Rio Grande do Sul

SEGURANÇA PÚBLICA

O que Porto Alegre pode e deve fazer pela segurança pública?

Live do Bdf RS e da Rede Soberania debateu o tema com três especialistas; confira os principais pontos e a live completa

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Especialistas debatem a segurança pública e propostas para cidade de Porto Alegre - Wikimedia Commons

O Brasil de Fato e a Rede Soberania se propuseram a debater o tema da segurança pública. O assunto, atualmente, é apropriado pela direita como se não houvessem opções além do aumento da repressão e da violência policial, estreitando a visão da população. É verdade que no município há limites para esta discussão, sendo o estado e a União os principais responsáveis. Porém, em época de eleições municipais, não se pode fugir do assunto e buscar quem apresente propostas e ideias relevantes.

Por isso, foi questionado o que Porto Alegre pode e deve fazer pela segurança pública para três pessoas envolvidas diretamente com o tema. O trio de convidados, além de atuar na área, estão candidatos às eleições para a Câmara Municipal de Porto Alegre.

Participaram Aline Kerber (integrante dos Pais e Mães pela Democracia, socióloga e especialista em segurança pública), Espírito Santo (guarda municipal de Porto Alegre) e Leonel Radde (policial civil do RS). Confira um resumo das contribuições e a live completa:


Aline Kerber

Socióloga que pesquisa o tema da segurança, Aline considera que o papel dos municípios, na segurança, no Brasil, foi historicamente controverso. Fala que, por um lado, existe a ideia hegemônica de que segurança é repressão e controle, por outro lado, pouquíssimos vereadores e prefeitos se dispõem a assumir a liderança dessa agenda. 

Lembra que em Porto Alegre houveram algumas experiências interessantes, como os Territórios de Paz e a Justiça Comunitária. Além disso, na cidade existe a Guarda Municipal mais antiga do estado, que trabalha com inteligência e com videomonitoramento. 

“No estado, são poucas as cidades que têm algum nível de municipalização na segurança pública, em torno de 60, e em Porto Alegre temos tido uma perda de protagonismo nessa agenda. Eu sei disso pois desenvolvi o primeiro censo sobre ações municipais de segurança pública”, lembra.

O estudo citado e desenvolvido por Aline é o “Atlas da Municipalização da Segurança Pública do Rio Grande do Sul”, realizado em 2014 e que gerou também um outro estudo, chamado “Dossiê 1º Censo sobre Ações Municipais de Segurança Pública do RS”. Este dossiê, inclusive, gerou o desenvolvimento do inédito “Índice de Municipalização da Segurança Pública (IMUSP)”, fruto da pesquisa social realizada por Aline. 

Ela também ressalta que Porto Alegre é uma das cidades mais violentas do Brasil. Apenas 2% dos territórios concentram a metade da violência letal da cidade. Ressalta, ainda, que a cidade tem os maiores índices de roubos e furtos de veículos entre as capitais.

“Esses índices afetam muito a nossa percepção de segurança, o que faz com que as pessoas busquem soluções simplórias. Os políticos se aproveitam disso”. Aline cita como exemplo a própria política de segurança do governo Bolsonaro, tida como atrasada, que flexibiliza justamente o principal fator de risco da violência, que são as armas de fogo. Justamente em um país campeão de homicídios, mais de 60 mil por ano.

Em Porto Alegre, mais de 70% das mortes são por armas de fogo. Além disso, na cidade, existe um perfil bem traçado de quem são essas vítimas: em grande maioria, jovens, negros, de baixa escolaridade e moradores de periferia.

Para a cidade ganhar esta pauta, Aline considera que é necessária a estratégia de prevenção às violências letais. Para isso, entende como fundamental a integração das ações com dados e inteligência. Além disso, concebe uma visão mais ampla de política, das áreas integradas de segurança pública. Ela fala em um cruzamento da cultura, da educação e da segurança cidadã. 

Espírito Santo

Santo é guarda municipal e, logo no início da entrevista, disse, ironicamente: “A segurança é um tema que todo mundo parece ter uma varinha mágica”. Sua opinião é de que o governo Marchezan esqueceu do tema e não dialogou com a Guarda, que é uma ferramenta que o município tem para lidar com a segurança. Porém, faz a ressalva que a Guarda sozinha não pode resolver todos os problemas, sendo necessárias políticas públicas para resolver os problemas dos territórios. Considera que onde o estado se faz presente, a violência diminui.

