Rio Grande do Sul

Eleições 2020

A Cidade que Queremos conversa com Ivan Duarte e Iyá Sandrali

BdF RS e Rede Soberania conversam com os candidatos do PT à prefeitura de Pelotas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Confira os principais temas debatidos e assista à entrevista completa - Reprodução

Pelotas é a quarta cidade com maior número de votantes do Rio Grande do Sul. Também é a quarta mais populosa, com mais de 300 mil habitantes. É um polo regional de serviços e trabalho, junto com Rio Grande, de toda a região Sul do estado. É um centro de educação também, principalmente pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que ganhou repercussão nacional durante a pandemia por ser do centro de epidemiologia desta instituição a maior pesquisa sobre a covid-19 no mundo.

Em Pelotas, cerca de 10% se autodeclaram negras ou pardas, de acordo com o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010. Mas não é o que se observa circulando pela cidade, onde uma maioria negra é facilmente percebida. Esta contradição levanta discussões sobre o racismo estrutural da cidade, que já foi uma das mais ricas do país em tempos de trabalho escravo, que construiu os principais casarões que ainda se encontram de pé, como atrações turísticas na cidade.

Ivan Duarte

Ivan Duarte tem 58 anos e é candidato a prefeito pela primeira vez. Nos anos 1980, ajudou a fundar o PT em Pelotas, cidade em que se elegeu sete vezes consecutivas como vereador, cargo que ocupa desde 1992.

“Pelotas já foi o maior PIB do interior, durante muitas décadas, até os anos 70 éramos a ‘Princesa do Sul’. Quando houve o desenvolvimento industrial das regiões Metropolitana e da Serra, cerca de oito cidades ultrapassaram o nosso PIB, isso de 50 anos pra cá. Ficamos para trás, presos a um modelo do setor primário: pêssego, leite, carne, etc. Produtos que perderam valor em relação aos produtos industrializados e tecnológicos”, avalia.

Ivan relata que a cidade empobreceu muito nesse processo. Por ser um polo regional, junto com com Rio Grande, as pessoas das cidades próximas da região Sul são atraídas para Pelotas, em busca de serviços e empregos. Como a cidade também passou por um processo de empobrecimento, relata, estas pessoas acabam ficando nas periferias da cidade, formando um cinturão de miséria muito grande.

Lembra também que Pelotas é uma das cidade mais negras do Brasil, com mais da metade da população descendente de africanos, o que deixou marcas culturais muito fortes na cidade, mesmo havendo evidente problemas relacionados à autoafirmação dessa população decorrentes do racismo. São mais de 300 centros de religião de matriz africana na cidade, para se ter uma ideia.

Iyá Sandrali

Essa tradição está representada na figura de Iyá Sandrali, candidata a vice-prefeita. Sandrali é uma iyalorixá, autoridade no terreno das instituições religiosas negras.

Com 71 anos, é uma mulher negra, ativista social, servidora pública, educadora, psicóloga e especialista em criminologia. Com 20 anos, começou a trabalhar no então Instituto Central de Menores como alfabetizadora.

“Queremos sim mudar Pelotas. Mas de nada adianta apresentar um programa se não vamos criar espaços para que a população se enxergue neste programa. Isso só acontece se as pessoas puderem participar da política”, afirma.

Confira a live completa e os principais pontos debatidos na entrevista:

Educação

Ivan Duarte – Quando falamos em educação em Pelotas, precisamos entender que a cidade tem um grande número de funcionários públicos, uma estrutura de serviços muito grande. Não estou dizendo que tem gente demais, ao contrário, não falta trabalho. São em torno de 8 mil funcionários públicos e cerca de 70% deles não recebe um salário mínimo, têm que ganhar algum complemento para cumprir o que determina a Constituição. É comum, por exemplo, em concursos públicos para médicos não ter nenhum candidato, tão baixo é o salário. Quando falamos em educação, a primeira questão que surge é o pagamento do piso do salário, é o nosso primeiro grande desafio.

