Contrariando a avaliação feita pela comunidade escolar, sindicatos, conselhos escolares e resultados de pesquisas, a Prefeitura de Porto Alegre iniciou nesta segunda-feira (05) o retorno das aulas presenciais para crianças de zero a cinco anos. De acordo com o Executivo municipal, cerca de 1.788 crianças de 159 instituições de ensino estatais e comunitárias retornaram atividades. Na avaliação de entidades representativas da categoria dos educadores, muitas escolas não estão aptas para o retorno seguro.
Escolas com janelas pequenas, pouco espaço de circulação ou de área aberta ou ventilada, corredores estreitos, salas pequenas que ficam lotadas, alunos que se tocam. Assim são descritas as escolas. A definição é feita por aqueles que tem contato direto com essa realidade, e que agora estão prestes a voltar à ela. O retorno não seria preocupante, se não fosse o contexto da pandemia e a insegurança sanitária que as escolas representam.
Na semana passada, um acordo entre a Prefeitura de Porto Alegre e o governo do Rio Grande do Sul autorizou o retorno das aulas da educação infantil, do terceiro ano do ensino médio e do ensino profissionalizante. O encontro foi mediado pelo Ministério Público do Estado. Após esse encontro, o protocolo de retorno às aulas presenciais foi flexibilizado. Entre os pontos de flexibilização está que a diretoria de cada instituição de ensino será responsável pelo monitoramento e pela execução do plano de contingência e dos protocolos sanitários, e deverá designar os encarregados pelo cumprimento das normas sanitárias.
A Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), que defende a greve sanitária, reforça que não há condições para reabrir as escolas. “Estamos sem garantias mínimas de prevenção, essas poderiam começar pela testagem nas comunidades escolares, decréscimo no número de casos confirmados nas periferias, locais onde temos a maioria das escolas e uma avaliação sanitária dos espaços escolares. A avaliação, de acordo com prefeito, parte da autodeclaração da direção que se achar em condições para abrir. Como educadora eu entendo que não podemos tratar risco de vida com amadorismo ou achismos, pois não temos habilitação para assumir está responsabilidade. Entendemos que essa tarefa deveria ser da área técnica científica ou de quem o gestor aferir em condições de assumir isso, mas não os professores em cargo de direção”, salienta Maria José da Silva, diretora geral da Atempa.
Frente à imposição do retorno das atividades escolares, educadores municipários decidiram pela manutenção do estado de greve. A decisão foi reafirmada em assembleia geral, realizada nesta segunda-feira (5), pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), que contou com a participação de 800 servidoras e servidores de Porto Alegre. Conforme apontou o sindicato, a decisão é em resposta à intransigência do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), que insiste em manter a retomada das atividades presenciais nas escolas mesmo sem haver condições sanitárias adequadas à proteção da saúde de crianças, servidores e da comunidade escolar como um todo.
Uma nova assembleia será realizada na terça-feira da próxima semana (13), podendo ser antecipada, a depender da conjuntura.
Escolas precisam de segurança sanitária
Professora de educação artística da Escola Municipal de Ensino Fundamental José Ribeiro Alves e integrante da direção da Atempa, Carolina Hugo aponta que o protocolo estipulado pelo Executivo municipal é inviável pela estrutura das escolas, pela maneira como os alunos se relacionam. “Teria que fazer muita obra nas escolas, teria que abrir mais porta, construir mais salas, contratar mais funcionários de limpeza, funcionário que ajudasse, por exemplo, a medir a temperatura dos alunos”, aponta. Ela explica que são centenas de alunos chegando, por exemplo, no turno da manhã, e um contingente de 30 a 40 professores para recebê-los e estar com eles, para garantir o distanciamento e ainda medir a temperatura.
