Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

Abraço, um retrato da educação sergipana que serve para todo país

Filme de ficção sobre a luta dos educadores será lançado virtualmente nesta quinta-feira (15), no Dia do Professor

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"O filme Abraço é mais uma ferramenta importante para a discussão e debate do tema da educação", afirma o diretor DF Fiuza - Divulgação

“Ana Rosa, por que você não faz como a maioria das mulheres? Por que não fica em casa, cuidando do seu marido, dos seus filhos, da sua casa?” A indagação faz parte de um diálogo de duas personagens do filme "Abraço", que retrata a luta travada por professores sergipanos, em 2018, para não perder seus direitos conquistados. 

Ana Rosa (Giuliana Maria) é uma professora, mãe, líder sindical, que tem que lutar contra a oposição e o machismo da família para liderar os professores em um importante movimento grevista. Além da personagem de Giuliana, o filme traz como um dos protagonistas, um personagem negro, interpretado pelo ator Flávio Bauraqui. 

Vencedor de um dos festivais de cinema mais importante do país, o Cine PE, com o prêmio “Melhor Filme” (Júri Popular), o longa-metragem “Abraço”, dirigido por DF Fiuza, é baseado em fatos reais e contou com a participação de mais de 500 figurantes e outros 80 atores locais, de Sergipe, desconhecidos do grande público. 

Originalmente programado para ser lançado nos cinemas em 1º de Maio, Dia do Trabalhador, o longa teve sua estreia adiada por conta da pandemia. E chega agora como uma homenagem aos professores, no dia de celebração da categoria, 15 de outubro, na plataforma digital Looke e em cinemas drive-in do país. A partir do dia 29, o filme também será disponibilizado nas plataformas digitais Apple TV, Google Play, NOW, Looke, Vivo Play e Youtube Filmes.

O Brasil de Fato RS conversou com o diretor DF Fiuza sobre o filme, que apesar de ser uma ficção retrata a constante luta dos professores, não só do estado nordestino, mas como de todo o país. “Não estamos falando de privilégios, estamos falando de direitos básicos, como o cumprimento do piso salarial, pagamento em dia dos salários e reajustes necessários. Privilégio é ter carro, motorista, paletó, combustível, passagens aéreas e pessoas para puxar a sua cadeira para você sentar, isso sim é privilégio gozado por políticos e juízes", destaca o diretor.

"Um país que vê o trabalhador como inimigo, que coloca a polícia pra descer o cacete em professores, que ao invés de valorizar, criminaliza, esse país não tem compromisso com o povo e com o futuro da nação”, sentencia. 

Abaixo a entrevista completa

Brasil de Fato RS - Gostaria que tu falasse um pouco sobre o filme Abraço. Como surgiu a ideia do filme? O que te motivou?

DF Fiuza - Em 2017, o sindicato dos professores de Sergipe completou 40 anos. Neste mesmo ano, eles me convidaram para produzir um documentário para contar a história do sindicato. Naquele instante eu percebi que ali estava uma excelente oportunidade para fazer um filme que de algum modo dialogasse com a atual realidade de destruição de todos os direitos da classe trabalhadora, da cultura, da educação e dos movimentos sindicais e sociais. Então, ao invés de fazer um documentário sobre a história do sindicato, optamos por fazer um filme de ficção baseado em um episódio da história do sindicato, de preferência um episódio que refletisse o contexto atual. Assim nasceu Abraço.

A sociedade tem uma visão distorcida do movimento sindical. De um modo geral, um sindicalista não é visto com bons olhos; sem meias palavras, é considerado um vagabundo.

BdFRS - O filme retrata o ano de 2018, focado em Sergipe. Contudo, ao mesmo tempo, retrata uma realidade nacional. Aqui no RS os professores estão há mais de cinco anos com salários parcelados e constantemente atacados pelo poder público. Nesse cenário, como tu vês a importância do filme para se discutir a educação?

DF Fiuza- Se nós considerarmos que as condições de trabalho, valorização profissional e a formação continuada de professores estão diretamente relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas, então podemos dizer que o filme Abraço é mais uma ferramenta importante para a discussão e debate do tema da educação. No filme, 30 mil professoras e professores entram em greve para lutar contra a retirada de direitos e por valorização, enquanto isso, a escola para, fica fechada. Se o governo fosse sério e tivesse o verdadeiro comprometimento com o futuro desse país, professores não precisariam parar de dar aula para lutar por seus direitos.

E não estamos falando de privilégios, estamos falando de direitos básicos, como o cumprimento do piso salarial, pagamento em dia dos salários e reajustes necessários. Privilégio é ter carro, motorista, paletó, combustível, passagens aéreas e pessoas para puxar a sua cadeira para você sentar, isso sim é privilégio gozado por políticos e juízes. 

Enfim, um país que vê o trabalhador como inimigo, que coloca a polícia pra descer o cacete em professores, que ao invés de valorizar, criminaliza, esse país não tem compromisso com o povo e com o futuro da nação.


