invocada até hoje para justificar a diminuição do Estado, como se isso fosse uma consequência inevitável da tentativa de fazer com que não interfira na economia.
Cabe afirmar que uma dívida elevada, em si, não chega a ser um problema. Há diversos países que são exemplos de alta relação dívida-PIB e situação econômica favorável – Japão, Itália, Cingapura, Bélgica, Espanha, França, Reino Unido, Canadá, EUA. Por outro lado, a elevação de impostos nem sempre é a única ferramenta de que dispõe o Estado para financiar seus gastos, na medida em que o país possui autonomia para condução de sua política monetária. A solução adotada pela China para sair da crise asiática, no final dos 1990, por exemplo, foi um forte endividamento público. Desde então, diga-se de passagem, o país cresce a altas taxas e de forma consistente e, hoje, sua dívida não chega a 50% do PIB.
Claro que o objetivo maior de uma nação é o crescimento econômico, e não uma boa relação dívida-PIB. Esta pode ser uma simples consequência de um crescimento econômico consistente, tal como é exemplo a China e como foi o próprio Brasil nos anos 2000. Se o PIB cresce, por óbvio, a relação dívida-PIB diminui.
Além disso, como diria Keynes, a redução do Estado tem uma consequência negativa bastante óbvia para o crescimento econômico, já que os “gastos do governo” são um dos componentes do PIB. Quando todos os demais estão estagnados (consumo, investimento, exportações líquidas), como é comum em situação de crise econômica, os “gastos do governo” tornam-se a única alternativa capaz de reativar a economia. Claro que, em um contexto de crescimento econômico, tal política pode ter um efeito danoso, gerando inflação. A pergunta que cabe se fazer, portanto, é em que situação estamos vivendo.
* Auditor fiscal da Receita Estadual do RS, mestre em Economia pela Ufrgs
Edição: Katia Marko