Segundo destaca Carolina, a verba recebida pelas escolas é insuficiente para adequar as estruturas. Além disso, acrescenta a educadora, seria preciso a visita de uma equipe técnica que estudasse a realidade de cada escola individualmente, o que não foi feito. “Parece que esses protocolos foram feitos em um mundo ideal, por alguém sentado em uma mesa e que não conhece as escolas. Nas escolas, dado o funcionamento e o fluxo que elas apresentam, esses protocolos são inviáveis. O acordo entre município e estado foi feito sem pensar as escolas individualmente. Na verdade, inclusive, sem pensar como um todo. Talvez alguma escola particular consiga garantir a segurança sanitária. A rede pública não garante porque o governo não pisou nas escolas para saber o que as escolas precisam, quais são as condições”, frisa.
"Estamos sendo obrigados a retornar sabendo que isso é gravíssimo, sabendo que não temos condições", afirma Carolina. Segundo ela, a categoria está resistindo como pode, "denunciando, procurando dialogar com o MP, que no momento está aguardando para ver como vai ser esse retorno dentro das normas. As autodeclarações, parte de nós vai dizer que não está ok para o retorno. Mas a Smed (Secretaria da Educação), conforme o acordo feito entre município e estado, vai dizer que está ok e vamos ser obrigados a retornar". Para ela, a cidade com a situação mais crítica foi flexibilizada. A capital gaúcha é a cidade com o maior número de infectados e de vítimas fatais no estado, sendo 33.045 infectados e 1.074 óbitos, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde.
Para Daniela Mello da Rosa, professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Morro da Cruz e representante da Atempa no Conselho Municipal de Educação, é lamentável a situação que se encontra hoje a questão a reabertura das escolas em Porto Alegre. “Infelizmente passamos por sete meses de omissão do poder público, em que durante esse tempo não foram feitas discussões com a comunidade escolar, com as entidades que representam os trabalhadores em educação, que representam as escolas, e outras entidades que representam a educação no município”, aponta.
De acordo com ela, o que se observa em Porto Alegre é um poder público que está se eximindo da sua responsabilidade como administrador de ensino, como gestor da saúde pública, sobrecarregando as escolas públicas e as escolas privadas da incumbência que deveria ser do Executivo de garantir a segurança sanitária.
“Em relação ao calendário, há um risco à vida e um risco à saúde das nossas comunidades escolares. É realmente necessário uma mudança nos procedimentos por parte da administração municipal. As escolas precisam de segurança para poder fazer o planejamento para um retorno escolar. É preciso que se garanta o direito a esse planejamento prévio para que as instituições possam se preparar para um retorno gradual das atividades, da presença física dos estudantes, dos trabalhadores em educação, de forma que ninguém se sinta inseguro diante uma pandemia”, afirma Daniela.
Para ela os planos de contingência e os protocolos deveriam ser elaborados pelas escolas, e a responsabilidade da segurança deveria ficar a cargo de técnicos e dos órgão competentes, e não das direções das escolas.
Comitê Científico não recomenda volta às aulas no RS
Em reunião virtual da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, realizada na manhã desta terça-feira (6), a reitora da Universidade da Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre e presidente do Comitê Científico de apoio ao enfrentamento da pandemia, Lucia Pellanda, pontuou que o o conselho não recomenda o retorno às aulas presenciais no estado.
De acordo com a reitora, uma nota técnica e considerações do Comitê Científico sobre a volta às aulas e a pandemia da covid-19 recomendam que somente se considere o retorno às atividades presenciais quando houver desaceleração significativa do número de casos novos e capacidade de rastreamento e testagem de todos os casos novos nas escolas, além de garantia de estruturas para aplicação dos protocolos de segurança necessários.
Na ocasião, Lucia Pellanda disse que o Comitê Científico entende que não é possível o relaxamento do distanciamento físico e a retomada das aulas em locais onde há transmissão comunitária não controlada. Segundo ela, apesar das crianças terem baixo risco, elas não estão isentas de contaminação e, pela característica de circulação, as crianças têm grande capacidade de transmissão.
Calendário proposto pela prefeitura
05/10 - retorno da educação infantil, 3º ano do ensino médio, educação profissional e EJA
13/10 - alimentação das outras escolas e atividades de apoio e adaptação
19/10 - ensino fundamental 1, especial e EJA (municipal)
03/11 - ensino fundamental 2, restante do ensino médio e especial
*Com informações da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira