Uma em cada 3 diminuiu a ida a consultas e a realização de exames presenciais; o mesmo número disse não ter recebido orientação alguma nas consultas de pré-natal sobre como evitar a contaminação pelo coronavírus. Quase 60% tiveram redução de rendimentos e 28% das grávidas tiveram que continuar a sair para trabalhar. Uma em cada 3 não sabe onde vai deixar o bebê após a licença-maternidade. Para 84% a experiência da gravidez ficou mais difícil por causa da pandemia.
Dificuldade para realizar exames, muito tempo confinada, maior ansiedade, medo de contágio e desinformação são alguns dos novos dilemas vividos por grávidas ou puérperas em meio à pandemia do novo coronavírus. A emergência sanitária, na esteira de uma crise econômica de longa duração, impactou negativamente as vidas de 67% das participantes da pesquisa Mulheres Grávidas e Puérperas diante do Coronavírus, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva com usuárias da plataforma BabyCenter.
A chegada do novo coronavírus ao Brasil em meio à gestação causou medo a 85% das respondentes e tornou mais difícil a experiência da gravidez para 84%. Apesar dos temores e sustos vividos, 85% das mulheres que não fizeram nenhum teste para covid-19, independentemente de suspeita de contaminação, gostariam de ter feito a testagem.
E para 87% a pandemia impactou negativamente também no apoio recebido para cuidar do bebê, seja porque não tem ou terá ajuda seja porque tem ou terá menos ajuda devido ao coronavírus; entre as que estão em puerpério – período de 45 dias pós-parto, ou seja, que já estão com o bebê em casa –esse impacto negativo chega a atingir 90%.
A partir dos dados da pesquisa, o Instituto Patrícia Galvão destaca que é preciso maior atenção do Estado e das instituições de saúde às mulheres grávidas e puérperas neste momento de emergência. O Instituto, que há 19 anos atua no campo dos direitos das mulheres e da comunicação, ressalta também a necessidade de serem desenvolvidas políticas específicas para essas brasileiras, como acesso a testes, regulamentação do afastamento do trabalho e extensão da licença-maternidade.
Informações atualizadas sobre o vírus, a covid-19 e seus impactos na gravidez, puerpério, amamentação e para as crianças recém-nascidas são outra demanda urgente, que deve ser observada especialmente pelas equipes de saúde durante o pré-natal nas maternidades e nos hospitais. Políticas de saúde mental e suporte psicológico para gestantes e puérperas, em um momento que já é difícil em situações tidas de normalidade, são consideradas urgências pela equipe da pesquisa. Os dados do estudo chamam a atenção para o problema da garantia dos direitos de acesso a informações e condições que permitam seguir as orientações sanitárias para contenção da pandemia.
Medo de sair de casa impacta pré-natal de 1 em cada 3 brasileiras
Para 8 em cada 10 grávidas, a realização dos exames pré-natais ainda se dá, durante a pandemia, de forma exclusivamente presencial, embora as gestantes integrem os grupos de risco reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ter que sair de casa para fazer os exames de acompanhamento gestacional durante o período preocupou muito 58% das mulheres ouvidas na pesquisa. Para as que viveram a gravidez no início da pandemia o índice de preocupação elevada foi de 68%. No período do levantamento, passados cinco meses da declaração de emergência internacional pela OMS e já com mais informações à disposição, 52% das grávidas ainda relataram muita preocupação ao ter que deixar o lar para monitorar as condições da gestação.
A pandemia fez com que uma em cada três mulheres reduzisse a frequência de realização de exames e consultas presenciais e muitas relataram terem deixado de ser acompanhadas por parceiros ou parceiras. Para 39%, diminuiu a participação de cônjuge nas consultas de pré-natal ou puerpério e 36% viveram essa diminuição no acompanhamento em exames.