Queremos enfrentar a questão da educação em três desafios. Primeiro é a modernização tecnológica. Com a internet podemos oferecer o mundo para a pessoa, e isso não pode estar atrelado a questões sociais, o poder público tem que oferecer isso para as camadas mais pobres, é possível fazer isso. Vamos tentar até o fim do mandato.

Segundo, queremos radicalizar a democracia na relação do poder público com as escolas. Queremos dar autonomia para as escolas e fortalecer os conselhos escolares, o ambiente escolar tem que ser um organismo vivo que fortalece a relação com as comunidades. Terceiro, no primeiro mês de governo, vamos chamar as lideranças do funcionalismo, da administração direta e indireta, para traçar um plano de melhorar, em quatro anos, as condições de trabalho da categoria.

Saúde

Iyá Sandrali - Nessa questão que envolve a saúde da mulher, temos que pensar: sobre onde que recai sempre o maior problema? Sempre nas mulheres, principalmente as pobres e negras, as que mais usam o SUS. A visão que os governos neoliberais têm é de que não é necessário cuidar da saúde dos que mais precisam, pois eles governam pra quem pode pagar por um plano de saúde. Nós fazemos uma defesa intransigente do SUS.

Na questão do que foi feito com os exames de câncer das mulheres aqui de Pelotas, foi um crime que foi abafado para favorecer a eleição do governador. Precisamos ter um cuidado especial com a saúde da mulher e da população negra. Pelotas tem indicadores considerados altos na área da saúde, mas se formos nos aprofundar nesse dado e fazer um recorte, veremos que a população negra está com índices muito baixos. Precisamos que todas as pessoas estejam incluídas nesse Índice de Desenvolvimento Humano alto.

Ivan – Sobre esse tema, temos que falar da covid. Pelotas teve mais tempo para se preparar, por causa da propagação do vírus que chegou depois aqui. Nossa prefeita chegou a dar entrevista como a única cidade, entre as 20 maiores do Brasil, sem nenhuma morte. Tivemos tempo, chegamos a construir um hospital de campanha que gastou em torno de R$ 500 mil, que foi desativo sem internar ninguém. Chegamos ao absurdo de construir um bom número de UTI’s e não ter profissionais para trabalhar.

Ao mesmo tempo, nós temos aqui em Pelotas um centro de epidemiologia, ligado à Universidade Federal de Pelotas, que tem reconhecimento internacional, com pesquisas publicadas no mundo todo. Quando surge uma epidemia e se tem disponível um centro de epidemiologia deste tamanho, o que é o mais lógico a ser feito? Eu chamaria eles para dentro da prefeitura. O que a prefeita fez? O mesmo que o governador Eduardo Leite: ouviu os empresários pra saber o que deveria ser aberto ou fechado.

Nós estamos organizando para fazer a gestão municipal da vacina, não vamos esperar que ela chegue da forma que o Bolsonaro quiser. Faremos isso junto às universidades. Queremos também aumentar a testagem dos profissionais da saúde, da segurança e do comércio, que estão mais expostos.

Saúde é um tema que é mal tratado no Brasil, consideramos que moradia e habitação é saúde também, por exemplo. Nesse sentido, temos o problema do saneamento básico, que todas as casas tenham a coleta do esgoto. Nós temos em Pelotas o SANEP, uma autarquia centenária com quase 800 funcionários que cuida do saneamento da cidade. Os governos do PSDB tentaram por várias vezes vender o SANEP, e nós impedimos. O saneamento é um problema em Pelotas, nós visitamos muitas famílias em bairros pobres que ficavam com vergonha de nos convidar para entrar na casa, pois para isso era necessário passar por cima de um esgoto. Imagina o que isso significa para a saúde das pessoas, das crianças. Isto ainda por cima atrai muitos mosquitos, que é um grande problema em Pelotas no verão, é uma cidade baixa, plana e cercada por água.