O filme também passou no teste de Bechdel-Wallace, criado para avaliar a representatividade feminina / Divulgação

 
BdFRS - O filme traz como protagonista uma professora dividida entre a defesa de seus direitos profissionais e a rotina doméstica e familiar em sua casa. No atual contexto que estamos vivendo, decorrente da pandemia, a situação foi aprofundada. Como tu descreverias esse cenário, e a disputa que se trava para a falta das aulas presenciais?

DF Fiuza - Tenho duas filhas, uma em escola particular e outra em escola pública aqui na Bahia. A minha filha de escola particular está tendo aula online, recebe atividade, faz pesquisa e trabalhos de arte em casa. Já a minha filha da escola pública e outros milhões de estudantes estão há sete meses esquecidos pelo Estado brasileiro. Não se trata de abrir as escolas e colocar alunos e professores em risco de morte, se trata de fazer alguma coisa. Como pai de aluno de escola pública posso dizer que nada está sendo feito por esses estudantes. 

A maior disputa não é política no sentido eleitoreiro, a maior disputa é cultural, é de revolução e transformação desse senso comum que ainda hoje acha normal e aceitável crianças dormindo na sarjeta das ruas, por exemplo.

BdFRS - Qual a importância de um filme de ficção ser financiado pelo movimento sindical?

DF Fiuza - Cultura. A sociedade tem uma visão distorcida do movimento sindical. De um modo geral, um sindicalista não é visto com bons olhos; sem meias palavras, é considerado um vagabundo. Pois bem, primeiro, vamos falar cultura. É do senso comum que uma família é composta por um homem, uma mulher e seus filhos. É do senso comum homem ganhar mais do que mulher, a submissão feminina, a meritocracia, o preconceito contra negros, pobres, mulheres, favelados, indígenas. É do senso comum que filhos de ricos herdem seus bens e não precisem trabalhar, que alguém viva de juros sem trabalhar. É do senso comum que baiano é preguiçoso e nordestino é ignorante. É do senso comum que ladrão bom é ladrão morto, é do senso comum que o jovem favelado e negro seja o bandido morto. É do sendo comum que sindicalista é vagabundo e não presta. Enfim, tudo isso é cultural e nada está escrito, não é lei, mas rege a nossa sociedade. Tanto assim que temos na presidência da república um homem que conseguiu reunir em torno de si todas as formas de preconceitos e ainda assim foi eleito presidente do Brasil. 

Então, a maior disputa não é política no sentido eleitoreiro, a maior disputa é cultural, é de revolução e transformação desse senso comum que ainda hoje acha normal e aceitável crianças dormindo na sarjeta das ruas, por exemplo. Nesse sentido, um sindicato financiar a produção de um filme que apresente a luta sindical como uma luta justa e necessária e que saiu do senso comum é muito importante. 

Destaco dois pontos na produção do filme Abraço. Primeiro, o sindicato entendeu que precisa romper a barreira do movimento sindical para dialogar com a sociedade e não apenas com os seus filiados e a sua categoria. Segundo, o sindicato também entendeu que financiar obras culturais, como cinema, por exemplo, lhe permita maior alcance de comunicação com a sociedade. O trailer do filme Abraço teve mais de 100 mil visualizações em poucos dias, o filme vai passar em cinemas e estará disponível nas plataformas digitais para o mundo todo. Que outra ferramenta usual de comunicação dos sindicatos alcançaria esse resultado?

BdFRS - Gostaria que tu nos falasse um pouco da tua trajetória, próximos projetos.

DF Fiuza - Este é o meu terceiro filme realizado através de sindicatos de educação. O primeiro foi o documentário “Carregadoras de Sonhos” (2010 – disponível no Youtube) que acompanha um dia na vida de quatro professoras no sertão sergipano. Este filme também foi financiado pelo sindicato dos professores de Sergipe, o mesmo que financiou o filme Abraço. Depois veio o curta de ficção “Minha Voz minha Vida” (2011 - disponível no Youtube) que mostra três professores enfrentando problemas com a voz, que foi financiado pelo Sinpro-SP. E agora Abraço.

Meu próximo projeto é uma série de ficção (Gaiolas) que vai se passar no interior do Nordeste, no ano de 1985, após fim da ditadura, e tem como temas educação, política e sociedade brasileira. Estou trabalhando nesse projeto há três anos, estou terminando de escrever o último episódio da primeira temporada, que serão de 10 episódios. A série Gaiolas deveria ser a primeira série de ficção totalmente produzida e financiada pelo movimento sindical brasileira, isso sim seria uma grande revolução. Sindicatos do Brasil, vocês precisam produzir cultura, pois se quiserem de fato fazer disputa de poder, precisam primeira fazer disputa de hegemonia, de senso comum, de conceitos, de cultura.

Edição: Marcelo Ferreira