Ainda assim, 59% das participantes da pesquisa relataram preferir o pré-natal presencial. O resultado pode estar relacionado a outro dado revelado pelo levantamento: entre as que realizaram o acompanhamento somente por teleconsulta, as que se disseram satisfeitas foram apenas 58%, diante das 85% que só foram atendidas presencialmente e consideraram satisfatório o atendimento.
Diante de uma nova realidade que parece ter chegado para ficar ainda por muito tempo, os índices revelam a necessidade de as clínicas, os hospitais, as maternidades e os laboratórios investirem em condições de prestação de serviço de qualidade à distância. Os resultados evidenciam também uma alta demanda por alas exclusivas para grávidas e parturientes nas unidades de saúde, mais informações, afastamento do trabalho, isolamento total e trabalho remoto.
Menos renda, maior incerteza e mais trabalho
A insegurança econômica levou 28% das grávidas ocupadas a saírem de casa para trabalhar.
Entre as trabalhadoras que não estão saindo de casa também há um alto índice de preocupações: 31% delas não sabem com quem vão deixar a criança quando precisarem retornar ao trabalho presencial. Esse número tende a crescer se as creches (onde 16% responderam que os bebês vão ficar) estiverem fechadas ao final da licença-maternidade.
Para 70% a demanda de trabalho doméstico cresceu e 35% sentiram-se totalmente sobrecarregadas com as tarefas do lar e de cuidados.
Nove em cada 10 respondentes são casadas ou moram junto com o pai do bebê. E para 18% a chegada da pandemia fez aumentarem as brigas em casa.
Desinformação sobre riscos de contágio e garantia de direitos
Como destacado anteriormente, é baixo o acesso a informações sobre contágio e prevenção: 31% disseram não ter recebido nenhuma orientação nas consultas de pré-natal sobre como evitar a contaminação pelo coronavírus. Embora a maioria (88%) sinta-se bem informada em relação ao risco do coronavírus para a população em geral, 56% não se sentem bem informadas sobre o risco de contágio para o recém-nascido e 41%avaliam não estarem bem informadas sobre os riscos específicos para as grávidas
Somente 32% relataram estar bem informadas sobre as medidas adotadas pela maternidade onde teve ou terá o bebê para evitar a contaminação pelo novo vírus.
Mais da metade das participantes da pesquisa disse não saber se pode haver transmissão vertical (da mãe para a criança) em caso de infecção na gravidez, um tema sobre o qual ainda estão sendo realizados estudos para comprovar essa relação. Já foi relatada a detecção de vírus em recém-nascidos, ainda sem confirmação se o contágio foi intrauterino ou durante o parto, e um estudo da Unesp identificou em junho genes de transmissão vertical da covid.
A falta de informações impacta também em outros direitos. Apesar de a quase totalidade das mulheres (98%) ter relatado vontade de amamentar ou que estava em aleitamento materno, quase metade (49%) não amamentaria caso estivesse com o vírus. O índice sobe para 67% nas classes D e E.
E, embora seja lei desde 2005 ― Lei 11.108 ―, 53% das mulheres que estavam grávidas durante o trabalho de campo da pesquisa não sabiam se poderiam ter acompanhante no hospital no imediato pós-parto. Em alguns estados brasileiros ― a exemplo do Amazonas, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo e Tocantins ― e no Distrito Federal, as Defensorias Públicas têm atuado para assegurar esse direito das mulheres após hospitais terem proibido a presença de uma pessoa da escolha da mulher para acompanhar o parto.
Acesse o relatório do estudo na íntegra em pdf
Sobre o estudo
A pesquisa Mulheres Grávidas e Puérperas diante do Coronavírus foi realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva com apoio da ONU Mulheres e da plataforma BabyCenter, em parceria com o Unicef e o UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas). Participaram do estudo online 2.753 mulheres de 18 a 44 anos de idade de todas as classes sociais e regiões do país ―1.713 grávidas e 1.040 puérperas ― entre 23 de julho e 8 de agosto de 2020. A margem de erro é de 2,9 pontos percentuais.
Edição: Agência Patrícia Galvão