“Eu sou um agente que está na ponta, que vive a realidade. A Guarda tem essa característica de ser comunitária. Há uns 10 anos atrás, fazíamos um trabalho de estar espalhados pelo município. Atualmente, estamos presentes em parques e praças”, conta. Santo considera que isso trouxe uma resposta positiva para a comunidade, que sente a presença da Guarda.

Fala na promulgação do estatuto das Guardas Municipais, 26 anos após a promulgação da Constituição, onde houveram mudanças no sentido de fazer patrulhamentos preventivos, ter centros de inteligência e ações preventivas, como palestras em escolas. “Nós da Guarda percebemos a receptividade da comunidade, aos nos fazermos presentes”, ressalta.

Considera necessário caminhar cada vez mais na implementação de uma Guarda cidadã, comunitária, que esteja presente na vida das pessoas e que não seja somente repressiva: ”Estamos indo nesse sentido, mas precisamos de mais investimento. O governo Marchezan, de 290 cargos vagos que temos, contratou apenas 10, em um concurso que demorou anos para ser feito”.

Também considera indispensável a presença do Estado, principalmente nas periferias, onde se nota a ausência das políticas públicas. Este fato se tornou mais evidente no atual momento de pandemia. Cita como exemplo desta ausência a ação do governo Marchezan de retirar do Orçamento Participativo os recursos que a cidade geria e utilizava da forma que lhe trouxesse mais dignidade, como na moradia e na infraestrutura, por exemplo.  

“A segurança pública não se dá somente na figura do agente da Guarda ou da Brigada, mas também nas melhorias que a cidade precisa, como a iluminação pública, o cuidado com terrenos baldios, etc", avalia.

Leonel Radde

Policial civil do estado, Radde trabalha na divisão de homicídios de Porto Alegre. Acredita que, embora o município não tenha ingerência nas instituições que, prioritariamente, lidam com a segurança pública e combate a criminalidade, é nas cidades onde se encontram as maiores possibilidades de ações que sejam preventivas à criminalidade e de melhoria à sensação de segurança pública. 

Escolas públicas de qualidade, com atividades de contraturno, cuidado com espaços públicos (cita os parques e praças), equipamentos e espaços para a prática do esporte e profissionais bem remunerados são algumas das medidas que contribuem nas melhoras dos índices de segurança.

Lembra também de duas medidas que já foram implementadas à época dos governos petistas na capital e que foram abandonadas: as oficinas de descentralização e reativação dos centros comunitários. Com isso, concordou com as falas dos demais entrevistados, que consideram indispensável o desenvolvimento integral das comunidades como parte de uma política de segurança pública. 

“Podemos pensar uma atuação, a partir do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), de uma Guarda Municipal que esteja presente resolvendo conflitos, casos de perturbação. Normalmente pensamos na atuação das polícias somente nos homicídios [por exemplo], porém, se o estado se faz presente nesses conflitos, agindo de forma focada, podemos ter um resultado considerável”, avalia. Ressalta também que nas, várias cidades que fizeram projetos para a Guarda Municipal ser o elo de diálogo entre a comunidade e outros entes públicos, fazendo um trabalho de prevenção, o resultado foi de diminuição dos conflitos, lógica de respeito à diversidade e às comunidades. 

Cita como exemplo a cidade de Canoas durante a gestão petista, onde a Guarda Municipal realizava atividades culturais em escolas. Outra medida lembrada é a integração dos sistemas de monitoramento eletrônico, necessitando a manutenção dos equipamentos danificados. Principalmente, em sua fala, Radde elenca a prevenção como fator de diminuição da violência e aumento da sensação de segurança, entendendo como parte de uma política atividades de educação, de esporte e de cuidado com as condições urbanas. 

Na sua avaliação, porém, "a questão orçamentária limita muito a atividade estatal nas comunidades, mas é necessária a ação para melhorar esses índices que pioraram muito com o governo Leite e Bolsonaro”.


 

Edição: Marcelo Ferreira