Existe um projeto feito por engenheiros do SANEP que pretende universalizar o saneamento em Pelotas, em nove anos, sem investimento privado. Os governos Fetter e Paula pegaram verba federal e construíram estações de tratamento de esgoto sem nenhum planejamento, sem que as casas estejam ligadas na rede de esgoto. Temos grandes obras de saneamento, com verbas federais, ligadas a um baixo número de residências. Para resolver isso, já temos este estudo feito pelo SANEP, com verbas públicas.

Geração de trabalho e renda

Ivan – Quando a gente vai analisar a estrutura e os gastos, a gente percebe algumas prioridades. Diversos partidos apoiaram a Paula em sua eleição, depois ela teve que acomodar essa gente toda em cargos na prefeitura. Pelotas hoje tem cerca de 400 cargos de confiança [que são nomeados pela gestão]. A cidade não precisa de tudo isso, nós vamos cortar essa quantidade e investir em microcrédito, pras pessoas que têm seus pequenos negócios e estão desesperadas. Aqui temos feudos nas secretarias, onde tentam acomodar os seus e que ficam funcionando cada um de uma forma. Queremos que a prefeitura funcione como um corpo todo.

Temos também o sonho de reviver na cidade o orçamento participativo, chamar a população para conhecer a máquina pública e dar as suas prioridades, governar com a população.

Cultura

Sandrali – Eu sou carnavalesca, e foi numa conversa sobre o carnaval com o Ivan que a gente formou a dupla. Eu disse pra ele naquela primeira conversa que a gente precisava pensar sobre o carnaval da cidade, já foi considerado um dos melhores do Brasil. Pelotas tem essa festa na sua tradição, das famílias se envolverem. A gente precisa retomar uma política de cultura que seja descentralizada, como já foi feito na cidade. O cerne da cultura está no bairro, nas nossas relações.

Ivan – Com a aprovação da Lei Aldir Blanc, de apoio aos trabalhadores da cultura, nós reunimos um fórum com mais de 60 pessoas que trabalham na área. A cultura na cidade tem essa força, o pessoal consegue se organizar e pautar a prefeitura, organizar calendários. A questão do carnaval é muito forte, como a Sandrali falou, as famílias realmente se envolvem. Nos anos 70, tivemos um prefeito que prometeu, se eleito, instituir o carnaval de oito dias. Ele conseguiu se eleger, cumpriu a promessa, e todo ano a cidade festejava os oito dias, tamanho é o envolvimento das pessoas. Justamente por ser essa festa popular, o PSDB quase acabou com o carnaval na cidade, que hoje sobrevive às custas das pessoas. Queremos terminar nossos quatro anos de governo com o carnaval vivo de novo, precisamos discutir o modelo com as entidades, se vai ser descentralizado.

Pelotas também tem a característica de ser uma cidade que tem vida à noite. Diferente de outras cidades, onde a partir das 19h não tem ninguém na rua, aqui a vida recomeça depois que cai o dia. Isso forma muita gente que vive disso, da música, dos bares, das rodas de samba, temos que chamar esse povo todo para construir. Temos a proposta de fazer o Porto da cidade ser uma região de inovação tecnológica e da cultura. A região era para ser um porto auxiliar de Rio Grande, mas com as políticas do Temer ficou abandonada. Queremos aproveitar as universidades que têm na região e chamar as cabeças pensantes de Pelotas para fazer o desenvolvimento da região.

Segurança

Sandrali – O tema da segurança pública é muito caro para nós. Aqui na cidade tivemos construída uma política chamada “Pacto pela Paz”, que de paz não tem nada. Este pacto militarizou a Guarda Municipal, sabemos que quando isso acontece, quem apanha é a “negadinha”. Eu falo assim, pois é assim que eles pensam na gente. Quem apanha é o estudante e o jovem negro, que muitas vezes vem de interior e de outras cidades, que muitas vezes são chamados de maconheiros, é um racismo muito forte. Muitas vezes dizemos que a segurança não é obrigação do governo municipal, mas achamos que temos que nos preocupar com isso sim. Segurança pública está ligado com saúde, com lazer, com mobilidade. Uma coisa está colada na outra.

Edição: Marcelo Ferreira